O interrogatório do réu no processo penal brasileiro
O interrogatório do réu, além de oportunizar o contato direto com o julgador, não deixa de ser um ato processual exclusivo da defesa,

O Código de Processo Penal de 1941, constantemente reformado ao longo dos anos, é a lei penal que estabelece as regras que regem os procedimentos que devem ser seguidos durante a investigação criminal (inquérito policial) e as normais procedimentais do Processo Penal. No Brasil, o processo é iniciado com o recebimento da denúncia ou da queixa, aquela formulada exclusivamente pelo Ministério Público (ação pública) e esta de prerrogativa do ofendido (ação privada), e finda-se com a sentença condenatória ou absolutória. Quando o crime é cometido por doente mental, comprovado em laudo médico-psiquiátrico, o juiz aplica uma medida de segurança, que é a submissão do paciente a um tratamento psiquiátrico, porque a lei penal o considera inimputável.
Até o ano 2009, recebida a denúncia ou a queixa pelo juiz, o réu era citado para ser interrogado na sala de audiência do prédio do Fórum. Depois disso, com a Lei nº 11.900, o interrogatório passou a ser realizado no final da instrução criminal, ou seja, depois de colhidas todas as provas, inclusive a testemunhal. Com a reforma de 2009, outrossim, estando o réu preso, o seu interrogatório deveria ser realizado dentro do próprio estabelecimento prisional onde se encontre o acusado, desde que existisse garantias para as autoridades e a estrutura física necessária. Até hoje, porém, poucas prisões foram dotadas das mínimas condições para a realização do ato processual.
Após a reforma de 2009, o interrogatório do acusado preso, também pôde ser realizado através da videoconferência, excepcionalmente, mas a realidade é que os equipamentos eletrônicos jamais foram instalados nas prisões, principalmente nas unidades prisionais administradas pelos Estados. Por falta de estrutura física e material na grande maioria dos nossos presídios, uma imensa parte dos interrogatórios dos réus presos e soltos, continuou sendo realizado nas salas de audiência dos Fóruns, em qualquer caso com a presença de defensor público ou particular. A partir de 2009, vale salientar, o réu passou a ser citado não mais para ser interrogado, mas sim para apresentar defesa escrita, através de defensor privado ou público.
Antes de iniciado o interrogatório do réu, na presença do representante do Ministério Público o do defensor, o magistrado deverá comunicar ao interrogando sobre o seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que forem formuladas, sendo certo que o silencio do réu não poderá importar em qualquer prejuízo para a defesa, uma vez tratar-se de direito assegurado pela Constituição Federal.
Depois da qualificação do acusado, caberá ao magistrado iniciar as suas indagações, não as que lhes aprouver, mas sim aquelas que já estão previamente expressas no art. 187 do Código de Processo Penal. Em seguida, caberá à acusação realizar as suas perguntas e, por fim, será a vez do advogado de defesa fazer as suas interpelações. Todas as indagações, tanto da acusação como da defesa, deverão ser submetidas ao magistrado, sendo indeferidas aquelas que não tenham relação com a vida pessoal do acusado ou com os fatos e provas que fazem parte do processo.
Diferente das testemunhas que depõem no processo, que obrigatoriamente celebram o compromisso de dizerem a verdade e somente a verdade, sob pena de praticarem o crime de falso testemunho (art. 342, Código Penal), durante o interrogatório o interrogando poderá confessar a sua participação no crime, negar a autoria, imputar a conduta delituosa a outras pessoas, enfim, expor livremente a sua versão aos fatos, sem com isso ser advertido pelo juiz, já que ele não presta o compromisso de dizer a verdade.
Se confessar espontaneamente a sua participação no delito, se condenado na sentença, o réu deverá ser beneficiado com uma redução na pena (atenuante). Pode, e acontece com frequência, nas suas respostas, o réu vem a alegar que praticou os fatos em legítima defesa, sua ou de terceiros, estado de necessidade ou em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito, causas que excluem a existência do crime (exclusão de ilicitude), dentre outros argumentos defensivos.
Como se nota, o interrogatório do réu, no processo penal, além de oportunizar o contato direto com o julgador, não deixa de ser um ato processual exclusivo da defesa, ademais o acusado pode alegar qualquer versão aos fatos, sem que os seus argumentos possam prejudicá-lo no processo.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor da pós-graduação em Ciências Criminais do Instituto dos Magistrados do Nordeste e da Faculdade Damas, membro efetivo do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)