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Diego Maciel: 'A aplicação urgente da BNCC nas creches para mudar o futuro da educação'

Por que nossas crianças aprendem pouco? Essa é uma questão que me atravessa enquanto cidadão, pai, pesquisador e servidor público.

Por DIEGO MACIEL Publicado em 02/08/2025 às 0:00 | Atualizado em 02/08/2025 às 11:20

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Não conseguimos bater a meta de alfabetizar 60% das crianças na idade certa e o desempenho dos alunos brasileiros em exames internacionais como o PISA costuma ficar abaixo da média em todas as áreas avaliadas.

Somos a 10ª maior economia do planeta e, mesmo assim, 70% dos estudantes que saem da escola pública no Brasil não conseguem identificar a ironia em um texto! Confesso que essa é uma que eu também custo a entender.

Embora boa parte do debate educacional costume se concentrar nos resultados do final da educação básica, a ciência tem demonstrado que o período entre a gestação e os 6 anos de idade (chamado de primeira infância) é o mais decisivo para formar no cérebro humano as bases necessárias para o aprendizado.

Por isso, quanto mais cedo alguém receber uma educação de qualidade, maiores serão suas chances de aprender e de obter sucesso na vida.

Primeira etapa negligenciada na educação

Acontece que essa primeira etapa da educação básica foi historicamente negligenciada. Alguns avanços como a criação do FUNDEB e a definição de metas no Plano Nacional de Educação (PNE) trouxeram um certo fôlego, mas ainda estamos longe do ideal quando o assunto é oferta de vagas para o público de 0 a 3 anos.

MARCOS PASTICH/PCR IMAGEM
É preciso garantir creches de boa qualidade: a qualidade da creche é um fator determinante para impactos positivos no desenvolvimento da criança - MARCOS PASTICH/PCR IMAGEM

Vejamos, por exemplo, a média de cobertura de creche nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal para 2024 em relação à Meta 1 do PNE, que é de garantir vagas para, no mínimo, 50% das crianças nessa faixa etária. De acordo com dados do Inep, apenas Santa Catarina e São Paulo bateram a meta.

Além da expansão da oferta de vagas, é preciso garantir que as creches sejam de boa qualidade, por um motivo fundamental: a qualidade da creche é um fator determinante para a geração de impactos positivos no desenvolvimento integral da criança.

Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

Tendo esse desafio em vista, o MEC publicou em 2018 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define um conjunto essencial de direitos e objetivos de aprendizagem que toda aluno deve obter ao acessar uma unidade educacional no país.

Ao propor uma organização curricular por campos de experiências e centrada na aprendizagem, a BNCC traz para a educação infantil uma proposta que dialoga com os processos naturais pelos quais as crianças aprendem e se constitui como uma política pública que pode elevar a qualidade dos serviços prestados nas creches e pré-escolas… desde que seja implementada de fato.

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Foi por isso que decidi analisar em que medida a BNCC está implementada em unidades para crianças de 0 a 3 anos e compreender os fatores que mais influenciam o comportamento dos profissionais envolvidos nesta tarefa.

Pesquisa realizada em creches do Recife

A pesquisa foi realizada em três creches públicas do Recife e envolveu observação direta em salas de aula, entrevistas com profissionais e mães de alunos, além da análise de documentos institucionais como o Projeto Político Pedagógico (PPP) e a avaliação formativa.

Como resultado, os dados da pesquisa evidenciaram que a BNCC está implementada de forma bastante incipiente nas creches, sem que exista ainda um arranjo curricular que organize a jornada educativa em campos de experiências ou que esteja centrado na aprendizagem da criança.

Essa distância entre a BNCC e a prática começa pelos próprios profissionais, que em geral não conhecem bem o documento: “Não. E é uma coisa que todo mundo fala, mas ninguém tem a segurança. Não vou globalizar ninguém, mas, assim, a maioria que eu vejo não tem aquela segurança de conhecimento para passar” (Profissional entrevistado).

Dessa forma, a face da BNCC que se manifesta advém, em grande parte, do controle do espaço para a discricionariedade (tomada de decisão) dos professores, que precisam observar a política curricular da Rede Municipal, utilizar um sistema informatizado para a realização do planejamento das aulas e se submeterem à supervisão da coordenação pedagógica.

Sobre esse ponto, precisamos de cautela para não sair apontando o dedo para os professores. Controlar o espaço para decisões mostrou-se como medida favorável à implementação da política sim, mas é preciso compreender por que isso acontece.

Dois fatores ligados à relação entre creches e famílias ajudam a entender esse distanciamento:

  • O primeiro é a influência que o reconhecimento acerca dos impactos do contexto familiar, comunitário e socioeconômico sobre as crianças exerce sobre o comportamento dos profissionais que atuam nas creches;
  • O segundo é a força que as expectativas das famílias têm sobre os serviços prestados nas unidades, muito concentradas em aspectos do cuidado como alimentação, saúde e higiene.

Dessa forma, os profissionais acabam direcionando seus esforços enquanto educadores para sanar, mitigar ou compensar esses efeitos prejudiciais ao desenvolvimento, que acompanham muitas crianças todos os dias nas salas de aula, conferindo um caráter fortemente assistencialista e compensatório a essas instituições.

“As crianças são mais bem cuidadas na creche do que em casa”, me disse uma professora. De fato, o que vi nas creches foi um lugar de muita vida e de muito carinho entre os profissionais e os pequeninos.

No entanto, em termos de direitos de aprendizagem, seja dentro ou fora do ambiente escolar, o maior desafio para que as crianças tenham no mínimo a Base é garantir primeiro a superação da falta que o básico lhes faz.

*Diego Maciel, mestre em Políticas Públicas (UFPE), Especialista em Planejamento e Gestão Pública (UPE) e auditor de Controle Externo do TCE-PE.

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