OPINIÃO | Notícia

Jones Figueirêdo Alves: elogio da beleza para as pessoas boas

A estética definida como a "Filosofia do Belo", e o Belo como propriedade do objeto, transcorre entre as percepções da sensibilidade e do entendimento

Por Jones Figueirêdo Alves Publicado em 27/03/2025 às 6:39 | Atualizado em 27/03/2025 às 6:39

As pessoas más não deveriam ser bonitas porquanto lhes falta a beleza interior. É onde mora o perigo, quando o diabo dissimula.

A Rainha Má, interpretada por Gal Gadot-Varsano, na nova versão de “Branca de Neve”, em “live-action”, de Marc Webb (2025) constitui uma distopia no que representa o sombrio indesejável da beleza.

Convenhamos que a atriz israelense (39 anos) é muito mais bonita que a “Branca de Neve” (23 anos), interpretada por Rachel Zegler, cantora e YouTuber americana, de raízes latinas.

Pessoas boas, sim, todas deveriam ser bonitas, embora a aparência de alguém não defina seu caráter.

 

Construção da beleza 

A nova roupagem fílmica do conto de fadas "Branca de Neve" ("Schneewittchen") dos autores alemães Jacob e Wilhelm Grimm, os irmãos Grimm, publicado em 1812, traduz essa ideia.

O filme se esforça revelar o quanto importa a beleza interior para o verdadeiro conceito de beleza da pessoa. Enquanto a feiura, essa não é fundamental.

A histórica clássica levada ao cinema por Walt Disney no filme de animação de 1937, com diversas outras adaptações, agora se apresenta, quase noventa anos depois, distópica como crítica social.

Desconstruindo estereotípicos antigos e apresentando a princesa como uma ativista feminista sem depender do príncipe salvador.

Nos paradoxos da questão posta, aqui não se trata de sublinhar a teoria do criminoso nato (1876) do psiquiatra Cesare Lombroso, conferindo ao homem delinquente determinadas características morfológicas.

A teoria lombrosiana vinculou-se a estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais que o identificariam, sem significar, todavia, que todo criminoso é um criminoso nato. Daí, o crime não ser um fenômeno biológico.

A resiliência e a transformação da beleza

Importa, antes, dizer dos cisnes brancos. Da alegoria do conto “O Patinho Feio”, do escritor dinamarquês Hans Chistian Andersen, de 1843. O filhote de cisne nunca foi um pato e a autoestima enxerga o belo naquilo que se tem por essencial ou diferencial.

Na sede do Tribunal Supremo de España, o mais alto Tribunal de Justiça do Reino de Espanha, situado no “Convento de las Salesas Reales”, em Madrid, há um quadro que me chamou bastante a atenção.

Intitula-se “O Vulnerável”, o de uma pessoa maltrapilha, posta em abandono fisico. Na representação pictórica, a sua feiura é notável, quando os infortúnios deixam-lhe marcas visíveis, físicas e emocionais.

Há cogitar que o sofrimento empobrece a beleza natural das pessoas. Entretanto, não é bem assim. A beleza não é apenas uma questão estética; ela também vem da resiliência, da força e da experiência de vida.

Mais das vezes, são as dificuldades que moldam a expressão no olhar, a intensidade de um sorriso ou a empatia no jeito de ser. Assim, ao invés de atenuá-la, o sofrimento pode transformar a beleza, tornando-a mais autêntica e significativa.

Nesse víeis de transformação, despontam a permanência e a importância da bondade.

Padrões

A estética nunca será superficial. Em sua interessante obra “O intolerável peso da feitura” (Ed. Garamond, 2011), Joana de Vilhena Novaes fala-nos da tirania sofisticada da beleza, diante de uma infinidade de tecnologias.

Da educação física às cirurgias de correção e harmonizações faciais, na busca de um corpo
adequado socialmente.

Ela é doutora em Psicologia Clínica pela PUC-Rio e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS). Relevantes os seus estudos.

Quando uma sociedade de consumo e desigualitária cria padrões, feiura não será apenas um problema de estética. Gera sentimentos, que surgem da insegurança, da comparação ou da rejeição.

No caso, a feiura vai ao divã. Será melhor que compareça, muito antes, aos centros estéticos. Duas obras notáveis do filosofo Umberto Eco (1932-2016) sobre a “História da Beleza” (2002), e a “História da Feiura” (2007), tratam de suas implicações mútuas, expressando que “a ideia da feiura é muito mais complexa de definir do que a da beleza”.

Afirmou: “O conceito de grotesco foi, ao longo dos séculos, vinculado ao da graça e formosura. O feio, o cruel e o demoníaco são os parâmetros para a existência do belo”. O feio natural não implica o feio espiritual.

Em representações imagéticas, no contexto social, muitas pessoas não portadoras de padrões de beleza são generosas e gentis, enquanto outras, de melhores dotes físicos, cometem atos indignos.

Redefinição da beleza

Inverte-se antiga equação nos filmes clássicos, quando os vilões eram todos feios, bastando lembrar o épico do “spaghetti western”, “O Bom, o Mau e o Feio” (“The Good, the Bad and the Ugly”), de Sergio Leone (1966). Gal Gadot é a antítese.

A estética definida como a “Filosofia do Belo”, e o Belo como propriedade do objeto, transcorre entre as percepções da sensibilidade e do entendimento.

O filosofo Immanuel Kant, em sua “Crítica da Faculdade do Juízo” (1790), foi rápido e objetivo: “gosto não se discute”. Olavo Bilac também foi imediato: “Se o povo diz que “quem ama o feio, bonito lhe parece”, é porque é o Amor quem cria a Beleza.

Mas é a Graça quem gera o Amor”. (Conferências Literárias, 1906). Impõe-se uma devida leitura da fantasia musical “Branca de Neve” (Snow White), lançada dia 20 último, no país. A verdadeira beleza e a verdadeira feiura estão nas atitudes (do bem e do mal). Decerto, precisam ser ressignificadas.

Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista

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