Estado é condenado a pagar R$ 300 mil a trabalhador que ficou cego após tiro da PM em protesto no Recife
Decisão judicial ainda determina o pagamento mensal vitalício de 2 salários mínimos para Daniel Campelo da Silva. Governo de Pernambuco pode recorrer

Clique aqui e escute a matéria
Após mais de quatro anos, a Justiça condenou o governo de Pernambuco a pagar uma indenização por danos morais, no valor de R$ 300 mil, para o adesivador Daniel Campelo da Silva, 55, que ficou cego ao ser atingido por um tiro disparado pela Polícia Militar durante protesto na área central do Recife. O Estado deve recorrer da decisão.
A violência policial aconteceu em 29 de maio de 2021, durante uma manifestação com críticas à gestão do então presidente Jair Bolsonaro em relação ao combate à covid-19. O ato estava perto do fim quando PMs entraram em confronto com o grupo que estava nas ruas.
Daniel não fazia parte do protesto. Ao passar pela Ponte Duarte Coelho, ele acabou atingido no olho esquerdo por um tiro de elastômero (bala de borracha) disparado por um policial militar. A vítima perdeu a visão.
A coluna Segurança, do Jornal do Commercio, teve acesso com exclusividade à sentença. Inicialmente, a defesa de Daniel havia pedido indenização de R$ 4 milhões. Já o Estado sugeriu o valor de R$ 150 mil.
Na decisão, publicada na terça-feira (30), o juiz Augusto Napoleão Angelim, da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital, reconheceu que houve, inclusive, omissão de socorro da Polícia Militar após Daniel ser atingido por um tiro. E decidiu que o governo deve pagar o dobro da quantia proposta.
"O valor sugerido pelo autor [defesa de Daniel] é exorbitante e, sendo assim, foge à razoabilidade e à proporcionalidade em termos jurídicos. (...) Por outro lado, o valor sugerido pelo Estado de Pernambuco, ou melhor, ofertado pelo Estado de Pernambuco, recomenda que o valor básico seja o máximo da proposta feita pela Fazenda Pública, ou seja, 150 mil reais", citou, na sentença.
"Dentre as circunstâncias do fato, considero que a omissão de socorro pela PMPE é ato extremamente grave e que justifica o valor em dobro do que o oferecido pelo ente público. Desta feita, arbitro em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), o qual tenho como justo e adequado ao caso, seja pela sua função compensatória, seja pela questão pedagógica", completou.
Além da indenização por danos morais, o Estado também foi condenado ao pagamento de pensão vitalícia, mensal, no valor de dois salários mínimos ao trabalhador.
"SÓ QUERIA TER MEU OLHO DE VOLTA"
Em entrevista à coluna, Daniel Campelo afirmou que ficou "feliz" ao receber a notícia da sentença favorável ao pagamento da indenização. Mas disse que preferia ter a visão de volta.
"Minha vida mudou completamente após aquele dia. Só queria ter meu olho de volta. Trocaria por qualquer bilhão. Estou com um dano permanente, irreversível e com muitas dificuldades. Sigo com fé em Deus e, quando receber a indenização, vou ver como vai seguir a minha vida", declarou.
O advogado Marcellus Ugiette, que representa Daniel, também comentou a sentença.
"A decisão do juiz foi sábia. Declarou a responsabilidade do Estado pela lesão permanente e grave. Além disso, manteve a decisão em tutela antecipada para o pagamento vitalício de dois salários mínimos a Daniel", avaliou.
POLICIAIS INVESTIGADOS E PUNIDOS PELA SDS
A violência sofrida pelo adesivador foi investigada pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS).
Em abril de 2022, segundo informou a SDS na época, o PM que atirou em Daniel foi identificado e indiciado por lesão corporal gravíssima (cuja pena pode chegar a oito anos de prisão) e por omissão de socorro (seis meses de detenção ou multa). O nome dele não chegou a ser divulgado.
Outros oito policiais do Batalhão de Radiopatrulha também foram indiciados por omissão de socorro à vítima.
OUTRO TRABALHADOR PERDEU A VISÃO NO MESMO PROTESTO
Daniel não foi a única vítima da violência policial. Na mesma tarde, Jonas Correia de França passava pela Ponte Princesa Isabel, no bairro da Boa Vista, quando fez uma chamada de vídeo com a esposa para explicar que iria demorar para chegar em casa por causa do protesto nas ruas. Ele havia largado do trabalho.
Ao filmar imagens da ação policial, Jonas foi atingido no olho direito. Mesmo com o socorro e tratamento, ele perdeu a visão.
O 3º sargento do Batalhão de Choque Reinaldo Belmiro Lins foi apontado como autor do tiro de elastômero e virou réu pelo crime de lesão corporal grave. Desde então, o processo tramita na Vara de Justiça Militar.
Em fevereiro de 2024, as investigações da Corregedoria da SDS resultaram em punição administrativa ao militar. O secretário Alessandro Carvalho determinou que ele fosse preso por 30 dias e aplicou mais duas punições, cada uma com 21 dias de detenção.
Jonas fechou um acordo com o Estado e recebeu indenização.