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Otávio Santana do Rêgo Barros: 'Como Aristóteles pode nos salvar?'

O pensamento aristotélico está longe de obsoleto. Ele pode e deve ser um novo ponto de partida para a construção de uma política mais humana.

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 02/08/2025 às 0:00 | Atualizado em 02/08/2025 às 11:08

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Há algumas semanas, eu tive contato com um instigante texto da professora doutora Antara Haldar, da Universidade de Cambridge, no qual ela propõe, com base na filosofia de Aristóteles, caminhos para um convívio mais racional e equilibrado em um mundo carente de consciência social.

As reflexões de Antara oferecem uma centelha de esperança às sociedades organizadas que buscam antídotos frente aos múltiplos desafios contemporâneos.

Façamos um sobrevoo sobre suas ideias

Em 1995, o astrofísico Carl Sagan alertou para a fragilidade da civilização humana diante de nossa ínfima presença no universo. Trinta anos depois, sua advertência soa ainda mais atual.

A promessa de um liberalismo global, marcante no final do século XX — e celebrada em obras como O FIM DA HISTÓRIA, de Francis Fukuyama — perdeu força. Em seu lugar, instalaram-se a incerteza, a fragmentação geopolítica, o realinhamento entre nações e um profundo vazio ético e moral nas pessoas.

Diante desse cenário, Antara sugere que talvez seja necessário retornar às raízes — um verdadeiro reset em nosso sistema operacional de vida — e reprogramar um novo caminho. Poucos pensadores oferecem alicerces tão robustos para esse recomeço quanto Aristóteles.

Enquanto o pensamento contemporâneo, muitas vezes, valoriza de forma excessiva a autonomia individual, Aristóteles via o ser humano como essencialmente social, uma célula de um organismo comunitário.

Para ele, a "boa vida" não era a simples liberdade de fazer o que se quer. Viver bem exigia o cultivo contínuo de virtudes como coragem, justiça e moderação.

Essa visão aristotélica confronta tanto o libertarismo desenfreado da direita quanto o individualismo identitário da esquerda, ambos marcantes em nossos dias.

Aristóteles nos recorda que liberdade não é ausência de restrições e que justiça não se esgota na mera distribuição de direitos.

Hoje, a política transformou-se em um embate entre pessoas — muitas vezes individualistas e gananciosas — e interesses — frequentemente escusos e mesquinhos —, sem qualquer senso de agenda comum.

Debatem-se direitos sem que se considerem os deveres. O resultado é o que Antara chama de "hiperpolitização": disputas permanentes, desprovidas de qualquer horizonte voltado ao bem comum.

Aristóteles aponta um caminho

Diante desse quadro, a filosofia de Aristóteles oferece mais do que um diagnóstico: aponta um caminho.

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Aristóteles nos convidou a pensar a política como um projeto moral — um exercício constante de discernimento entre o certo e o errado - Reprodução

Para ele, a política é um espaço de formação moral, e não apenas um jogo de poder. As boas Instituições devem formar cidadãos virtuosos, aptos a deliberar, zelar pela comunidade e agir com responsabilidade.

Em claro contraste, nossas democracias enfrentam hoje o colapso da falta de confiança e coesão, das lideranças ineptas e das narrativas montadas ao invés da verdade provável.

O florescimento humano (eudaimonia), idealizado por Aristóteles quando da vida comunitária plena, foi substituído por noções rasas de sucesso, centradas em fama, riqueza, visibilidade digital — likes e filtros aos borbotões — e no poder pelo poder.

Ao mesmo tempo, nossos sistemas educacionais evitam abordar temas como ética, moral e caráter, receosos de julgamentos ideológicos. O resultado é uma sociedade cada vez mais cínica e desorientada.

Aristóteles nos convidou a pensar a política como um projeto moral — um exercício constante de discernimento entre o certo e o errado, entre o bom e o ruim.

E nos provocou com perguntas que permanecem urgentes: Que tipo de pessoa queremos ser? Que tipo de caráter nossas instituições devem cultivar? Como formar cidadãos capazes de exercer uma liberdade verdadeiramente responsável?

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Quase a concluir, a professora Antara recorre à arte japonesa do kintsugi — que restaura cerâmicas quebradas com fios de ouro — para ilustrar o ensinamento de Aristóteles: não devemos ocultar as fraturas da sociedade, mas preenchê-las com o ouro da virtude, do propósito e do compromisso com o que é ética e moralmente correto.

O pensamento aristotélico está longe de obsoleto. Ele pode e deve ser um novo ponto de partida para a construção de uma política mais humana. Uma política comprometida com o bem, sem exclusões. Uma política que some, em vez de subtrair; que multiplique, em vez de dividir.

A nossa sociedade será tanto mais forte quanto mais forte for o seu elo mais fraco.

*Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

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