OPINIÃO | Notícia

Joaquim Falcão: Pegue um Ita do Norte

Em meados de junho de 1982, pedimos ao então ministro de Educação e Cultura, general Rubem Ludwig, uma entrevista em cima da hora. Ele nos atendeu

Por Joaquim Falcão Publicado em 27/03/2025 às 7:00

Livros, discursos, artigos, vídeos, projetos estão todos aqui na Academia Brasileira de Letras. Guardados e consultados. Palpáveis, diria Gilberto Freyre. Mas Marcos Vilaça tem estado ausente. Uma vez, ele foi ao programa de Jô Soares. Quando, aliás, estimulou se candidatar. Jô queria saber das brigas e intrigas da Academia. Marcos escapulia. Não revelou nada, embora soubesse de tudo. A ABL é, antes, um lugar de alegria – respondeu.

Em meados de junho de 1982, pedimos ao então ministro de Educação e Cultura, general Rubem Ludwig, uma entrevista em cima da hora. Ele nos atendeu. Fomos, de repente, juntos a Brasília, Fernando Moreira Salles, Marcio Fortes e eu, conselheiros do Iphan-ProMemória. Também deste Conselho faziam parte Rubens Ricupero, Fernão Bracher, Jorge Hilário e Mario Berard.

O Ministério da Cultura não tinha sido criado. Ainda estava ligado ao Ministério da Educação – MEC. O Secretário de Cultura era o também pernambucano Aloísio Magalhães, que tinha ido representar o Brasil numa conferência em Veneza.

No meio de seu discurso, em pleno plenário, subitamente, faleceu. Vítima de um AVC. Aloísio Magalhães iniciara grande reforma na área do patrimônio cultural. Antes, restrita sobretudo aos bens católicos, das elites, tombamento e preservação do que chamamos de patrimônio de pedra e cal. O que reduzia o Brasil.

Aloísio tentava ampliar a nós mesmos. Dos bens materiais aos imateriais. Do barroco dourado das igrejas aos quilombolas e utensílios populares. E, nesta direção, íamos. Aloísio, sem avisar, morre. Fomos, então, a Brasília uma semana depois, pois importante questão haveria de ser decidida pelo Ministro Rubem Ludwig: a sucessão na Cultura.

O ministro abriu a reunião com palavras que muito nos surpreenderam: “Quem deveria estar em Veneza era eu. O ministro. A reunião internacional era de nível Ministerial. Mas pedi a Aloísio que nos representasse. Considerei que a cultura brasileira não poderia ser representada por um general”. O campo da mútua franqueza logo se abriu.

Ministro: “Não temos nenhum candidato. Não é lobby. Não viemos por este motivo. Viemos fazer apenas uma sugestão. Quem quer venha a ser o nomeado, poderia respeitar e, se possível, prossiguir com a política cultural por um maior Brasil iniciada por Aloísio Magalhães”. Hoje diríamos: política de aumentar a inclusão social.

O Ministro foi direto. “Então os senhores podem estar tranquilos. Já escolhi o substituto. Será o também pernambucano Marcos Vilaça.” – então dirigente da Caixa Economica Federal – “Já se comprometeu comigo a seguir e expandir a política cutural atual”.

O que Marcos fez com imenso brilho próprio. Defendeu Olinda como Patrimônio Mundial da Unesco. Tombou São Miguel das Missões, no Rio Grande. Que acreditava ter sido uma experiencia comunitária de “natureza socialista” antes mesmo de Karl Marx. Protegeu o primeiro dos terreiros afro-brasileiros: o Terreiro da Casa Branca, na Bahia. Completou o tombamento e novo destino do Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Protegeu seu entorno. E por aí foi. E não parava nunca.

No dia seguinte à nomeação de Marcos, mídia em alerta. Pergunta uma jornalista: “Secretário, o que é cultura para o senhor?”. Pergunta essa que – sabemos –, se não complicada, pelo menos complexa. Marcos não hesitou: “Cultura, minha filha, é um objeto não identificado”. Fazendo uma alusão a uma musica de Caetano Veloso daquela época. Revelando, desde 1969, admiração e respeito por Caetano.

Marcos estava no lugar certo no momento certo. As instituições culturais cresciam e necessitavam de líderes que fossem, ao mesmo tempo, intelectuais, pragmáticos e comunicativos. Marcos é tudo isso.

Desde cedo, muito jovem ainda, teve como foco e destino gerir instituições culturais. O que levou Gilberto Freyre a dizer, quando ele foi eleito para a Academia de Letras Pernambucana: “Tão jovem e tão presidente”.
Fernando Lyra, seu contemporâneo, ex-Ministro da Justiça, dizia que, se Marcos fosse eleito presidente do clube de xadrez de Caruaru, em seis meses este clube de xadrez seria o maior do mundo!

Uma vez, por coincidência, embarquei em voo da da Varig para a Europa. Lá estavam, ao meu lado, Marcos e Maria do Carmo, sua esposa – a holandesa, segundo Ibrahim Sued –, e Irapoan Cavalcanti, então Secretário-Geral do Ministério, braço direito e esquerdo de Marcos. A quem nossa a cultura muito deve. Não lhe agradecemos o suficiente. Faço um mínimo agora.

O avião fazia escala em Salvador. Parados, fomos informados que não podíamos continuar viagem. Teríamos que pernoitar em Salvador. Uma chatice, como diria um amigo. Um funcionário do local, da Infraero, ao passar por debaixo da turbina, sentiu lhe caírem na cabeça gotas de óleo. O motor estava vazando. Poderia vazar em meio ao Oceano Atlântico. Risco Total.
Foi um alívio.

Maria do Carmo imediatamente mostrou que, em vez de colares e pérolas em seu pescoço, estavam correntes, escapulários, um pequeno rosário, medalhas com figuras de santos em ouro, e tanto mais.
“Veja, Joaquim, foram elas que nos salvaram”.
Deste dia em diante, eu só chamaria Maria do Carmo de “Catedral”, Ela andava protegida por um verdadeiro altar consigo.

Qual não foi minha surpresa quando Marcos discordou. Abre a camisa. Do pescoço, caíam amuletos, patuás, figas, cordões, paninhos, breves, talismãs, símbolos de candomblé, das religiões afro, e tanto mais.
O casal, em matéria de proteção das divindades, era imbatível. Chegamos bem a Paris.
Era uma política cultural feita de dentro. De dentro do coração.
Marcos! Pega um Ita do Norte e vem pra ABL alegrar.

Joaquim Falcão é professor de direito constitucional, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri)

 

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