Giro Metropolitano: maioria dos municípios do Grande Recife não atinge metas de alfabetização

O videocast da Rádio Jornal recebeu Mozart Neves Ramos para debater os desafios da alfabetização na Região Metropolitana do Recife

Por Mirella Araújo Publicado em 17/08/2025 às 0:00

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A alfabetização é um pilar fundamental no processo educacional e impacta diretamente o desempenho do aluno ao longo de sua trajetória escolar. No entanto, dados recentes divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) sobre a alfabetização de crianças do 2º ano do Ensino Fundamental revelam um cenário que exige atenção, apesar dos avanços.

Na Região Metropolitana do Recife (RMR), apenas quatro cidades superaram a meta estabelecida para 2024: Itapissuma (82,75%), Araçoiaba (53,49%), São Lourenço da Mata (53,32%) e Igarassu (66,97%).

O tema foi debatido no videocast Giro Metropolitano, da Rádio Jornal, que recebeu o professor Mozart Neves Ramos, ex-secretário de Educação de Pernambuco e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da USP, em Ribeirão Preto.

Durante a entrevista, o especialista destacou a urgência de um regime de colaboração entre União, estados e municípios para enfrentar os desafios da alfabetização.

Mozart também ressaltou a importância da qualidade na formação de professores, da gestão educacional com foco em resultados e da compreensão dos impactos do contexto social e do uso da tecnologia no processo de ensino e aprendizagem.

Segundo ele, investir em educação é apostar em um retorno de alta rentabilidade para o país — um compromisso que precisa ser contínuo e independente das mudanças de governo.

 

Educação como investimento

O professor Mozart Neves Ramos citou o economista James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000, ao afirmar que o melhor investimento que podia ser feito era na Primeira Infância — "a cada um dólar investido nessa primeira fase da vida, gera retorno de 7 a 10 dólares no futuro", afirmou.

Com base nessa perspectiva, o professor defendeu a importância de uma articulação eficaz entre a pré-escola e os dois primeiros anos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pois é nesse período que o ciclo da alfabetização deveria se dar de maneira completa.

Os resultados obtidos por municípios da Região Metropolitana do Recife evidenciam a necessidade de uma coordenação local mais eficaz no enfrentamento dos desafios da alfabetização.

No Recife, por exemplo, a meta era alfabetizar 65,29% das crianças na idade certa, mas o percentual alcançado foi de apenas 54,36%. Em Jaboatão dos Guararapes, o objetivo era atingir 61,03%, mas o índice registrado foi de 54,98%. Já em Ipojuca, embora a meta fosse de 70,24%, apenas 64,15% dos alunos do 2º ano demonstraram saber ler e escrever.

Ao analisar os percentuais, Ramos é categórico: não adianta "dar o mesmo remédio para problemas diferentes".

"Uma escola localizada em Boa Viagem, na rede municipal, é muito diferente de uma situada na periferia do Recife, em uma região mais complexa do ponto de vista social e econômico. Por isso, é preciso adotar olhares distintos para alcançar resultados mais equânimes entre as escolas. Há uma desigualdade muito grande dentro da própria rede de ensino do Recife", destacou o professor, afirmando ainda ter ficado surpreso com o desempenho da capital pernambucana.

Diante desse cenário, o professor chama atenção para um déficit no Brasil quando se trata da formação de alfabetizadores. 

"Eu arrisco a dizer que ninguém mais estava formando alfabetizadores neste país (...) Precisamos preparar, qualificar e formar, além de realizar concursos que não sejam temporários e que garantam uma política de formação continuada. Para isso, o professor precisa ter estabilidade na função e ser avaliado ao longo do processo, o que é fundamental para uma formação de qualidade", completou.

Aplicação dos recursos precisa focar em qualidade

Durante a entrevista ao Giro Metropolitano, o ex-reitor da UFPE, Mozart Neves Ramos, também destacou que, desde o ano 2000, o Brasil quase quadruplicara o investimento por aluno na educação básica, em todas as etapas. No entanto, os resultados não acompanharam esse crescimento, mesmo antes da pandemia. "O Ensino Médio permanece estagnado em um patamar muito baixo", afirmou.

Para ele, o problema não está exatamente na falta de recursos, mas no foco da aplicação. Mozart observou que, muitas vezes, secretários de Educação evitavam "quebrar ovos" para promover mudanças estruturais, preferindo manter a própria visibilidade ou evitar desgastes políticos.

"Às vezes, o dinheiro existe, mas o gestor não está empoderado pelo prefeito ou governador e se mantém inseguro no cargo", acrescentou.

Segundo o professor, é preciso alinhar três pontos fundamentais: um financiamento adequado, a melhoria da qualidade da gestão e, principalmente, foco e disciplina na execução das políticas educacionais.

"Não é possível resolver tudo em quatro anos, então é preciso priorizar", disse. Se fosse secretário municipal, Mozart concentraria todos os esforços na alfabetização adequada das crianças. "Se não houver sucesso na alfabetização, o que vier depois será apenas maquiagem", concluiu.

 

Arthur Borba/JC Imagem
Professor e ex-reitor da UFPE, Mozart Ramos Neves - Arthur Borba/JC Imagem

Confira o posicionamento dos municípios sobre o Índice Nacional Criança Alfabetizada:

Abreu e Lima

Em Abreu e Lima, o resultado apontado pelo Índice Nacional Criança Alfabetizada foi de 40,40%, enquanto a meta estabelecida para 2025 é de 52,75%. Em nota, a prefeitura reconheceu o desafio, mas afirmou que o cenário faz parte de um processo transformador, já em andamento, que exige esforços estratégicos e colaborativos.

A gestão municipal informou que tem adotado uma série de medidas para melhorar a qualidade do ensino, entre elas a formação continuada de professores e gestores, com foco na atualização pedagógica e na adoção de práticas inovadoras em sala de aula. Também destacou o acompanhamento sistemático das aprendizagens, com monitoramento individualizado dos estudantes e correção de rotas em tempo hábil.

Outro ponto citado foi a convocação de novos professores aprovados em concurso público, o que tem permitido ampliar o quadro docente e fortalecer a rede municipal de ensino. Além disso, a prefeitura tem buscado integrar indicadores educacionais ao planejamento de políticas públicas mais eficazes.

"Sabemos que mudanças sustentáveis não ocorrem de forma imediata, mas os pilares que construímos — aliados ao engajamento de profissionais dedicados — são a base para avanços consistentes. A meta de 52,75% não é apenas um número, mas um compromisso com o futuro de nossos estudantes, e estamos mobilizando todos os recursos necessários para alcançá-la", finaliza a nota.

Cabo de Santo Agostinho

O Cabo de Santo Agostinho também não alcançou a meta estabelecida pelo MEC para 2024. O município registrou 50,72%, abaixo dos 59,25% previstos. Em nota, a prefeitura atribuiu o desempenho aos desafios herdados da administração anterior, que, segundo a gestão atual, impactaram diretamente os indicadores educacionais.

"As principais dificuldades foram: o déficit significativo de professores, a ausência de funcionários administrativos nas escolas no momento da transição de governo, além do número insuficiente de carteiras escolares, fazendo com que algumas unidades fizessem rodízio de turmas", informou a administração municipal.

Para reverter esse cenário, a Secretaria de Educação afirmou que tem implementado uma série de ações estruturantes, como o fortalecimento da formação continuada dos profissionais da educação e a contratação de mais de 200 professores efetivos aprovados no último concurso público. A prefeitura também adquiriu materiais pedagógicos voltados à recomposição das aprendizagens e lançou o Projeto Conexões da Leitura, iniciativa que busca estimular o hábito da leitura e atuar diretamente na alfabetização na idade certa.

Outra medida destacada foi a aplicação de uma avaliação diagnóstica nas escolas, com o objetivo de identificar as principais dificuldades de aprendizagem e, a partir disso, construir um plano de intervenção específico para cada unidade.

Camaragibe

O município de Camaragibe não atingiu a meta estabelecida de 62,2% de crianças alfabetizadas, alcançando 57,57%. Segundo a gestão municipal, que também se pronunciou por nota, o resultado reflete uma série de dificuldades enfrentadas pela rede de ensino, sendo uma das principais o rodízio de professores contratados — problema que, de acordo com a prefeitura, foi recentemente superado com a nomeação de 210 docentes aprovados no último concurso público.

A prefeitura também apontou que o avanço é fruto do esforço coletivo da rede municipal, que intensificou a implementação do próprio programa de alfabetização partindo de um patamar mais baixo em anos anteriores.

"Nas atuais circunstâncias, esse retrato nos ajuda a redimensionar passos e tomar decisões", informou a gestão. Entre essas decisões, estão os investimentos em formação continuada na área de Língua Portuguesa, com foco em habilidades prioritárias, e a adesão à Plataforma de Avaliações Formativas do MEC.

Ipojuca

Em Ipojuca, a meta para 2024 era de 70,24%, mas o resultado final foi de 64,15%. Em nota, a gestão afirmou que assumiu do Executivo apenas neste ano, mas que já iniciou uma série de medidas com foco na alfabetização. 

Segundo a prefeitura, um diagnóstico realizado recentemente com estudantes do 2º ano do ensino fundamental, por meio de testes de fluência, apontou que apenas 4% dos alunos dessa etapa são considerados leitores fluentes. 

"Entre as ações implementadas está o projeto Alfabetiza Ipojuca, voltado exclusivamente aos estudantes do 2º ano. A iniciativa busca estimular o aprendizado da leitura e da escrita de forma contextualizada, assegurando que os alunos desenvolvam essas habilidades de maneira sólida e eficaz", explica a nota. 

Como parte da metodologia, os estudantes participam de atividades específicas duas vezes por semana, em grupos reduzidos e fora da sala de aula regular. Atualmente, a rede municipal conta com 48 turmas formadas por grupos de 5 a 10 estudantes, acompanhadas por professores alfabetizadores especializados, que atuam nos turnos da manhã e da tarde com até duas turmas cada", complementa. 

Itamaracá 

Em Itamaracá, o município alcançou 50,60% de crianças alfabetizadas, enquanto a meta prevista para 2024 era de 57,61%. A rede municipal conta com cerca de 270 alunos matriculados no 2º ano do ensino fundamental.

Segundo a diretora de Ensino, Marta Correia Lima, os resultados refletem a ausência de investimentos adequados na formação dos profissionais da educação na gestão anterior. "Como ponto de partida, entendemos que a equipe gestora precisa se conscientizar dos dados. Procuramos os coordenadores pedagógicos, que atuam diretamente com os professores, para discutir possíveis causas dos baixos índices observados", afirmou.

Em seguida, foi estabelecido um cronograma de escuta com as equipes escolares. A partir das análises, identificou-se que os docentes responsáveis pelas turmas de 1º e 2º ano não estavam adequados às necessidades dessas séries", completou.

Com esse diagnóstico, a rede passou a ofertar formações específicas e estratégias voltadas à alfabetização e ao letramento, além de aplicar avaliações junto aos estudantes. "Agora é o momento de buscar acertar ao máximo e reverter esse quadro", concluiu.

Jaboatão dos Guararapes

A coluna Enem e Educação entrou em contato com a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes para repercutir os resultados do Índice Nacional Criança Alfabetizada, mas foi informada pela assessoria de imprensa que a gestão municipal não iria comentar o assunto.

De acordo com os dados divulgados, o município deveria atingir, em 2024, a meta de 61,03% de crianças do 2º ano do ensino fundamental alfabetizadas — ou seja, capazes de ler e escrever textos simples. No entanto, além de não alcançar esse patamar, registrou um resultado inferior: 54,8%. O índice também representa um recuo em relação a 2023, quando o percentual foi de 57,3%.

Moreno

Em Moreno, o índice esperado era que 57,79% das crianças estivessem alfabetizadas até o fim do 2º ano do Ensino Fundamental, mas o município alcançou 43,93%.

Ainda assim, a gestão municipal afirmou por nota que, "com um percentual de alfabetização dentro do Nível 1 — entre 40% e 50% dos estudantes —, a rede municipal demonstra que, apesar dos desafios, há avanços reais e consistentes no processo de aprendizagem. Esse resultado vem sendo acompanhado por meio de uma estratégia pedagógica baseada em avaliações contínuas e integradas".

De acordo com a prefeitura, as escolas da rede realizam avaliações diagnósticas que ajudam a construir um perfil das turmas. A partir desses dados, os professores podem compreender melhor os níveis de aprendizagem dos alunos e adaptar seus planos de ensino às necessidades reais das salas de aula.

Além disso, a gestão afirmou adotar um modelo de monitoramento regular, no qual os resultados são constantemente analisados, para permitir ajustes imediatos nas metodologias e nas práticas pedagógicas.

"O objetivo é garantir que nenhum estudante fique para trás e que todos tenham acesso às ferramentas necessárias para desenvolver plenamente suas capacidades de leitura e escrita", concluiu.

Olinda

Em Olinda, o índice alcançado em 2024 foi muito próximo da meta do MEC. A cidade atingiu 62,29%, ante os 62,95% estabelecidos. Segundo Eline Lima, diretora de Ensino da Prefeitura de Olinda, em conversa com a coluna Enem e Educação, a gestão municipal tem investido em formação continuada para os professores e, recentemente, realizou um concurso público para reforçar o quadro docente da rede.

"Agora temos um quadro de professores mais consolidado, o que diminui a rotatividade. Também contamos com um acompanhamento pedagógico muito importante: cada técnico do ensino fundamental acompanha até quatro escolas. Isso significa que cada unidade recebe a atenção da Secretaria, pelo menos uma vez por semana", explicou.

Também é aplicada uma avaliação de percurso, tanto de fluência quanto dos componentes curriculares, não apenas de Língua Portuguesa, mas também de Matemática. Além disso, a rede conta com uma plataforma própria que reúne os resultados desses estudantes. Quando é identificado que uma criança é não leitora ou apenas leitora de sílabas, a equipe da escola é mobilizada para realizar um trabalho pontual de intervenção.

A rede municipal de Olinda conta com cerca de 25.500 estudantes matriculados, sendo 2.700 deles do 2º ano do ensino fundamental. "Nós precisamos trabalhar o campo pedagógico na perspectiva de garantir o direito do estudante, porque ele tem direito de aprender. E a gente não quer, de maneira alguma, que esse direito seja violado. De certa forma, estamos conquistando isso", pontuou Eline.

Paulista

Em Paulista, 21.451 alunos estão matriculados na rede municipal, sendo 2.176 no segundo ano do Ensino Fundamental. A meta do MEC para 2024 era que 55,98% das crianças soubessem ler e escrever; a cidade atingiu 55,54%.

Segundo o secretário executivo de Desenvolvimento Educacional, Glaúcio Ramos, a gestão anterior não adotou um sistema de alfabetização, o que impactou os resultados. "Temos o programa Educar para Valer, da Associação Bem Comum, que oferece formação, material e avaliações para os professores, mas a gestão passada não o implementou", explicou.

Atualmente, a secretaria concentra esforços na alfabetização desde a Educação Infantil até os primeiros anos do Ensino Fundamental, além de combater a infrequência escolar. "Sem frequência, não há alfabetização. Também estamos fornecendo materiais didáticos para apoiar o trabalho dos professores em sala de aula", destacou Ramos.

Recife

A capital do Estado apresentou uma queda na alfabetização em 2024. Apenas 54,36% das crianças do 2º ano do Ensino Fundamental em Recife foram consideradas alfabetizadas. O índice está abaixo da meta estabelecida para o ano, que era de 65,29%, e também representa uma redução em relação ao desempenho de 2023, quando o percentual foi de 62,4%.

A secretária de Educação, Cecília Cruz, afirmou à coluna Enem e Educação que o Recife tem desenvolvido um trabalho reconhecido pelo próprio MEC, por meio do Selo de Compromisso Nacional Criança Alfabetizada — no qual a capital conquistou o Selo Ouro, com nota máxima.

"O que diz o Selo? Ele avalia o que aquele município está realizando como política pública: quais são as ações estruturadas para a alfabetização. O resultado pode variar, ser maior ou menor, mas é importante entender o que está sendo feito naquela rede para que os índices possam ser sustentados ou superados", explicou Cecília.

"A rede municipal do Recife está fazendo, digamos assim, todo o 'feijão com arroz'. Está cumprindo o que se espera: com formação continuada, material estruturado e um trabalho próximo às escolas, focado na alfabetização", completou a secretária.

Além disso, por meio das ações do Programa Primeiras Letras, são realizadas, ao longo do ano letivo, avaliações feitas pela própria rede, com o objetivo de identificar as lacunas de aprendizagem dos estudantes. A partir desses dados, a escola pode elencar as medidas prioritárias para garantir o avanço dos alunos.

 

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