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"Residencial de costas para a comunidade": moradores temem remoções em projeto de R$ 53,7 milhões da Prefeitura do Recife

Gestão municipal esclareceu que seleção de beneficiados seguirá critérios do MCMV e comunidade será beneficiada com obras de urbanização integrada

Por Laís Nascimento Publicado em 31/07/2025 às 13:17 | Atualizado em 31/07/2025 às 13:23

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“Eu não quero sair, quero morrer aqui. Quero criar meus netos aqui, com dignidade, lazer, educação e saúde”.

A declaração da mobilizadora Daniele Lins, de 38 anos, da comunidade Caranguejo Tabaiares, na Ilha do Retiro, Zona Oeste do Recife, se junta a de outras famílias e lideranças que questionam o projeto de urbanização e construção do habitacional da Prefeitura do Recife.

Próxima ao Sport Clube do Recife e às margens do Canal do Prado, a comunidade, reconhecida como uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), vive há mais de uma década sob tensão e promessas da gestão municipal de intervenções e melhorias habitacionais.

A Prefeitura do Recife deu início, no fim de junho, às obras do Conjunto Habitacional Caranguejo Tabaiares, com 280 apartamentos e previsão de beneficiar 1,4 mil pessoas. Mas, para as lideranças locais, o plano urbanístico não está sendo construído de forma transparente e participativa.

“A URB (Autarquia de Urbanização do Recife) não diz quem vem para o habitacional ou quem vai ser indenizado. A gente quer a habitacional, mas também quer a urbanização da comunidade, quer ter área de lazer”, pontuou a educadora popular e artesã Ilka Martins, de 47 anos, uma das integrantes do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, fundado em 2019.

O coletivo é formado também pela mobilizadora Daniele Lins, 38 anos, pela educadora popular Sarah Marques, 44, por Jéssica Fernanda, 30, e Ceça Silva, 51, e conta com o apoio de Paola Victoria e Juliana Marques.

“Um residencial de costas para a comunidade”

JAILTON JR./JC IMAGEM
Lideranças do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste alertam que parte da comunidade pode ser excluída do habitacional - JAILTON JR./JC IMAGEM

Moradores alertam que parte da comunidade pode ser excluída da nova estrutura. Segundo Daniele Lins, a URB teria informado que os reocupantes não terão direito a imóvel no habitacional.

“Se onde onde eles removem o povo e não fazem obra de imediato, estão dando o direito de quem não tem moradia ocupar”, disse Daniele.

Para Sarah Marques, o novo habitacional não dialoga com a realidade do território. “Vai ser um residencial de costa para a comunidade. A gente resiste a essa cidade cinza, à tentativa de retirada da nossa forma de vida e a ter a nossa forma de vida respeitada, que é lembrar o nosso pertencimento ao nosso território”, pontuou.

A gente resiste a ter a nossa forma de vida respeitada, que é lembrar o nosso pertencimento ao nosso território
Sarah Marques, do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste

O que prevê o projeto

O plano da Prefeitura do Recife para a comunidade de Caranguejo Tabaiares prevê intervenções de pavimentação e saneamento na região e a construção de um conjunto habitacional com 280 apartamentos.

Os imóveis devem atender cerca de 1,4 mil pessoas e será destinado às famílias que precisarem ser realocadas para a realização das obras. Mas a comunidade estima que cerca de 7 mil pessoas vivam no território atualmente.

JAILTON JR./JC IMAGEM
Obras do Habitacional Caranguejo Tabaiares, que deve atender cerca de 1,4 mil pessoas e será destinado às famílias que precisarem ser realocadas - JAILTON JR./JC IMAGEM

A requalificação do Canal do Prado prevê obras nas margens e a implantação de três faixas de rolamento de veículos em um trecho que passa pela comunidade. Para viabilizar o projeto, as áreas onde serão realizadas as intervenções devem ser desocupadas e as famílias realocadas.

Ao JC, a Prefeitura do Recife destacou que o conjunto “será destinado às famílias de Caranguejo Tabaiares que precisarem ser relocadas para a realização das obras de urbanização integrada”.

Com investimentos de R$ 53,7 milhões, incluindo contrapartida municipal de R$ 1,4 milhão, as obras são executadas pela Caixa Econômica Federal em um prazo de 18 meses.

A respeito dos critérios para os moradores do novo habitacional, a gestão esclareceu que a “seleção será feita pela Secretaria de Habitação, junto com a Caixa, seguindo os critérios do Minha Casa, Minha Vida”.

Por fim, a prefeitura destacou que a comunidade será beneficiada com as obras, que incluirão intervenções de pavimentação e saneamento, e que o plano urbanístico “já está sendo construído coletivamente junto com a comunidade”.

A seleção será feita pela Secretaria de Habitação, junto com a Caixa, seguindo os critérios do Minha Casa, Minha Vida
Prefeitura do Recife

Confira a nota na íntegra:

“A Prefeitura do Recife e o Governo Federal iniciaram, no final de junho, a construção do conjunto habitacional Caranguejo Tabaiares, que atende a uma demanda histórica da população. O empreendimento terá 280 apartamentos, que garantirão moradia digna para cerca de 1,4 mil pessoas hoje residentes em condições precárias na área, com investimentos de R$ 53,7 milhões (incluindo contrapartida municipal de R$ 1,4 milhão).

O conjunto será destinado às famílias de Caranguejo Tabaiares que precisarem ser relocadas para a realização das obras de urbanização integrada. A seleção será feita pela Secretaria de Habitação, junto com a Caixa, seguindo os critérios do Minha Casa, Minha Vida. As obras são executadas pela Caixa e têm prazo de 18 meses.

Além do habitacional, a comunidade será beneficiada também com obras de urbanização integrada, que incluirão intervenções de pavimentação e saneamento. O plano urbanístico que orientará as intervenções na ZEIS já está sendo construído coletivamente junto com a comunidade, sob a responsabilidade da Autarquia de Urbanização do Recife (URB).”

Histórico de promessas

O projeto, porém, é uma promessa antiga. Em 2013, ele passou a ser uma das iniciativas de moradia popular oferecidas pelo então prefeito Geraldo Júlio (PSB). Na época, a gestão municipal assinou um contrato de cessão do terreno onde seria construído um habitacional com 420 unidades.

A promessa foi feita dias após um incêndio destruir 27 palafitas na comunidade. A intervenção faria parte do projeto Capibaribe Melhor e estava orçada em R$ 26 milhões. Além das moradias, também eram previstos a urbanização e o saneamento na região.

Especialistas alertam para impacto nas redes comunitárias

Até o momento, mais de 30 famílias já foram realocadas para o Casarão Barbalho, mas, de acordo com o coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, muitas dessas famílias já voltaram para a comunidade.

Para o arquiteto e urbanista André Araripe, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), remover famílias sem planejamento participativo enfraquece redes locais de apoio, comércio e empreendedorismo.

“A mesma Dona Maria que há 7 anos deu o grito para a gente resistir a essa forma de política que está sendo feita é a que eles disseram que não sabiam quem iria para o habitacional e o que iria acontecer com ela”, lamentou Sarah Marques.

Citação

A gente resiste a ter a nossa forma de vida respeitada, que é lembrar o nosso pertencimento ao nosso território

Sarah Marques, do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste
Citação

A seleção será feita pela Secretaria de Habitação, junto com a Caixa, seguindo os critérios do Minha Casa, Minha Vida

Prefeitura do Recife

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