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'Hotspot' do clima: Pernambuco pode ficar até 8°C mais quente nos próximos anos

Esse e outros problemas devem ser alvo de discussão em novembro, quando o mundo vai voltar os olhos para a COP 30, em Belém do Pará

Por Gabriela Bento Publicado em 08/10/2025 às 14:42

Pernambuco é hotspot do clima. A definição do Instituto Agronômico do Estado (IPA) se refere a uma área que está sendo fortemente impactada por alterações climáticas, como aumento das temperaturas, mudanças nos padrões de chuva, estiagens prolongadas e eventos climáticos extremos, fenômenos que têm se intensificado nos últimos anos por aqui.

As projeções para Pernambuco indicam avanço das temperaturas em até 8°C, especialmente na regiões do semiárido. Esse e outros problemas devem ser alvo de discussão em novembro, quando o mundo vai voltar os olhos para a COP 30, em Belém do Pará.

O Brasil promete transformar a conferência na "COP da verdade", cobrando dos países ricos mais responsabilidade e financiamento para enfrentar a crise, como destacou o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) na abertura da Assembleia Geral da ONU deste ano:

"Eu tenho dito que a COP 30, secretário-geral, é a COP da verdade. Essa COP vai ter que dizer se nós acreditamos ou não no que a ciência está nos mostrando. Se nós, líderes e chefes de estado, confiamos ou não na ciência, nós vamos ter que tomar decisão, porque se não tomarmos decisão, a sociedade vai parar de acreditar nos seus líderes. E ao invés de nós fortalecermos a luta quanto ao aquecimento global, a gente vai ajudar o descrédito na política, no multilateralismo e na democracia. E todos nós perderemos, porque o negacionismo poderá vencer".

Mas para que as soluções cheguem às comunidades mais afetadas, é preciso mais do que acordos internacionais. A engenheira ambiental Maria Eduarda Borges de Almeida, doutoranda da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), lembra que a resiliência climática depende diretamente da redução das desigualdades sociais.

"Cidade resiliente é uma cidade que tem a capacidade de enfrentar problemas ambientais, sociais e políticos no sentido de se adaptar e ter uma resposta rápida. Para que isso aconteça, deve haver integração entre diferentes setores da sociedade. A população tem que ter uma moradia segura, tem que ter acesso a serviços básicos, precisa ter uma participação nas políticas públicas. Tudo isso e alguns outros fatores proporcionam com que o risco de acontecer um desastre ambiental diminua. E se vier a acontecer, os impactos vão ser menores e a resposta vai ser mais rápida".

Políticas integradas no Recife

No Recife, cidade símbolo da vulnerabilidade climática no Brasil, a gestão municipal tem apostado em políticas integradas para adaptação e prevenção. A secretária de Projetos Especiais do Recife, Marília Dantas, explica:

"Desde 2021, a prefeitura vem adotando uma postura muito clara, colocar resiliência e o enfrentamento à crise climática no centro das políticas públicas. Isso significa investir em obras estruturantes de drenagem, de contenção de encostas, de urbanização e habitação e fazer tudo isso de forma integrada, olhando para a cidade como um sistema único. E dentro dessa lógica está o ProMorar, que é o nosso grande programa de requalificação e resiliência urbana. O ProMorar é financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e representa um investimento de R$ 1,5 bilhão. É um dos maiores programas do Brasil voltado à adaptação climática em áreas urbanas".

Entre as ações estão o programa Parceria, premiado pela ONU Habitat, que une Poder Público e moradores em intervenções em áreas de risco. Outra iniciativa recente é o primeiro parque alagável do Recife, construído nas margens do rio Tejipió, com função de contar enchentes, promover lazer e conservar o meio ambiente.

Sidney Lucena/JC Imagem
Em fevereiro de 2025, barreira desabou sobre casa no Córrego da Bica, no bairro de Passarinho, matando mãe e filha - Sidney Lucena/JC Imagem

Investimentos estaduais na mitigação de riscos

No âmbito estadual, o governo de Pernambuco também avança em obras de infraestrutura. O secretário-executivo de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco, Francisco Sena, destaca as principais intervenções:

"O governo do estado de Pernambuco tem feito investimentos significativos na mitigação de riscos, com especial atenção para os riscos de deslizamento em encostas. É um exemplo dessas ações, a ação acontecendo em Jardim Monteverde, onde se situa a maior obra de contenção de encostas no Brasil, um investimento que supera os R$ 50 milhões de reais. Além de Jardim Monteverde, a gente está em execução uma obra de grande porte no município de Cortês, sempre marcado por tragédias de deslizamento, com mais uma licitação em Cortês para uma outra encosta que deve ter obra iniciando no mês de dezembro. Além dessas obras que já estão ou em execução ou com licitação publicada, a gente tem uma carteira de mais de R$ 150 milhões de encostas com recursos federais e com recursos do governo do estado em Jaboatão, em Paulista, em Olinda e em Ipojuca".

O Estado também investe R$ 6 milhões de reais por meio do programa Morar Bem em sistemas que captam e tratam a água da chuva para consumo humano, ajudando a diminuir o rodízio no abastecimento e reduzir em até 40% o risco de deslizamentos. O governo também aposta em ações de planejamento e monitoramento, como o Clima PE, plataforma que reúne dados ambientais de 137 municípios.

Papel histórico e urgência

Apesar de enfrentar os impactos, o Estado já tem um papel histórico nas discussões sobre o clima, como explica o coordenador de mobilização social do Centro Sabiá, Carlos Magno. Ele reforça a importância de colocar Pernambuco no mapa da ONU:

"Pernambuco tem nomes históricos nesse processo da luta, inclusive do clima. Vasconcelo Sobrinhos é um deles, que participou da primeira COP sobre desertificação no mundo e foi a primeira pessoa no mundo a identificar as zonas de desertificação. Pernambuco construiu um plano de combate à desertificação há 15 anos atrás, renovou agora junto com o Ministério do Meio Ambiente. A gente não faz isso só porque a gente tem muita expertise, mas a gente precisa fazer isso porque nós estamos em risco", explica.

"Você tem zonas que antes eram semiáridas no Sertão do estado, naquela região de Petrolina, que no ano passado foram decretadas, que eram zonas áridas, ou seja, a primeira mancha de desertificação está aqui em Pernambuco também. E ao mesmo tempo a gente tem uma sociedade civil muito forte e a gente precisa comprometer mais os governos para que eles se engajem e a gente consiga transformar esse quadro. Eu acho que Pernambuco pode dar exemplo para o Brasil de processo de adaptação climática e de construção de políticas sérias", conclui.

A jornada pode até ser longa, mas no horizonte, já se desenham soluções.

Ouça a íntegra da reportagem:

*Desenvolvida no âmbito do Reham Al-Farra Memorial Journalism Fellowship, programa da Organização das Nações Unidas (ONU) voltado a jornalistas de países em desenvolvimento, a série "Pernambuco no mapa da ONU" foi produzida por mim, Gabriela Bento, bolsista da edição 2025. Esta reportagem contou com edição de texto de Ingrid Santos e edição de áudio de Wesley Amaro.

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