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O judiciário deve respeitar os símbolos da estátua Têmis

Educar para a justiça é respeitar e honrar os símbolos de Têmis - não como ornamentos estéticos, mas como compromissos éticos ........

Por EDUARDO CARVALHO Publicado em 13/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 13/06/2025 às 11:04

Vivemos uma crise de caráter no Brasil, como também em diversos outros países. Indignamo-nos com os inúmeros golpes e abusos que ocorrem, especialmente em instituições públicas. A imprensa divulga fatos que parecem inacreditáveis em um país marcado pela miséria e por indicadores sociais alarmantes. Os líderes desses golpes, em muitos casos, demonstram cinismo e confiança na impunidade. Essa impunidade generalizada mina a confiança no sistema de justiça, estimula a repetição de crimes, enfraquece a democracia e a cidadania e dissemina um sentimento coletivo de injustiça social.

Em raras ocasiões, quando alguns dos responsáveis recebem ordem de prisão, a reação da sociedade é, paradoxalmente, de compaixão, diante da quantidade de outros criminosos condenados e, atualmente, livres. Esse cenário exige uma profunda reflexão sobre o conceito de justiça e aponta para a necessidade urgente de implementar, desde a educação básica, uma abordagem pedagógica voltada à Educação para a Justiça, com a esperança de que futuras gerações possam viver em um país mais justo.

Etimologicamente, a palavra justiça deriva do latim justitia, referindo-se ao princípio que sustenta a ordem social por meio da preservação dos direitos de forma legal. Em termos filosóficos, Aristóteles entendia a justiça como um conceito que abrange tanto a legalidade quanto a igualdade. Para ele, o juiz deveria ser o mediador imparcial dos conflitos, personificando a própria justiça. Yuval Harari, historiador contemporâneo, complementa essa visão afirmando que o juiz, além de conhecer as leis, precisa compreender as relações concretas de causa e efeito da realidade social.

Popularmente, justiça é entendida como o respeito aos direitos do outro. Os dicionários de língua portuguesa definem o adjetivo "direito" como aquilo que está de acordo com a lei e com os bons costumes, associado à justiça, lealdade, sinceridade e honestidade. Já o advérbio "direito" remete a ações feitas com honradez, conforme os princípios morais.

Simbolicamente, a justiça é representada pela estátua de Têmis, figura mitológica com os olhos vendados, segurando uma balança e uma espada. A venda simboliza a imparcialidade: a justiça deve ser cega a privilégios ou preconceitos. A balança representa a ponderação das provas, a busca pelo equilíbrio nas decisões. A espada, por sua vez, simboliza a força e a coragem de aplicar a lei com firmeza, cortando os excessos. Esses três elementos são interdependentes: sem a balança, o direito se torna força bruta; sem a espada, é impotente; e sem a venda, torna-se parcial. Juntos, compõem os pilares simbólicos de uma justiça verdadeiramente justa.

Contudo, todos esses conceitos podem (e devem) ser questionados: o que é respeito? Quais são os direitos do outro? Qual o propósito das leis? Foram criadas com base no bem comum ou em interesses particulares? Os legisladores e os juízes são íntegros? Esses questionamentos exigem reflexão filosófica e crítica.

No livro Justiça: O que é fazer a coisa certa, o filósofo e professor de Harvard Michael Sandel apresenta diferentes concepções de justiça e as conecta com dilemas morais - situações em que valores, deveres ou princípios éticos entram em conflito, tornando impossível satisfazer todos simultaneamente. Nessas situações, qualquer decisão exige reflexão profunda e envolve riscos de prejuízo moral ou emocional.

Nas aulas de Sandel, os estudantes exercitam o pensamento crítico, desenvolvem empatia e aprendem a escutar diferentes pontos de vista. Esse exercício prepara-os para tomar decisões complexas na vida real, promovendo o senso de cidadania e de justiça. Para Sandel, justiça não se resume ao cumprimento de leis neutras; ela envolve valores éticos, morais e políticos, requerendo respostas para perguntas fundamentais: O que é certo? Quem decide? Com base em que princípios? Em que contexto? Qual o impacto social, ambiental e cultural de cada decisão?

A justiça, portanto, depende da integridade de quem elabora as leis, de quem as julga e de quem as vivencia. Leis criadas ou aplicadas por corruptos distorcem o próprio ideal de justiça. Montesquieu, filósofo e autor de O Espírito das Leis, alertava: "A injustiça que se faz a um é uma ameaça à justiça que se faz a todos". Já Sandel nos lembra que, para pensar sobre justiça, precisamos refletir sobre quem desejamos ser e sobre o tipo de sociedade que queremos construir. Isso implica valorizar a formação do caráter e a construção coletiva de valores éticos.

É nesse espírito que defendemos a educação para a justiça. Trata-se de uma abordagem pedagógica que integra valores éticos, práticas cidadãs e reflexão crítica sobre as relações humanas, sociais, profissionais, organizacionais, políticas e ambientais. O objetivo é desenvolver competências que permitam aos estudantes analisar criticamente o mundo em que vivem, reconhecer situações de injustiça e contribuir para sua transformação. Vai além da simples transmissão de conteúdos: forma cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, capazes de agir com ética, solidariedade e responsabilidade.

Educar para a justiça é respeitar e honrar os símbolos de Têmis - não como ornamentos estéticos, mas como compromissos éticos com a equidade, a imparcialidade, a coragem e o bem comum.

Eduardo Carvalho, Autor do livro "Por um Brasil digno"

 

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