Ecoansiedade: chuvas deixam trauma invisível na vida das vítimas
Em 2022, Pernambuco enfrentou chuvas tão intensas que deixaram 133 mortos e mais de 128.000 pessoas desabrigadas ou desalojadas

"Eu tenho 40 anos, não posso dizer que tenho medo disso, porque é imprudente dizer que eu sou medrosa. E seria até injusto eu dizer que eu tenho medo da chuva, que a chuva é uma benção, né? Mas eu detesto a chuva. Toda vez que chove, eu fico pedindo o colo da minha mãe. É até vergonhoso, né? Uma pessoa de 40 anos querer o colo da mãe".
Esse é o relato de dona Elivaneide da Silva. Moradora do bairro de Linha do Tiro, na Zona Norte do Recife, ela viu a ordem natural da vida ser interrompida quando o filho Lucas, de apenas 13 anos, morreu soterrado na tragédia de 2022. Naquele ano, Pernambuco enfrentou o pior desastre socioambiental dos últimos 50 anos. Chuvas intensas deixaram 133 mortos e mais de 128.000 pessoas desabrigadas ou desalojadas. A maioria das vítimas perdeu a vida em deslizamentos de barreiras. Se na primeira reportagem explicamos que 75% dos municípios de Pernambuco não têm estrutura mínima para enfrentar desastres, hoje a pergunta é: quem paga a conta dessa falta de preparo?
Jaqueline Alves, moradora de Jardim Monteverde, perdeu cinco familiares na mesma tragédia de 2022. Desde então, a chuva, que na infância era motivo de brincadeira, passou a ser sinônimo de medo.
"A gente não mora na área de risco porque a gente quer. A gente quer dignidade, a gente quer viver, a gente quer ter direito de poder dormir tranquilo. E esse direito está sendo tirado. Desde a tragédia, eu não durmo mais quando começa a chover, a gente fica com a comissão aqui ligada, ligando um para o outro. Isso aí é ruim, eu não sei mais o que é dormir. Eu não sei o que é mais ter tranquilidade".
Ansiedade climática
O que Jaqueline sente tem nome: ecoansiedade ou ansiedade climática, é o medo constante de viver uma nova tragédia, agravado pela ausência de políticas públicas eficazes em bairros vulneráveis. O psicólogo e psicanalista Miguel Gomes explica:
"Esse termo da ansiedade atinge todo mundo, porque o planeta é um só e a temperatura, o clima, vai mudar no planeta inteiro. Claro que regiões mais vulneráveis vão receber um maior impacto, mas eu acho que vale a pena chamar atenção que além desse conceito de ecoansiedade, a gente tem o racismo ecológico, que diz respeito justamente de populações mais precarizadas, populações mais pobres. No nosso País, isso quase que coincide com a população preta, de viver na periferia em regiões que são mais vulneráveis a chuvas, a enchentes, a tudo isso. Então acho que essa população vive um duplo motivo de ansiedade".
Riscos invisíveis para a saúde física
E se você é ainda não entendeu, explico: a crise climática também é uma crise de saúde. Além dos traumas psicológicos, eventos extremos trazem novas ameaças. O biólogo Marx Lima lembra que a degradação ambiental e o saneamento precário aumentam a exposição a doenças como dengue e leptospirose.
"O aumento de extremos climáticos realmente tem mudado o padrão de comportamento de vetores de doenças, não só no Nordeste, como no mundo inteiro. Por exemplo, hoje, a dengue é uma uma preocupação no sul da Itália, mas aqui também isso não é diferente. Se você tem uma temporada mais longa e adiantada de um evento de aumento de temperatura, como é o caso do El Niño, que é o aumento da temperatura nas águas do Pacífico, você vai ter um aumento de temperatura geral, e a gente consegue sentir isso. Em temperaturas mais elevadas, os mosquitos, de uma forma geral, eles tendem a alterar seu comportamento, eles tendem a buscar mais por alimentação, ou seja, eles tendem a picar mais. E isso também altera o ciclo reprodutivo deles, eles tendem também a se reproduzir mais e picando mais se produzindo mais, isso aumenta a nossa chance de ter contato com doenças transmitidas por esses vetores. Uma outra questão são chuvas intensas ou enchentes seguidas de períodos de estiagem. Então, esses pulsos climáticos, esse 'sobe e desce' climático, eles terminam podendo gerar ou favorecer a geração de criadores de mosquito. Uma outra questão é que, se você tem um período grande de enchentes, favorece o contato com outras doenças, como por exemplo leptospirose e até a cólera".
Como construir soluções?
Bom, se a crise climática já afeta diretamente a vida e a saúde da população, como construir soluções? Na próxima reportagem da série "Pernambuco no mapa da ONU", vamos explicar como o Estado pode se colocar no centro das discussões globais com a COP 30 em Belém, e o que pode ser feito para encarar as mudanças climáticas por aqui.
*Esta reportagem teve edição e coprodução de Ingrid Santos, colaboração de Laís Nascimento do Jornal do Commercio e edição de áudio de Wesley Amaro.