Falta de participação e infância invisível: projeto urbanístico preocupa moradores de Caranguejo Tabaiares
Prefeitura do Recife destacou que o plano urbanístico está sendo construído coletivamente junto com a comunidade de Caranguejo Tabaiares

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A população da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Caranguejo Tabaiares, às margens do Canal do Prado, na Ilha do Retiro, Zona Oeste do Recife, será contemplada por um conjunto habitacional após 12 anos de promessa.
O residencial deve atender cerca de 1,4 mil pessoas e teve ordem de serviço assinada entre a Prefeitura do Recife e o Governo Federal.
Prometido desde 2013, o projeto tem levantado questionamentos e tensões da comunidade por promessas da gestão municipal de intervenções e melhorias habitacionais.
Algumas das cobranças feitas por lideranças comunitárias, como o coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, são por transparência e participação no processo, com escuta ativa das famílias para apontar as demandas de urbanização da região e informações sobre quem deve ser realocado para a realização das obras.
Com investimentos de R$ 53,7 milhões, incluindo contrapartida municipal de R$ 1,4 milhão, as obras são executadas pela Caixa Econômica Federal em um prazo de 18 meses. Além da construção do conjunto residencial, o projeto prevê intervenções de pavimentação e saneamento na região.
A requalificação do Canal do Prado prevê, ainda, obras nas margens e a implantação de três faixas de rolamento de veículos em um trecho que passa pela comunidade. Para viabilizar o projeto, as áreas onde serão realizadas as intervenções devem ser desocupadas e as famílias realocadas.
Construção conjunta
O coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste defende a construção conjunta com a comunidade de um plano urbanístico que respeite a história da região e implemente as intervenções necessárias para a população.
Atualmente, o grupo está fazendo uma pesquisa e mapeamento onde as famílias apontem os pontos críticos da comunidade e transformem esses dados em um relatório, a ser apresentado à gestão municipal.
O arquiteto e urbanista André Araripe está participando do mapeamento junto ao coletivo Caranguejo Tabaiares. Além de debates com a população, ele explicou que tem feito atividades de reconhecimento territorial, dialogado com quem trabalha com tecnologias geográficas em áreas periféricas e reunido dados para a construção do plano urbanístico.
“A gente acompanha desde o início, quando teve um primeiro momento que a prefeitura tinha feito um projeto de urbanizar a comunidade. Na época não houve diálogo e a comunidade se mobilizou porque estavam fazendo sem discussão”, contou.
O arquiteto reforçou, ainda, que a implantação de duas vias marginais ao canal pode ser ruim porque continua “estrangulando” o canal e prejudicando a população. “O que se faz na contemporaneidade é renaturalizar essas margens, pensar em parques lineares e não pavimentar com asfalto, além de ter as ruas como espaço de convivência”, explicou.
De acordo com Araripe, as reuniões realizadas na comunidade estão sendo “mais informativas do que consultivas”. “A gente não está tendo nenhum espaço para de fato poder opinar nessas questões”, finalizou. O projeto contempla desde planos para a habitação quanto saneamento básico e mobilidade na comunidade.
O geógrafo Guilherme Francisco também está participando da construção colaborativa de um plano urbanístico na comunidade, identificando problemas socioambientais como áreas suscetíveis a enchentes, por exemplo.
“Nas oficinas mobilizadas com o coletivo, nós discutimos com os moradores propostas de melhorias e planejamento de território. A gente quer garantir que o plano urbanístico seja conduzido e elaborado pelos próprios moradores”, afirmou.
Ele destacou, ainda, que o objetivo é desenvolver “um produto que vai somar com a ação da prefeitura e também resguardar os interesses da própria comunidade”.
As infâncias em Tabaiares
Um campo de futebol, um balanço e pneus coloridos. Feitas pela comunidade, essas são as áreas de lazer que as crianças encontram em Caranguejo Tabaiares.
Sem previsão de novos espaços, as lideranças questionam também a possibilidade de investimentos para a infância no plano urbanístico.
“Tem esse campo que foi construído pela gente e é a única área de lazer, mesmo assim a gente sabe que daqui um daqui a um tempo vai ser retirada porque deve ser a pista construída. Tem aquele balanço que fizemos no nosso coletivo e quando a gente pintou os pneus as crianças comemoraram que tinham um parquinho”, contou Daniele Lins.
O campo a que ela se refere está localizado próximo ao Canal do Prado e no terreno onde será construído o habitacional, podendo ter acesso restrito apenas aos moradores do conjunto.
“Eu moro aqui há 38 anos e aqui nunca teve uma área de lazer. A área de lazer da gente era brincando nas portas dos outros, levando grito das mais velhas, estourando as bolas, pegando nossos brinquedo”, lembrou.
Eu moro aqui há 38 anos e aqui nunca teve uma área de lazerDaniele Lins, mobilizadora de Caranguejo Tabaiares
A mobilizadora apontou, ainda, a necessidade de um projeto que contemple escolas e unidades de saúde para a comunidade. “Hoje tem muito menino aqui estudando longe porque não teve como comportar todo mundo nas escolas mais perto”, explicou.
“Meu avô foi líder comunitário e foi uma das pessoas que lutaram muito para a comunidade se tornar uma ZEIS. Quando eu era adolescente eu dizia que não queria morar aqui, com a ideia de que é um lugar ruim. A gente só não tem estrutura porque eles não nos dão justamente para chegar numa hora dessas e botar a gente para fora com a desculpa de que a gente precisa sair para que a revitalização chegue”, desabafou Ilka Martins.
“Eles vão retirando até que a gente chegue ao ponto que diga assim ‘Eu não quero mais morar nesse lugar porque eu não aguento mais morar nesse lugar. Nasci em um lugar que eu nunca vi ter nada e não quero isso para meus filhos, para meus netos, então, eu vou ter que arrumar uma forma de sair daqui’”, lamentou Daniele Lins.
O que diz a Prefeitura
Ao JC, a Prefeitura do Recife destacou que a comunidade será beneficiada com obras de urbanização integrada, que incluirão intervenções de pavimentação e saneamento, e que o plano urbanístico “já está sendo construído coletivamente junto com a comunidade”.
Confira a nota na íntegra:
“A Prefeitura do Recife e o Governo Federal iniciaram, no final de junho, a construção do conjunto habitacional Caranguejo Tabaiares, que atende a uma demanda histórica da população. O empreendimento terá 280 apartamentos, que garantirão moradia digna para cerca de 1,4 mil pessoas hoje residentes em condições precárias na área, com investimentos de R$ 53,7 milhões (incluindo contrapartida municipal de R$ 1,4 milhão).
O conjunto será destinado às famílias de Caranguejo Tabaiares que precisarem ser relocadas para a realização das obras de urbanização integrada. A seleção será feita pela Secretaria de Habitação, junto com a Caixa, seguindo os critérios do Minha Casa, Minha Vida. As obras são executadas pela Caixa e têm prazo de 18 meses.
Além do habitacional, a comunidade será beneficiada também com obras de urbanização integrada, que incluirão intervenções de pavimentação e saneamento. O plano urbanístico que orientará as intervenções na ZEIS já está sendo construído coletivamente junto com a comunidade, sob a responsabilidade da Autarquia de Urbanização do Recife (URB).”
Eu moro aqui há 38 anos e aqui nunca teve uma área de lazer
Daniele Lins, mobilizadora de Caranguejo Tabaiares