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Julgamento de Bolsonaro é histórico e defesas foram técnicas, avalia advogada

Nara Cysneiros afirma que julgamento de Bolsonaro no STF marca acerto inédito e revela estratégias jurídicas centradas na redução de penas

Por Ryann Albuquerque Publicado em 04/09/2025 às 12:12 | Atualizado em 04/09/2025 às 12:32

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus acusados de arquitetar uma tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022 foi retomado na última terça-feira (03) no Supremo Tribunal Federal (STF).

O processo é considerado um dos mais relevantes da história republicana, por levar ao banco dos réus ex-autoridades de alta patente, entre civis e militares, responsabilizados por tentar desmantelar o Estado Democrático de Direito.

A advogada Nara Cysneiros, mestre pela Faculdade de Direito do Recife, analisou os primeiros dias do julgamento em entrevista concedida nesta quinta-feira (04) ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal.

Para ela, o caso é de magnitude inédita.

“Esse é talvez um dos julgamentos mais importantes do Brasil. O país nunca acertou as contas com uma tentativa de desmanche do Estado Democrático nem com o Estado de Direito. Essa é a primeira vez em que isso acontece”, destacou.

Ela ressalta que o impacto vai além do direito.

“Juristas e historiadores estão em peso acompanhando o caso, porque daqui a 40 ou 50 anos professores terão que explicar em sala de aula não apenas a tentativa de golpe, mas também como se deu o processo judicial de punição das maiores autoridades da República à época.”

Estratégia das defesas

Ao analisar o andamento das sustentações orais, Nara Cysneiros constatou que o tema mais recorrente foi o suposto cerceamento de defesa.

Segundo ela, os advogados optaram por uma estratégia técnica, em contraste com a postura política vista no julgamento dos réus pelos atos de vandalismo de 8 de janeiro.

“Me parece que todas as defesas foram técnicas, apontando defeitos processuais e procedimentais. Isso faz parte da obrigação do bom advogado, não significa que esses defeitos realmente existam. A estratégia foi tentar reduzir penas, não negar a tentativa de golpe de Estado”, avaliou.

Entre os réus, além de Bolsonaro, estão nomes como o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-chefe da Abin Alexandre Ramagem, e os generais Mário Fernandes, Freire Gomes e Almir Garnier, que ocuparam cargos de destaque no governo.

Segundo Nara, nenhuma defesa buscou negar a escalada golpista. “Cada advogado parecia lutar isoladamente para atenuar a situação do seu cliente”, completou.

Veja: Defesa argumenta que “se tratam apenas de atos preparatórios”. 

Contestação a delação de Mauro Cid

Um dos pontos centrais levantados pelas bancas de defesa foi a tentativa de anular a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e considerado peça-chave para a compreensão do esquema.

Os advogados alegaram contradições, mudanças de versão e até chamaram o militar de “mentiroso”.

Para Nara Cysneiros, no entanto, essa estratégia tem pouco efeito prático.

“A delação foi importante para o conhecimento dos fatos, mas não é a única prova. Eventual anulação não absolveria os réus, apenas derrubaria o acordo que beneficia o delator”, explicou.

Na avaliação da advogada, a ofensiva contra a delação de Mauro Cid revela menos uma estratégia jurídica sólida e mais um gesto de insatisfação entre os réus

“Essa linha de ataque é mais um movimento político do que jurídico, parece mais ligada à mágoa ou à quebra de hierarquia do que a uma defesa capaz de reduzir penas”, acrescentou.

 

Alan dos Santos/PR
Bolsonaro e seu ex-ajudante de ordem Mauro Cid - Alan dos Santos/PR

Defesa da democracia

A advogada também ressaltou a dimensão constitucional e democrática do julgamento.

Para ela, o processo simboliza a resistência institucional do Brasil diante de uma ameaça direta à ordem democrática.

“Esse julgamento traz repercussão constitucional enorme. É um momento em que a República mostra que a ordem de Estado Democrático de Direito também é a que assegura a ampla defesa dos réus. O mesmo Estado que eles tentaram desmontar é o que garante o devido processo legal”, afirmou.

Segundo a jurista, essa contradição deve marcar a forma como o julgamento será lembrado pela história. “É uma lição de que o próprio sistema jurídico funciona até para quem tentou destruí-lo.”

Veja a entrevista completa: 

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