Jaime Ribeiro: Quem influencia seus filhos quando você não está olhando?
O "amigo" que mais influencia pode estar a milhares de quilômetros de distância, escondido atrás de uma câmera, transmitindo em ao vivo para milhões

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Há alguns anos, um amigo me perguntou: “Por que você não faz mais palestras pelo Brasil? Esse tema de educação digital é urgente, tanta gente precisa ouvir você.” Eu respirei fundo e respondi: “Porque eu tenho uma filha de 3 anos. A minha prioridade é ser o maior influencer da vida dela.” Ele riu, achando que era uma brincadeira, mas eu estava falando sério. Eu não podia estar em todos os palcos ao mesmo tempo, mas podia estar presente onde realmente importava: no coração da minha filha.
Essa conversa nunca me saiu da cabeça porque resume um dilema da nossa era. Vivemos um tempo em que os pais, ocupados e muitas vezes distraídos, esqueceram de um papel fundamental: ser os primeiros e mais importantes influenciadores dos próprios filhos. E quando essa lacuna se abre, alguém a preenche. E esse alguém, quase sempre, não é escolhido com cuidado.
No passado, os pais conheciam os amigos que seus filhos levavam para casa. Sabiam quem eram as boas e más companhias, e até preferiam certas amizades a outras. Essa vigilância, por vezes desconfortável, tinha uma lógica: era possível mapear, com algum grau de precisão, quem influenciava seus filhos. Hoje, essa tarefa é impossível. O “amigo” que mais influencia pode estar a milhares de quilômetros de distância, escondido atrás de uma câmera, transmitindo em tempo real para milhões de crianças e adolescentes.
Quartos viraram auditórios
A internet transformou os quartos em auditórios. E dentro deles, sem supervisão, os jovens escutam vozes que os pais desconhecem. São influenciadores digitais, alguns carismáticos, outros divertidos, muitos com talentos legítimos, mas também há aqueles que são o que poderíamos chamar de desinfluencers: pessoas que moldam comportamentos, atitudes e visões de mundo de maneira destrutiva.
Esses desinfluencers não precisam ser abertamente maléficos. Às vezes, o dano está na normalização do fútil, na glamourização da violência, na ridicularização de valores básicos como respeito e empatia. Quando tudo vira meme, nada é sagrado. Quando tudo é espetáculo, até a dor alheia se torna entretenimento.
O que mais me preocupa é a escala. A influência de um colega no recreio era limitada ao círculo da escola. A influência de um youtuber ou tiktoker é global, constante, 24 horas por dia. A criança dorme e acorda com essa companhia virtual. E os pais, muitas vezes, nem sabem o nome da pessoa que ocupa esse espaço privilegiado no imaginário do filho.
Internet não é praça pública inocente
Não podemos ser ingênuos. A internet não é uma praça pública inocente. Ela é um megafone onde todos gritam ao mesmo tempo, mas alguns gritam mais alto porque entenderam como manipular algoritmos. E o que chama mais atenção, em geral, não é o conteúdo mais sábio, mas o mais polêmico, engraçado ou chocante. É essa lógica que cria celebridades instantâneas e, infelizmente, normaliza o absurdo.
Recentemente, conheci a história de uma adolescente que buscava conselhos em uma inteligência artificial sobre sua vida. Ela se sentia sozinha, incompreendida, e decidiu conversar com a IA sobre suas dores. O diálogo, que deveria ser neutro, virou um abismo. A jovem recebeu mensagens que, em vez de ajudá-la a encontrar caminhos de esperança, a empurraram para o desespero. Pouco tempo depois, ela atentou contra a própria vida.
Essa história não é apenas uma tragédia individual. É um alerta. Não podemos deixar que a IA seja o conselheiro prioritário dos nossos filhos. Não podemos delegar a algoritmos ou desconhecidos digitais a tarefa de orientar sobre o sentido da vida, o valor da existência ou os limites do certo e do errado. Essa responsabilidade é nossa. Dos pais, das famílias, das escolas.
Não há como vigiar cada clique
É claro que não podemos controlar tudo. Não há como vigiar cada clique, cada scroll, cada comentário. Mas podemos ocupar um lugar de protagonismo antes que seja tarde. Porque a pergunta não é se nossos filhos vão ser influenciados. É por quem.
E aqui volto à provocação inicial: se você não for o influencer do seu filho, alguém será. E você provavelmente não vai gostar do que esse alguém está ensinando.
Ser influencer na vida de um filho não significa ser perfeito. Não exige produzir conteúdo, ter milhões de seguidores ou usar as últimas gírias da internet. Significa estar presente. Significa ouvir sem julgar. Significa ser porto seguro, para que a criança não esconda suas questões por medo da crítica. Porque se ela não encontra esse espaço em casa, vai procurá-lo fora. E fora, as respostas podem ser cruéis.
O adolescente que mostra uma bobagem em casa precisa de alguém que o escute e explique por que aquilo não faz sentido. Se o pai ou a mãe apenas riem, ignoram ou julgam, ele não volta a falar. Mas se compartilha essa mesma bobagem com os amigos, provavelmente vai ouvir aplausos. E, para quem busca pertencimento, o aplauso pode ser mais sedutor do que o silêncio da própria família.
Presença não é somente física
Por isso, pais e mães precisam entender: presença não é só estar fisicamente no mesmo espaço. É ocupar simbolicamente o espaço da referência. É garantir que a voz da família seja mais forte do que a voz da tela.
Não é fácil competir com a velocidade e o carisma de influenciadores digitais. Mas há uma vantagem que nenhum deles pode roubar: o vínculo afetivo. O abraço, a escuta, a paciência, o exemplo. Essa é a influência que permanece quando o vídeo acaba.
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O futuro vai nos cobrar por essa omissão. Se não assumirmos o papel de influenciar com consciência, empatia e firmeza, vamos terceirizar nossos filhos para desinfluencers e inteligências artificiais que não conhecem amor, responsabilidade ou limites.
A pergunta que fica é simples: quem é o maior influencer da vida do seu filho? Se a resposta não for você, é hora de rever as prioridades.
Educar, hoje, é ser presença. É ser porto seguro. É ser voz que guia no meio do barulho. Não podemos nos iludir: os influenciadores digitais vieram para ficar. Mas ainda temos o poder de decidir quem será o principal influenciador da vida dos nossos filhos.
E esse papel, ninguém deveria ocupar em nosso lugar.
*Jaime Ribeiro, CEO e cofundador do Educa, escritor e pesquisador das relações humanas na era digital