Do morro aos palcos globais: conheça a história da recifense Domitila Barros
Domitila ficou conhecida nacionalmente pela sua participação no BBB23, mas bem antes disso atua na periferia com projetos sociais e foi Miss Alemanha

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Natural da periferia do Recife, Domitila Barros ficou conhecida nacionalmente pela sua participação no Big Brother Brasil 2023, mas bem antes disso ela sempre teve uma trajetória de lutar pela justiça social e justiça ambiental, atravessando territórios e idiomas.
Ela já palestrou em 12 países, foi reconhecida como Influenciadora do Ano em Sustentabilidade pelo WIBA Awards em Cannes, atua como embaixadora das Fronteiras Planetárias nos Jogos Mundiais Universitários FISU 2025 e colabora com o Greenpeace. Atualmente, sua briga é pela sustentabilidade e ações que de fato façam diferença.
Para conhecer melhor sua história, o JC entrevistou com exclusividade a ativista Domitila. Confira:
Como foi a escolha de entrar para o BBB?
Foi uma decisão estratégica e bem planejada. Eu já tinha uma trajetória sólida como ativista, empreendedora social e comunicadora, estava perto dos 40 anos e já havia sido Miss Alemanha.
Vi no programa uma oportunidade única de dar visibilidade a pautas que raramente ocupam o horário nobre. Levar debates sobre sustentabilidade, justiça social e representatividade para milhões de brasileiros. Foi emocionante ver tanta gente se conectar com a minha mensagem em tão pouco tempo.
Entrei com a alma da minha quebrada e a confiança de uma mulher global.
Qual sua formação?
Sou formada em Ciências Sociais e Políticas e tenho mestrado pela Freie Universität Berlin, na Alemanha. Também estudei teatro em Berlim.
Mas, acima de tudo, carrego uma formação de vida que nenhuma universidade ensina: cresci no Morro da Conceição vendo meus pais cuidarem da ONG CAMM (Centro de Atendimento a Meninas e Meninos) com amor e resistência.
A educação formal me deu as ferramentas, mas foi o chão da periferia que moldou meu coração e minha visão de mundo.
Como você enxerga a sustentabilidade no Brasil? E em Pernambuco?
A sustentabilidade no Brasil ainda enfrenta enormes desafios de comunicação e execução. Somos o país mais biodiverso do mundo, com 12% da água doce e mais de 20% das espécies conhecidas, mas seguimos perdendo florestas, pessoas e oportunidades.
Não é falta de recursos, é falta de vontade política, gestão eficiente e coragem para romper velhas estruturas.
Entre 2020 e 2024, o Brasil recebeu mais de R$ 50 bilhões em financiamentos internacionais para o clima, mas menos de 35% desses recursos tiveram impacto real.
Em Pernambuco, dos R$ 1,1 bilhão investidos entre 2015 e 2023 em saneamento, energia limpa e meio ambiente, mais de 60% não geraram resultados concretos.
Enquanto isso, comunidades tradicionais e artesãos que preservam saberes ancestrais sobrevivem com menos de R$ 500 por mês, como quem tem uma mina de ouro nas mãos e ainda pede esmola.
O Nordeste não precisa de caridade, mas de investimentos transparentes, rastreáveis e com a comunidade no centro das decisões. Pernambuco tem um imenso potencial: É um dos maiores em energia solar distribuída, com projeção de 80 mil empregos verdes até 2030; a economia criativa já responde por 3,2% do PIB estadual; e a caatinga, bioma único, guarda grande potencial para a bioeconomia.
É preciso democratizar editais, descentralizar recursos, ouvir as bases e cobrar resultados, não apenas promessas.
Você foi eleita Influenciadora do Ano em Sustentabilidade pela World Influencers. Como recebeu essa indicação?
Ser reconhecida em Cannes, durante o Festival de Cinema, foi um divisor de águas. Mais que um prêmio, foi uma validação internacional da minha trajetória. Esse reconhecimento abriu portas para marcas que querem comunicar com propósito e impacto real.
Participa de iniciativas sociais no estado?
Sim. Desde que nasci, sou envolvida com a ONG CAMM, que atua há mais de 40 anos com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, na Linha do Tiro, Zona Norte do Recife.
Atualmente, estamos implementando um projeto de energia solar e jardins do futuro no CAMM, em parceria com universidades e empresas. É importante dizer que não temos apoio governamental. Dependemos exclusivamente de doadores e parceiros.
Como você enxerga sua trajetória como ativista? Mudaria algo?
Eu seria mais paciente comigo mesma e menos tolerante com a ineficiência dos outros. Fiz muito e ainda mantive a gentileza. Olho para minha trajetória com gratidão. Ter conseguido unir voz, visibilidade e ação concreta já é uma vitória para quem veio de onde vim.
O preconceito e o machismo tentaram me silenciar muitas vezes, mas cada dor virou discurso e cada obstáculo, uma ferramenta. Hoje, minha voz conecta mundos: da favela a Davos, do morro aos palcos globais.
Qual foi o momento mais marcante da sua trajetória como ativista ou comunicadora até hoje?
Em 2023, quando participei, nas Maldivas, do maior projeto de restauração de corais da história do país, plantando 1.500 corais em quatro dias. Estar ali, mergulhada na regeneração da vida marinha, foi profundamente simbólico.
Mas também guardo no coração o dia em que uma menina da comunidade me disse que queria ser “como a Domitila”. Chorei, porque entendi que minha trajetória não era só sobre mim. Era sobre abrir caminhos.
Que conselho daria aos jovens que lideram ações sustentáveis?
Vocês são o agora! Não esperem validação para começar. Organizem-se, usem a tecnologia, mobilizem suas comunidades. Lembrem-se: sustentabilidade não é moda, é resistência e futuro. E esse futuro é negro, indígena, feminino, periférico e nordestino.
Como sua vivência internacional, em países com políticas ambientais mais avançadas, influencia sua visão sobre os desafios do Brasil?
Viver na Alemanha me mostrou que é possível ter políticas públicas sérias, rastreáveis e transparentes, educação ambiental desde cedo e incentivo real à economia circular. Mas também me ensinou que o Brasil tem uma riqueza ecológica e cultural que nenhum outro país tem.
O que nos falta é gestão, investimentos bem aplicados e continuidade. A desigualdade social ainda é o maior entrave para a sustentabilidade no país. Mesmo assim, minha experiência internacional me faz acreditar que a mudança é possível, desde que a comunidade esteja no centro das decisões.
Você fala bastante sobre publicidade e seu papel no incentivo à sustentabilidade. Acredita que estamos indo pelo caminho certo? O que ainda falta?
Avançamos, mas ainda estamos engatinhando. Precisamos de transparência, impacto mensurável e inclusão verdadeira. A publicidade tem poder para educar em massa, mas precisa deixar de vender ilusões e começar a construir soluções.
Você acredita que a moda pode ser uma ferramenta efetiva de transformação social? De que forma?
A moda é uma das indústrias mais poluentes do mundo, mas também é linguagem, identidade e poder. A moda sustentável gera empregos, preserva saberes ancestrais e dá voz a narrativas silenciadas.
Eu uso a moda como forma de ativismo: me visto com propósito, valorizo o feito à mão, o trabalho de mulheres da periferia e de artistas da minha terra. A roupa que vestimos pode carregar história, resistência e esperança.
Como figura pública e ativista, como concilia as duas frentes?
É um exercício diário de coerência. Só me associo a campanhas, marcas e eventos que reflitam meus valores. Digo muitos “nãos” para proteger a força dos meus “sins”.
A figura pública me dá voz; o ativismo, propósito. Juntas, essas frentes tornam minha trajetória uma ponte entre visibilidade e transformação. Se for para aparecer, que seja para transformar. Quero ser uma voz ouvida com credibilidade e carinho, não apenas mais um grito no ruído.
Qual é seu maior sonho para os próximos anos?
Criar um instituto global de inovação social e sustentabilidade, com sede no Recife, conectando juventudes da periferia a oportunidades globais por meio da tecnologia, da arte e da ancestralidade.
Também quero lançar um documentário sobre as “fronteiras planetárias”, mostrando o semiárido nordestino, e continuar levando a voz das comunidades invisibilizadas para os grandes palcos internacionais.