Restrição de horário em bares: prevenção à violência ignorada por 56,5% dos municípios pernambucanos
Especialistas reforçam que controle ajuda a evitar crimes de agressão e homicídio. Nos grandes eventos, como Carnaval, festas acabam às 2h da manhã

No combate à violência, ações simples de prevenção podem contribuir para salvar vidas. Segundo especialistas da área de segurança pública, uma das medidas é a restrição do horário de funcionamento dos bares e eventos. Com excesso de álcool, que diminui o autocontrole e aumenta a impulsividade, uma discussão por motivo banal pode, rapidamente, resultar em agressão e até homicídio - como tantos casos são registrados no País.
O novo levantamento do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) do panorama atual das políticas públicas em segurança pública nos municípios mostrou que 56,5% deles declararam realizar controle de horário dos bares e eventos como medida de prevenção à violência. Mas 80 das 184 cidades, incluindo o Recife, não adotaram ações nesse sentido.
Nos últimos anos, polos de grandes eventos como Carnaval e São João reduziram os horários de apresentações a pedido da Secretaria de Defesa Social do Estado, responsável pelo reforço de policiamento. Em geral, as festas precisam ser encerradas às 2h da manhã.
"Quanto mais tempo, mais álcool e mais possibilidade de problema. E não para de chegar pedido [de gestores municipais] para as festas seguirem até 4h da manhã. Se não raiar o dia, parece que a festa não foi boa. Só que isso não traz benefício nenhum. Comece mais cedo, é o que pedimos", disse o secretário estadual, Alessandro Carvalho, em reunião no TCE-PE.
Outro ponto destacado por gestor é o monitoramento que precisa ser feito pelos municípios em relação à regularização dos estabelecimentos comerciais.
"Muitos locais de vendas de drogas ou que acontecem homicídios quando vamos mapear são bares que não estão regularizados. Então é importante que se regularizem. Estatisticamente, você tem pessoas que podem se envolver desde uma simples discussão a vias de fato ou homicídio", pontuou.
Doutor em direito, mestre em direitos humanos e professor universitário, Fred Monteiro Rosa destacou que os municípios têm papel fundamental na prevenção da violência, inclusive na regulamentação do uso do espaço urbano e das atividades noturnas. Por isso, segundo ele, a restrição de horários de bares à noite precisa ser encarada com seriedade pelos gestores.
"Estudos em diversas cidades brasileiras demonstram a correlação entre consumo de álcool em bares abertos até altas horas e a ocorrência de violência letal, com a maior parte dos homicídios concentrada nos fins de semana e no horário entre 23h e 6h, perto de locais que vendiam bebidas alcoólicas para consumo imediato. Portanto a existência de leis que controlam horários de funcionamento de locais de atividade noturna impacta diretamente na redução de crimes violentos", explicou, em entrevista ao JC.
NO GRANDE RECIFE, 22 PESSOAS BALEADAS EM BARES NO PRIMEIRO SEMESTRE
O Instituto Fogo Cruzado, que estuda a violência armada, identificou que ao menos 22 pessoas foram baleadas em bares na Região Metropolitana do Recife (RMR) somente no primeiro semestre deste ano. Do total de vítimas, 14 morreram e oito ficaram feridas.
No mesmo período do ano passado, segundo os dados do instituto, oito pessoas foram atingidas por tiros nesses estabelecimentos. Seis morreram e duas ficaram feridas.
"Criar leis que restrinjam horários de funcionamento de bares e eventos não é uma forma de punir ou prejudicar a economia local. É uma estratégia de prevenção de violência. É importante dizer que a adoção de restrições de horário por si só não resolve o problema dos homicídios. Mas contribui de forma significativa para reduzi-los, principalmente quando combinada com outras políticas públicas de prevenção, policiamento comunitário, urbanismo social e ações de saúde mental", afirmou Fred Monteiro Rosa, que também é gestor da área de segurança pública da Escola do Consenso da Unicap.
Em 6 de março deste ano, o comerciante Otacílio Gomes Dias, de 61 anos, foi morto no próprio bar, localizado no Alto do Céu, município de Igarassu, na RMR. De acordo com testemunhas, a vítima foi atingida com um tiro nas costas após não deixar que dois clientes consumissem bebidas alcoólicas e saíssem do local com a promessa de pagarem a conta em outro dia.
Brigas recentes entre clientes, por motivos banais, também acabaram em tiros e muito pânico. Na madrugada de 27 de maio de 2024, um guarda municipal de 35 anos que bebia em um bar foi baleado na barriga após discussão com outro cliente. Testemunhas contaram que o atirador foi até o carro e pegou a arma de fogo, disparando no momento em que a vítima saía do estabelecimento, localizado no bairro do Cordeiro, Zona Oeste do Recife.
AÇÃO DO MPPE EM CHÃ GRANDE FOI RECONHECIDA NACIONALMENTE
Um projeto de monitoramento de bares no município de Chã Grande, Mata Sul de Pernambuco, contribuiu para a redução de crimes e virou referência nacional de prevenção à violência. A iniciativa foi do promotor de Justiça Gustavo Kershaw, que, em 2020, atuava na cidade com cerca de 21 mil habitantes.
Na época, o representante do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) identificou que muitos crimes, direta ou indiretamente, envolviam os bares e tinham relação com o consumo de álcool no município. Vinte e três estabelecimentos foram catalogados e, segundo o promotor, a maioria estava irregular.
Ele decidiu criar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Entre as regras, os proprietários precisaram seguir um horário de funcionamento determinado, sem poluição sonora e com placas educativas - informando sobre a proibição da venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos e do crime de dirigir sob efeito de álcool.
Além disso, os estabelecimentos precisaram instalar câmeras e manter as imagens preservadas por 30 dias para ajudar nas investigações. Segundo ele, com a adoção de regras tão básicas, houve redução dos crimes contra a vida nos meses seguintes à implementação do projeto.
Chamado de "Bares Monitorados, Cidade Mais Segura", o projeto foi reconhecido pelo Conselho Nacional do Ministério Público e recebeu certificado da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública (CSP), como iniciativa que destaca os esforços inovadores e eficazes para a redução da criminalidade e da violência no Brasil.
NA CAPITAL PERNAMBUCANA, OPERAÇÕES DE CONTROLE URBANO E POLUIÇÃO SONORA
A Secretaria de Ordem Pública e Segurança (Seops) da Prefeitura do Recife ressaltou que a legislação atual não prevê limitação para o horário de funcionamento de bares e restaurantes no município, mas disse que realiza fiscalização para coibir o descumprimento em relação ao ordenamento urbano e poluição sonora. As operações contam com apoio do MPPE e da Polícia Militar.
Nas últimas fiscalizações, segundo a gestão, foram vistoriados 19 estabelecimentos, sendo oito no em maio e 11 em junho.
"Na primeira operação, realizada nos bairros do Ipsep, Boa Viagem, Jardim São Paulo e Bongi, cinco estabelecimentos foram autuados, e três tiveram equipamentos apreendidos. Já na segunda (nos bairros da Madalena, Santo Amaro, Arruda, Vasco da Gama, Casa Forte e Poço da Panela) foram seis estabelecimentos autuados, quatro notificados e outros quatro tiveram equipamentos apreendidos", disse.
MUNICÍPIOS PRECISAM DE INTEGRAÇÃO NAS AÇÕES, AVALIA ESPECIALISTA
Fred Monteiro Rosa reforçou que as políticas públicas de prevenção aos crimes precisam ser colocadas em prática de forma integrada entre os municípios para se tornarem mais eficazes.
"É fundamental evitar políticas isoladas. Quando um município adota restrições e o vizinho não, há um 'efeito migração' do consumo [de álcool], com deslocamento dos problemas para áreas sem regulação. Isso evidencia a necessidade de coordenação entre municípios, estados e órgãos de segurança. A segurança pública exige planejamento integrado", disse.
"Os gestores municipais têm ferramentas poderosas para melhorar a segurança em seus territórios: o controle de horários de bares e eventos noturnos é uma delas. Em vez de enxergar essas políticas como restritivas ou impopulares, precisamos debatê-las como parte de uma estratégia séria para salvar vidas. Afinal, garantir segurança pública não é apenas combater o crime após ele acontecer — é, sobretudo, evitar que ele aconteça", complementou o estudioso.