Suspensão e encarecimento dos voos ao interior de Pernambuco geram debate na Câmara, marcado por falta de soluções
Voos regionais caros dominaram debate na Câmara dos Deputados; audiência expôs justificativas do setor, mas trouxe poucas soluções práticas
Clique aqui e escute a matéria
Os altos valores das passagens aéreas e cancelamentos frequentes de voos regionais no Brasil, principalmente em Pernambuco, se tornaram alvo de críticas durante audiência pública realizada, nesta quarta-feira (24), na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.
O debate abordou a suspensão de rotas e a precarização dos serviços que ligam Recife a cidades do interior do Estado, como Petrolina, Araripina e Serra Talhada.
O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) havia solicitado desde junho a realização da audiência pública sobre o tema, mas o encontro só ocorreu hoje, três meses depois.
O parlamentar afirmou que as tarifas entre Recife e Petrolina chegaram a R$ 5 mil, superando inclusive o preço de voos internacionais como Recife–Portugal.
“Estamos vendo tarifas que não fazem sentido para a realidade do Nordeste e para os consumidores brasileiros. É preciso transparência e compromisso das companhias aéreas”, alertou. Além disso, o deputado citou que outros parlamentares também sinalizaram o mesmo problema em seus estados.
A discussão sobre os preços e a redução de voos regionais já vem sendo tratada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) desde o início do ano, quando parlamentares reagiram à diminuição das rotas, cancelamentos frequentes e alta nos preços.
Em março, o deputado estadual Waldemar Borges (PSB) criticou as companhias e cobrou reações das esferas governamentais.
“Eu acho que são poucas as relações tão abusivas, tão desrespeitosas ao consumidor como essas relações estabelecidas pelas companhias aéreas. Eu não vejo reação mais enérgica do governo, em nenhum nível, contra esse comportamento abusivo, absurdamente abusivo.”
Na ocasião, as deputadas Socorro Pimentel (União) e Débora Almeida (PSDB), aliadas da gestão estadual, reforçaram as críticas às companhias.
Brasil tem as passagens mais caras da região
O peso das tarifas aéreas no Brasil não é apenas uma percepção dos consumidores. Um estudo da plataforma de inteligência turística Mabrian mostra que o país lidera a média de preços domésticos na América do Sul, com bilhetes a US$ 135, quase o dobro do valor praticado por outros países latinos. A projeção é de que os preços brasileiros avancem 12,2% apenas neste ano.
A diferença também aparece em trajetos de curta distância. Segundo levantamento da DW Brasil, voar de São Paulo ao Rio de Janeiro (357 km) custa em média R$ 740, enquanto percursos semelhantes em países vizinhos são significativamente mais baratos.
Tributação pressiona ainda mais os preços
Durante a audiência, governo e setor aéreo divergiram sobre os efeitos da reforma tributária no preço dos tickets. Os cálculos apresentados indicam que a carga sobre passagens domésticas, que hoje gira em torno de 10%, pode saltar para cerca de 26,5%.
Para manter a mesma receita, as companhias teriam de repassar às tarifas um aumento médio de 23%. No caso da aviação regional, a situação é ainda mais delicada, já que a alíquota diferenciada pode chegar a 40%.
As empresas lembram ainda que, desde 2024, o setor passou a recolher imposto de renda sobre o leasing (contrato de arrendamento mercantil onde se paga pelo uso de um bem) de aeronaves, despesa que antes era isenta, e que chegará a 15% em 2027.
Para a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), essas medidas geram um descompasso entre o discurso de democratização do transporte aéreo e a realidade tributária aplicada ao setor.
“O que vemos é um descolamento entre a expectativa do poder público e da sociedade para a democratização do transporte aéreo e as políticas públicas que vêm sendo adotadas”, afirmou o gerente de Relações Institucionais, Renato Rabelo.
Segundo ele, a alíquota média sobre passagens domésticas deve saltar de 9% para 27%, o mesmo cenário que incide sobre os voos internacionais. Para a entidade, esse caminho ameaça a competitividade das empresas brasileiras e pode manter os preços domésticos entre os mais altos do continente.
Combustível concentra maiores custos
Outro gargalo destacado foi o peso do querosene de aviação (QAV). Dados apresentados pela Abear mostram que o insumo responde por 36% das despesas operacionais das companhias no Brasil, quase o dobro da média dos Estados Unidos (20%). Essa diferença ajuda a entender por que as tarifas brasileiras se mantêm entre as mais altas do continente.
Além do combustível, estão na lista de gastos significativos o arrendamento e manutenção de aeronaves (14%), pessoal (12%) e a judicialização frequente de conflitos de consumo.
Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), 57% de todos os custos do setor são dolarizados, o que torna o mercado interno ainda mais vulnerável às variações cambiais.
Malha aérea cresce, mas com limitações
A ANAC apresentou números sobre a interiorização do transporte aéreo em Pernambuco. O estado passou de 3 aeroportos atendidos em 2019 para 7 em 2025, o que mostra expansão da malha.
Apesar da ampliação de aeroportos atendidos, o volume de passageiros se manteve praticamente estável, de 884,8 mil em 2024 para 882,6 mil em 2025, indicando que a expansão da malha não se refletiu em crescimento significativo da demanda.
A ampliação de aeroportos regionais esbarra no custo elevado das operações e na dificuldade de atrair novas companhias para o Brasil.
“O combustível é um dos principais gargalos e temos dificuldades em atrair novas empresas para o país, o que limita a concorrência e a ampliação da oferta”, destacou o gerente da ANAC, Marco Antonio Lopes Porto.
O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, Vitor Hugo Amaral Ferreira, ressaltou que os passageiros ainda enfrentam problemas básicos no relacionamento com as companhias.
“O atendimento ao consumidor depende exclusivamente da empresa. Precisamos olhar para a qualidade do atendimento e boas práticas, trazendo maior transparência para o setor de transporte aéreo. É urgente proteger os consumidores”, afirmou.
Governo fala em regulação equilibrada
Representando o Ministério de Portos e Aeroportos, a secretária nacional de Aviação Civil substituta, Clarissa Costa de Barros, defendeu ajustes regulatórios que tragam eficiência ao setor sem impactar ainda mais os preços.
“A gente está buscando construir essa regulamentação da melhor forma para trazer eficiência e buscar um transporte aéreo que continue crescendo e não dê passos atrás com o aumento de preços de passagem, que podem ser um resultado nessa confluência de inovações tributárias”, disse.
Poucas propostas práticas
Apesar da mobilização de parlamentares, governo, órgãos de regulação e representantes do setor aéreo, a audiência foi marcada por explicações sobre custos e tributos, mas poucas propostas práticas para reduzir os preços ou ampliar a oferta de voos regionais.
Para os consumidores, o impasse segue sem respostas objetivas, agravado pela concentração do mercado brasileiro em apenas três companhias aéreas, o que limita a concorrência e ajuda a manter os bilhetes entre os mais caros da América do Sul.
“A gente precisa se preocupar com o fortalecimento da malha aérea e tomar as providências necessárias, apresentando uma solução ao país. As agências precisam trazer essas alternativas para fortalecer a aviação comercial no Brasil”, afirmou o deputado Eduardo da Fonte.