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Politização do 07 de setembro veio para ficar, analisa cientista político

Atos evidenciaram a polarização política que marca o Brasil desde as eleições. À Rádio Jornal, Antônio Lavareda avalia simbolismo das manifestações.

Por Ryann Albuquerque Publicado em 08/09/2025 às 11:40 | Atualizado em 08/09/2025 às 11:45

O 7 de Setembro de 2025 no Recife evidenciou a polarização política que marca o Brasil desde as eleições de 2018 e os atos de 8 de janeiro de 2023.

Enquanto a esquerda saiu às ruas no tradicional Grito dos Excluídos, no Parque Treze de Maio, defendendo soberania nacional e políticas sociais, a direita ocupou a orla de Boa Viagem em defesa de Jair Bolsonaro e pedindo anistia para os condenados pelos ataques às sedes dos Três Poderes.

Duas imagens sintetizaram o embate simbólico: no Centro, a boneca gigante batizada de “Mulher Soberania”, vestida com a bandeira do Brasil e empunhando uma faixa com essa palavra, ecoando o discurso do presidente Lula diante do chamado tarifaço imposto pelos Estados Unidos.

Na Zona Sul, os bolsonaristas exibiram um boneco inflável de Donald Trump, algo inédito nas manifestações de direita no país.

Em entrevista à Rádio Jornal, o cientista político Antônio Lavareda analisou o peso dessas escolhas simbólicas e disse que o feriado da Independência, antes marcado por desfiles cívico-militares, consolidou-se como uma data política no calendário nacional.

Símbolos e contradições

Lavareda destacou a contradição da presença ostensiva de Trump e da bandeira dos Estados Unidos em atos cujo lema tradicional era “Brasil acima de tudo”.

“Quando você traz manifestações por Bolsonaro, o Trump como protagonista simbólico e a bandeira americana, fica claro que já não temos mais o ‘Brasil acima de tudo’. Nós temos um segmento político que aceita que as sanções impostas ao Brasil desfrutam de alguma legitimidade. Isso prejudica a integridade dos pilares do discurso bolsonarista”, afirmou.

O cientista político se referia às recentes medidas do governo norte-americano que impactaram diretamente a economia brasileira.

No início de agosto, Donald Trump determinou tarifas de importação de 50% sobre produtos agrícolas e siderúrgicos do Brasil, o que já resultou em uma queda de 16% nas exportações para os Estados Unidos no último mês de apuração.

O impacto já se reflete em perda de empregos no campo e na indústria, além de atritos diplomáticos com o Palácio do Planalto. Mesmo assim, parte da militância bolsonarista levou para as ruas de Boa Viagem um boneco inflado de Trump, gesto que Lavareda interpretou como erosão do discurso nacionalista.

O “fator Trump”

Indagado sobre possíveis reflexos eleitorais dessa simbologia, Lavareda disse que, embora seja cedo para avaliar, ele acredita que a pauta do nacionalismo deve ganhar força.

“Acredito que o nacionalismo vai ressurgir com mais força até a eleição do ano que vem. O fator Trump é inédito: a presença ostensiva de um presidente estrangeiro interagindo com o processo eleitoral brasileiro. Hoje as pesquisas mostram rechaço majoritário da sociedade à interferência de Trump nos assuntos nacionais. Mas precisamos aguardar a evolução desse debate”, analisou.

Bandeiras, semiótica e soberania nacional

A entrevista também explorou a dimensão semiótica da bandeira norte-americana nas ruas brasileiras. Para Lavareda, o problema não é apenas a origem do símbolo, mas o peso de sua dimensão.

“Há diferença entre uma pequena flâmula e uma enorme bandeira como aquela da Paulista. Quando você enaltece a bandeira de um país que sanciona o seu, reduzindo exportações e empregos, isso implica numa autêntica inversão de valores. É natural que cause preocupação”, disse.

Ele comparou com os desfiles cívicos que marcaram sua juventude no Colégio Militar.

“Nunca havia espaço para bandeiras estrangeiras no 7 de Setembro. Isso reforça a estranheza de ver, hoje, símbolos de outros países em posição central nas manifestações”.

Enquanto isso, na passeata do Grito dos Excluídos, a esquerda buscou retomar as cores nacionais. Embora o vermelho predominasse, muitos manifestantes usavam camisas verde e amarelas, em sintonia com o pedido de Lula para resgatar esses símbolos.

A “Mulher Soberania” encarnou esse esforço, associando a bandeira brasileira à defesa da independência diante do tarifaço de Trump.

O 7 de Setembro como data política permanente

Lavareda concluiu que o 7 de Setembro dificilmente voltará a ser apenas um feriado cívico-militar. A data se transformou em um palco fixo para disputas políticas e simbólicas.

“A politização do 7 de Setembro veio para ficar. É difícil imaginar que essa tradição recente vá desaparecer. Vamos ter que nos acostumar a fazer balanços e crônicas sobre como terá sido cada 7 de Setembro, ano após ano”, afirmou.

Com a crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, o julgamento de Jair Bolsonaro no STF e a disputa narrativa entre anistia e soberania, o feriado de 2025 consolidou-se como reflexo direto das tensões que atravessam a República.

Recife, com Trump em Boa Viagem e a “Mulher Soberania” no Centro, ofereceu ao país uma síntese simbólica desse novo tempo político.

Confira a entrevista completa:

 

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