Ivanildo Sampaio: 'Deus perdoa, mas castiga'
Diante de tantas inverdades expostas por alguns depoentes com "a cara mais limpa", é difícil crer que os ministros tenham dado crédito ao que ouviam

A televisão brasileira certamente registrou os mais altos índices de audiência nestes últimos dias, transmitindo ao vivo os depoimentos colhidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. O teor dos depoimentos, que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro e vários outros membros de seu governo, incluindo militares de alta patente, marca um fato inédito desde o fim da ditadura militar.
Não acompanhei todos os depoimentos, mas diante de tantas inverdades expostas por alguns depoentes com "a cara mais limpa", é difícil crer que os ministros tenham, em algum momento, dado crédito ao que ouviam.
Na verdade, embora estejamos no terceiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alguns fatos e seus desdobramentos dão a impressão de terem ocorrido ontem, e não de que já ocupam o livro sujo da política há três anos. E são vários os exemplos.
A deputada paulista Carla Zambelli, que surgiu na política protestando contra a então presidente Dilma Rousseff, teve seu mandato cassado pela Câmara Federal. Isso ocorreu após sua condenação a 10 anos de prisão, o que a levou a deixar o país sorrateiramente, confiando na impunidade devido à sua dupla nacionalidade. Contudo, a estratégia falhou. Seu nome agora está na lista de procurados pela Interpol, independentemente da dupla nacionalidade.
Inicialmente uma "bolsonarista de raiz", Zambelli perdeu a simpatia de seu líder quando, às vésperas das eleições, perseguiu um adversário político com uma arma na mão em uma avenida de São Paulo. Fato que, segundo o próprio Bolsonaro, contribuiu para sua derrota, que se deu por uma margem de votos muito pequena. No entanto, a acusação mais grave contra a ex-deputada envolvia a contratação de um "hacker" para produzir e divulgar conteúdos mentirosos nas redes sociais, visando desacreditar o Supremo Tribunal Federal e o próprio sistema eleitoral. Coisa de marginal.
Outro fato emblemático da nossa política envolve o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, o "Zero Três", filho do ex-presidente, que sugeriu que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastavam "um cabo e dois soldados". Como as "coisas grandes" parecem acontecer sempre em São Paulo, Eduardo Bolsonaro recebeu dos paulistas e paulistanos mais de um milhão e meio de votos. Esse fato remete às eleições de 1959, quando um filhote de hipopótamo chamado "Cacareco" recebeu mais de 100 mil votos para "vereadora" – uma votação tão expressiva na época quanto a recebida pelo deputado "Zero Três" no último pleito.
Pois bem, apesar de tão expressiva votação, o parlamentar trai o eleitorado paulista, pede licença e se transfere para os Estados Unidos, onde busca aproximação com Donald Trump e trabalha contra as instituições brasileiras. Ele parece ignorar que um dos refrãos do governo de seu pai pregava reverência "a Deus e à Pátria" – apesar da cafonice e do pieguismo idiota da expressão. Conheci outros militares que consideravam as atitudes do "Zero Três" as de um "Vendilhão da Pátria" – o que, para mim, é outra cafonice.
Mas Eduardo Bolsonaro praticamente abdicou do mandato que o eleitorado paulista lhe confiou, licenciou-se do Congresso e vive, ao que consta, das mesadas que o pai lhe transfere, após receber doações de eleitores fiéis depositadas em sua conta bancária.
Enquanto escrevo este artigo, não se sabe ainda o resultado do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, se será absolvido ou condenado, se terá ou não seus direitos políticos reconquistados. Penso comigo: um país cujos principais líderes hoje são Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro deve ter alguma dívida com o Criador. Porque Deus perdoa, mas também castiga. Olhando o quadro nacional, não se vê, hoje, um único líder político que se possa chamar de "estadista".
Sumiram os "Ulysses Guimarães", os "Mario Covas", os "Tancredo Neves", os "Pedro Simon" e uns poucos outros, cuja dignidade, honradez e patriotismo não eram negociados numa esquina qualquer.
*Ivanildo Sampaio é jornalista