Ação do Bope com mortes em comunidade do Recife reforça necessidade da câmera corporal
Falta de equipamento lançou dúvidas sobre abordagem que resultou no óbito de dois homens, que estariam ajoelhados e desarmados. PMs vão a júri popular

A decisão da Justiça de levar seis policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) a júri popular pelo homicídio qualificado de dois homens no Recife divide opiniões. Enquanto o inquérito policial indicou que o efetivo agiu em legítima defesa, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) disse que as vítimas estavam ajoelhadas e desarmadas no momento em que foram atingidas por tiros numa residência na comunidade do Detran, na Iputinga.
O fato é que o uso de câmeras corporais evitaria qualquer tipo de dúvida quanto à legalidade ou não da ação dos policiais do Bope, ocorrida na noite de 20 de novembro de 2023. Mas Pernambuco caminha a passos muito lentos quando se trata do assunto. Apenas o 17º Batalhão (com sede em Paulista, no Grande Recife) usa as bodycams - mas os equipamentos são obsoletos e não enviam imagens em tempo real.
Outras unidades, a exemplo do Batalhão da Polícia Rodoviária (BPRv), estão começando os testes com tecnologias mais avançadas. Apesar de o Bope ser uma das unidades especializadas com maior número de mortes decorrentes de ações no Estado, não há previsão oficial de quando o efetivo passará por treinamento e começará a usar câmeras corporais.
Na ação do Detran, uma câmera instalada em frente à residência invadida pelos policiais foi fundamental para as investigações. As imagens mostraram que os militares entraram na casa fortemente armados e que crianças e mulheres foram obrigadas a sair do local. Logo depois, os tiros foram ouvidos e os corpos de Bruno Henrique Vicente da Silva, de 28 anos, e Rhaldney Fernandes da Silva Caluete, 32, enrolados em lençóis, foram levados para a viatura policial.
Em depoimentos, os PMs alegaram que a dupla estaria armada e que teria reagido à abordagem. Já testemunhas contaram que as vítimas desarmadas e ajoelhadas no momento em que foram atingidas. Para o MPPE, os policiais ainda forjaram socorro aos homens, que já estavam mortos quando chegaram na UPA da Caxangá.
A Polícia Civil teve visão diferente. Com base em laudos periciais, afirmou que havia um indicativo de confronto na residência - por isso optou por caracterizar a ação policial como uma legítima defesa. O uso da câmera corporal, neste caso, era fundamental para encerrar qualquer dúvida.
Como autor da ação penal, prevaleceu a visão do MPPE, que denunciou os PMs à Justiça.
ESTADO AGUARDA RECURSOS FEDERAIS
Na prática, o governo Raquel Lyra não investiu recursos para aquisição de câmeras corporais - diferentemente do que fizeram estados como São Paulo. Pernambuco só deve avançar no uso das bodycams graças ao edital do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que prevê o investimento de R$ 102 milhões para ajudar estados com a tecnologia.
Além de Pernambuco, que pode chegar a receber uma média de 1,5 mil equipamentos após assinatura de convênio, foram selecionados os estados de São Paulo, Acre, Alagoas, Distrito Federal, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima.
A PMPE conta atualmente com 26 batalhões, além de unidades especializadas. São cerca de 15 mil profissionais na ativa. O número deve aumentar a partir de agosto, com a formação dos 2,4 mil novos policiais.
MILITARES AGUARDAM JÚRI EM LIBERDADE
Na última segunda-feira (16), a juíza Fernanda Moura de Carvalho, da 1ª Vara do Tribunal do Júri Capital, decidiu que os seis PMs envolvidos na ação violenta na comunidade do Detran vão a júri popular. A defesa ainda pode recorrer. Enquanto isso, aguardarão em liberdade.
Josias Andrade Silva Júnior, Rafael de Alencar Sampaio, Brunno Matteus Berto Lacerda, Carlos Alberto de Amorim Júnior, Ítalo José de Lucena Souza e Lucas de Almeida Freire Albuquerque estavam presos no Centro de Reeducação da Polícia Militar (Creed), em Abreu e Lima, desde abril do ano passado.
Medidas cautelares foram determinadas, como a proibição de que atuem nas ruas. Eles deverão permanecer em expediente administrativo, sem posse ou porte de arma de fogo. Além disso, não poderão ter contato com testemunhas e parentes de vítimas e deverão permanecer em casa no horário das 18h às 6h e nos dias de folga.