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Sérgio Gondim: Com armas na mão e ódio no coração

Química cerebral pode fazer com que as conexões neuronais processem os fatos de forma tão distorcida que geram uma visão do que não existe

Por SÉRGIO GONDIM Publicado em 28/03/2025 às 8:47 | Atualizado em 28/03/2025 às 8:48

Química pura, é o que somos. Ao abrir os olhos, sorrir, digerir, contrair o miocárdio ou trocar o CO2 por oxigênio. As reações químicas estão na base das emoções, do pensamento, do amor e do ódio.

Quando o Ph no esôfago fica mais baixo, surge azia. Quando falta insulina, a glicemia se eleva.

A influência da química cerebral

Da mesma maneira, a química da neurotransmissão cerebral, quando alterada, pode resultar em mudanças na percepção da realidade de forma negativa a ponto de se perder a motivação para viver ou, ao contrário, encher de energia acelerando demais todos os processos, saindo da realidade.

A química cerebral também pode fazer com que as conexões neuronais processem os fatos de forma tão distorcida que geram uma visão do que não existe ou uma voz que não foi falada. Podem transmitir certeza de que existe perseguição, ameaça e agressão irreais.

Não se atribui culpa ao portador de azia, asma ou paranoia, também não ao portador de obesidade quando um mensageiro químico lentificado demora para informar ao cérebro que não há necessidade de mais calorias.

As doenças podem ocorrer mesmo com hábitos alimentares saudáveis e ambiente harmônico, mas é claro que são influenciadas por eles, como aquele que sofre com o refluxo ácido e insiste em frituras com cerveja antes de dormir ou o portador de problemas na neuroquímica cerebral que é obrigado a conviver com violência doméstica, conflitos, armas, alcoolismo e outras drogas.

O impacto da violência e das armas na sociedade

Muitos têm se protegido dos noticiários nos últimos tempos para evitar o disparo químico no sentido da tristeza e revolta, mas existem notícias que, de tão impactantes, não são evitáveis. Entram na nossa sala e nos aproximam dos dramas, sentimos a dor e a injustiça, choramos porque não foram evitadas.

Não foi esquecido o caso do homem de 45 anos que, aparentemente em surto agudo resultado de pane nas comunicações e integração de informações no centro de controle cerebral, atirou nos familiares, matou 5 pessoas inclusive o pai, o irmão, dois policiais sendo um deles pai de um recém-nascido, no cumprimento do dever.

Todas as mortes são impactantes, mas confesso que a do policial doeu mais. Das tragédias, ficam lições para que não se repitam.

Será que o paciente estava em tratamento, hoje tão eficiente para controlar os sintomas? Será que o passatempo de colecionador, atirador desportivo e caçador era adequado para o seu quadro clínico ou funcionaria como doce para o diabético, como gordura animal para coronárias obstruídas, tabaco para o enfisema?

Quem não tem simpatia por tiro nem caça, tenta entender o que faz tanta gente pensar que o armamento geral é solução para problemas da sociedade, sabendo que a química do comportamento humano tem mudado para pior, mais intolerante e violento.

Contaminados e estimulados através das redes sociais, com armas à mão, os massacres sem causa se espalham nas famílias, nas escolas e no meio da rua.

Em casos muito específicos pode-se encontrar razões para armas em casa, mas enquanto houver estímulo indiscriminado, para lazer ou seja o que for, a morte do jovem policial terá sido em vão.

Sérgio Gondim é médico

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