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Pernambuco tem 1 milhão sob risco climático e maioria das cidades falham na prevenção

Número representa 11,6% da população e coloca o Estado em terceiro lugar no percentual de moradores em áreas de risco no Brasil

Por Gabriela Bento Publicado em 06/10/2025 às 16:36

Em Pernambuco, cerca de 1 milhão de pessoas vivem em áreas vulneráveis às mudanças climáticas, segundo o estudo do Governo Federal. O dado representa 11,6% da população e coloca o Estado em terceiro lugar no percentual de moradores em áreas de risco no País.

Ainda assim, de acordo com o levantamento do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE), três em cada quatro municípios tem pouca ou nenhuma estrutura para enfrentar desastres socioambientais. E mais: 83% das cidades não têm fundo municipal de Defesa Civil e 69% não fazem monitoramento de áreas de risco. As consequências? Em 2022, o Estado viveu uma das maiores tragédias de sua história recente. Chuvas torrenciais deixaram 133 mortos e milhares de desabrigados.

O auditor de controle externo do TCE, Paulo Henrique Cavalcanti, explica o cenário atual: "Esse levantamento que o tribunal realizou é fruto de um questionário enviado a todos os municípios do Estado. Ele foi elaborado em conjunto com a Secretaria Executiva de Proteção e Defesa Civil do Estado de Pernambuco, e ele acabou por demonstrar que há uma fragilidade sistêmica nesses municípios que tiveram um desempenho mais baixo. A gente identificou aspectos que acabam por comprometer toda essa política de prevenção e Defesa Civil desses municípios. Então, identificou-se que existem falhas no planejamento, no próprio diagnóstico da realidade do município, que são aspectos que estão previstos em lei. E, além disso, a própria estrutura das defesas civis estão falhas. Além disso, os municípios não têm um orçamento muito bem definido para essa finalidade."

Crise habitacional empurra pessoas para o perigo

Entre os fatores que tornam essa realidade ainda mais dramática, está a crise habitacional. Para a gerente de incidência política da Habitat Brasil, Raquel Ludermir, a desigualdade urbana e a crise climática estão diretamente conectadas. "Ninguém escolhe morar em área de risco. A crise habitacional, ou seja, não ter moradia adequada para todo mundo disponível, ou seja, terem tantas milhares de pessoas que não têm acesso a uma moradia digna, adequada, que cabe no bolso, faz com que muitas e muitas pessoas precisem recorrer a morar em área de risco por não ter alternativa de moradia. Ou seja, a crise habitacional empurra pessoas para áreas de risco e, consequentemente, quanto mais pessoas morando em área de risco, piores vão ser os efeitos dos eventos climáticos extremos."

E por enquanto, a tendência é só piorar. O Recife está entre cidades mais vulneráveis à crise climática do mundo, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. O IPCC, da ONU, ainda aponta a capital pernambucana como a mais ameaçada do Brasil pelo avanço do nível do mar.

Sidney Lucena fotos
Deslizamento de barreira matou mãe e filha no Córrego da Bica em fevereiro deste ano - Sidney Lucena fotos

A professora Soraya El-deir, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), aponta que a realidade do Recife é um exemplo claro do desafio. "Recife é uma área de extrema complexidade geográfica. Nós temos 64 riachos urbanos que foram transformados em canais. As suas margens foram concretadas, retirado toda a mata ciliar, impermeabilizado. É uma cidade que tinha muito mais manguezal, que foi também retirado lentamente. Então você também tem áreas de morro, onde você tem habitações suburbanas, subnormais, habitações que não têm um mínimo de segurança, o mínimo de estabilidade. É um terreno que tem um potencial de mobilidade muito grande, gerando potencial de deslizamento. E ainda por cima, você tem áreas do Recife que estão abaixo da maré."

Eventos extremos serão mais intensos e frequentes

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) reforça que os eventos extremos tendem a se intensificar nos próximos anos, como relata a meteorologista Morgana Almeida. "A gente pode falar que é inequívoco que o o mundo todo, o Brasil e Pernambuco tem sofrido com as consequências das mudanças climáticas. Como a gente tem um uma região metropolitana densamente populosa, e morando em áreas de alta vulnerabilidade, esse problema ambiental se agrava ainda mais. E há um indicativo de que tenhamos no Brasil todo um aumento na frequência desses eventos extremos, sejam os eventos secos, seja os eventos úmidos."

Sem planejamento, sem orçamento e sem políticas habitacionais eficazes, Pernambuco continua exposto. E as perguntas que ficam são: até quando comunidades vulneráveis vão pagar o preço da falta de preparo? E será que o problema ficou grande demais para ser ignorado?

Gabriel Ferreira/Jc Imagem
Chuvas e alagamentos no Grande Recife - Gabriel Ferreira/Jc Imagem

Ouça a reportagem em áudio:

*Esta reportagem teve edição de texto de Ingrid Santos e edição de Wesley Amaro.

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