Novo programa no Recife incentiva educação e reinserção profissional com bolsas de até R$ 600
O Programa Pão e Letra terá quatro modalidades, com turmas de 30 alunos em três Centros Pop, selecionados previamente por edital

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A educação como meio de transformação social e oportunidade para a reinserção no mercado de trabalho é o principal norteador do Programa Pão e Letra, lançado nesta terça-feira (19), no Compaz Ariano Suassuna, no bairro do Cordeiro.
Voltado a pessoas em situação de rua, o programa oferece bolsas de estudo que variam entre R$ 200 e R$ 600 para usuários dos serviços da Assistência Social do Recife, com o objetivo de incentivar o retorno à sala de aula.
Durante o lançamento, Jailson Santos, coordenador estadual do Movimento Nacional da População de Rua, celebrou a iniciativa e destacou a importância de políticas públicas que promovam dignidade e acesso à cidadania.
“Infelizmente, muitas vezes as pessoas em situação de rua são vistas como fantasmas, como bichos, como alguém excluído da sociedade, mas nunca como pessoas”, afirmou.
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No Recife, que tem 1.806 pessoas vivendo em situação de rua, dados do Censo Pop Rua — divulgado pela Prefeitura do Recife em agosto de 2023 e realizado em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) — revelam que cerca de 32% dessa população interrompeu os estudos ainda nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Apenas 15% concluíram o Ensino Médio, e apenas 1% possui nível superior ou tecnológico. O levantamento também aponta que 22% dessas pessoas afirmam não saber ler ou escrever.
“Nós queremos provocar esse hábito da leitura, fazer o letramento dessas pessoas, para que elas voltem à sala de aula, possam concluir o Ensino Médio, se capacitar para retornar ao mercado de trabalho e serem reinseridas na sociedade”, declarou Jailson. Ele também destacou que o Movimento Nacional da População de Rua defende que as políticas públicas sejam desenvolvidas de forma intersetorial, ou seja, que não se limitem apenas à área de assistência social.
“Precisamos de habitação, trabalho e renda, saúde e, principalmente, educação — que é a base de tudo. Esse projeto aqui é uma lei [sancionada em 2023], então será uma política contínua. Esperamos que ele possa avançar em todo o território de Pernambuco, para que consigamos melhorar a vida das pessoas em situação de rua”, defendeu.
Francesco Caetano da Silva, de 40 anos, é natural de São Paulo, mas vive no Recife há 26 anos. Ele contou à coluna Enem e Educação que, na adolescência, por diversos motivos pessoais, acabou perdendo o interesse pelos estudos e abandonou a escola.
"Como eu passei a viver numa situação desagradável aos olhos da sociedade, por morar na rua, esse projeto me motiva a voltar a olhar para o meu futuro. Porque, como diz o ditado, nosso futuro depende dos nossos estudos", disse, emocionado. "Quando as pessoas têm um certo nível de estudo, as oportunidades surgem naturalmente. Mas, quando elas não têm, as portas se fecham", completou.
Modalidades do Programa Pão e Letra
O Programa Pão e Letra funcionará, na prática, com quatro modalidades, contemplando uma turma de 30 alunos cada, já selecionados por meio de um edital. Todos os alunos receberam kits compostos por mochila, caderno, caneta, garrafa, boné e fardamento.
Uma vez inserido como Iniciante, o educando participará de aulas de letramento ministradas por profissionais do Programa de Educação Tutorial (PET) da UFRPE.
As aulas ocorrerão em três unidades dos Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centros Pop): Centro POP Neuza Gomes, na Madalena; Centro POP José Pedro de Lima Filho, em Boa Viagem; e Centro POP Glória, em Santo Amaro. Nessa modalidade, o valor da bolsa de estudos será de R$ 200.
"Quando a pessoa em situação de rua, ele vira estudante do nível Iniciante, ele precisa frequentar um dos Centros Pop, fazer esse curso de letramento por seis meses e depois, ele deverá ser introduzido na EJA, tanto no Ensino Fundamental ou Ensino Médio, de acordo com o momento que ele parou de estudar", explicou a secretária de Assistência Social e Combate à Fome, Pâmela Alves.
De acordo com a titular da pasta, é necessário que os estudantes cumpram a meta de frequência - semanal - para que a bolsa de estudos seja concedida.
Na modalidade Estudante, o educando já terá passado pelas aulas iniciais de letramento e será encaminhado para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), ofertada pela Secretaria de Educação do Recife. Nesse caso, a bolsa será de R$ 300.
Como Multiplicador, o participante já terá concluído os estudos, passado pela qualificação profissional e atuará no programa por meio da mobilização social. Para essa função, o valor da bolsa será de R$ 600.
Para os participantes inseridos em projetos de qualificação profissional, a bolsa será de R$ 300. Essa modalidade é destinada a educandos que estejam matriculados em cursos promovidos pela Secretaria de Trabalho e Qualificação Profissional (STQP), com duração superior a um mês.
Metodologia e parceria com a UFRPE
A Secretaria de Assistência Social e Combate à Fome é responsável pela concessão das bolsas e pela mobilização dos participantes, enquanto a UFRPE contribui com a qualidade da formação, por meio do PET, no eixo Letramento, e do Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagens e Práticas Pedagógicas, que apoiaram a construção metodológica e a formação dos educandos.
O coordenador do programa na UFRPE, Otávio Augusto, afirmou que a iniciativa surgiu diante da grande exclusão social e escolar da população em situação de rua.
"Nós pensamos num programa de extensão que pudesse permitir aos nossos estudantes de licenciatura, que tem 400 horas reservadas para atividades de estágio, ao invés de estarem só na escola, eles possam fazer atividades pedagógicas junto com a população de rua", explicou o docente.
A iniciativa se tornou uma política pública e agora, com a iniciação do Programa Pão e Letra, a UFRPE irá atuar no sentido complementar e de cuidado pedagógico dentro do processo de escolarização destas pessoas.
"Os nossos estudantes, com apoio de um conjunto de professores, vão ficar fornecendo essas formações de modo a socializá-los e prepará-los para o processo de retorno à escola. Nosso objetivo não é substituir a escola. Pelo contrário, nós queremos fortalecer a EJA", destacou Otávio Augusto.
Dia Nacional da Luta da População em Situação de Rua
A aula inaugural do Programa Pão e Letra ocorreu em dia simbólico: o Dia Nacional da Luta da População em Situação de Rua.
A data faz referência ao chamado "Massacre da Sé", série de ataques violentos contra pessoas em situação de rua na Praça da Sé, em São Paulo (SP), entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004. No total, 13 pessoas foram agredidas enquanto dormiam; sete morreram e as outras seis ficaram com sequelas permanentes.
"Neste dia damos um novo significado ao 19 de agosto, com respeito, compaixão e cuidado. O Recife está fazendo algo inédito: chamar uma universidade pública federal e contratá-la para que possamos, em parceria, realizar uma formação de letramento para pessoas em situação de rua", afirmou o prefeito do Recife, João Campos, presente na aula inaugural.
O chefe do Executivo municipal destacou a importância do Programa Pão e Letra no apoio à população em situação de rua. Apesar de haver diversas frentes em andamento, ele ressaltou que essa iniciativa se diferencia por estar vinculada à geração de renda, o que garante um caráter permanente ao trabalho.
Além disso, a inclusão tem sido promovida por meio das contratações públicas no próprio Executivo. Como exemplo, o prefeito mencionou o abrigo noturno municipal, onde ex-usuários dos serviços se tornaram funcionários e, com o tempo, alcançaram cargos de gestão nos mesmos espaços onde um dia foram acolhidos.