Tarifa Zero: Passagem de graça em todo o País vira estratégia política de reeleição de Lula, mas é preciso cuidado
Uso político da gratuidade das passagens pode ser a chance de o País financiar o transporte público, mas também o declínio do setor

Clique aqui e escute a matéria
O pedido do presidente Lula para que o Ministério da Fazenda avalie o custo da implantação da Tarifa Zero no transporte público de todo o País é uma notícia animadora, que sinaliza que, talvez, o Brasil venha a dar a devida importância financeira que o setor necessita. Mas é também preocupante.
Implantar programas de Tarifa Zero - integral ou parcial - exige planejamento financeiro antes de mais nada e garantias de que o crescimento da demanda de passageiros - que virá, não há dúvidas, e estudos já confirmam isso - será acompanhado pela oferta do serviço.
Caso contrário, é alto o risco de os sistemas enfrentarem ainda mais dificuldade de operação do que já enfrentam, prejudicando mais e mais o passageiro cativo, que precisa do transporte público diariamente e paga por ele. Com a imagem ainda mais comprometida, cada vez mais o usuário estará disposto a trocar o serviço pelo transporte individual - principalmente as motocicletas do Uber e 99 Moto - como vem acontecendo pelo menos desde 2022.
TARIFA ZERO CRESCE NO PAÍS - O QUE É BOM - MAS EXIGE INVESTIMENTOS
A Tarifa Zero tem crescido no Brasil depois da pandemia de Covid-19. Atualmente, mais de 8 milhões de brasileiros vivem em cidades onde a passagem é de graça, seja em todos os dias ou em dias pontuais. E já são 138 cidades com gratuidade diária do transporte, revelando um crescimento de 32% ao ano.
Um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) revelou que, até maio de 2025, um total de 154 cidades brasileiras haviam implementado a Tarifa Zero (universal ou parcial). E que, notavelmente, 73% desses programas foram iniciados há menos de cinco anos, com 113 casos concentrados entre 2021 e maio de 2025.
Esse crescimento, entretanto, ainda é restrito às cidades médias, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, que têm conseguido ver a população atendida aumentar 50% ao ano. Exatamente pelo custo da operação que precisa ser coberto pelos gestores públicos dos sistemas - prefeituras em sua maioria - e pelos investimentos na oferta do serviço quando a demanda cresce.
- Tarifa Zero: Apesar do apelo social, implantação da Tarifa Zero nas grandes cidades enfrenta obstáculos e cenário complexo
-
Tarifa Zero: Brasil a poucos passos de ter a primeira capital com ônibus gratuitos todos os dias e para toda a população
-
Crise no transporte público: subsídios públicos e Tarifa Zero aumentaram no País. Ao menos uma boa notícia
Em casos como Caucaia-CE e Assis-SP, houve diminuição da oferta (redução de 23% e 50% na frota, respectivamente) para conter o aumento de custos e manter o serviço gratuito. Caucaia, por exemplo, teve um acréscimo de 371% no número de usuários em dois anos, exigindo um aumento de 46% na sua frota. A tendência sugere que a capacidade orçamentária dos municípios em prover mais oferta é limitada.
O presidente Lula não está errado em querer estudar a possibilidade e aproveitar os ganhos políticos que - sendo implantada - a gratuidade das passagens irá proporcionar para a sua reeleição em 2026. E também é inegável que o governo federal é a esfera pública que mais pode contribuir financeiramente para a implementação de uma política que beneficia os mais pobres e ajuda a economia.
Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgado no início de 2025 constatou que a gratuidade dos ônibus provocou um aumento de 3,2% de empregos, 7,5% no número de empresas e redução de 4,2% de emissão de gases poluentes em cidades que adotaram a Tarifa Zero. O estudo comparou 57 cidades com Tarifa Zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem.
SEM INVESTIMENTOS, TARIFA ZERO NÃO AVANÇA E VIRA ESPUMA
Por outro lado, a Tarifa Zero precisa ser uma política de Estado, não de candidatos que passarão pelo Brasil, enquanto o País seguirá sua rota. E a política Tarifa Zero custa dinheiro, principalmente sistemas de capitais e grandes cidades. No dia 3/10, uma das maiores esperanças de ver a gratuidade virar lei na primeira capital brasileira foi engavetada, evidenciando como é difícil avançar na política devido ao custo.
O Projeto de Lei 60/2025, que previa a implantação da Tarifa Zero em todas as linhas de ônibus de Belo Horizonte, foi rejeitado na Câmara Municipal, com 30 votos contrários e apenas 10 favoráveis. A medida colocaria a capital mineira na vanguarda do País, como a primeira capital brasileira a garantir transporte coletivo totalmente gratuito para toda a população.
-
Crise no transporte público: subsídios públicos e Tarifa Zero aumentaram no País. Ao menos uma boa notícia
-
Tarifa Zero e Eleições 2024 no Brasil: é preciso ir além da vontade política e fazer planejamento
-
Tarifa Zero beneficia a saúde pública e o comércio local, além do transporte público, diz estudo
-
Estudo constata que Tarifa Zero aumenta, sim, o número de passageiros no transporte público
Mas, para sustentar a política, o Vale Transporte seria substituído por uma contribuição exclusiva das empresas, para todos os funcionários. O projeto institui a Taxa do Transporte Público (TTP), uma contribuição tributária para empresas com dez ou mais funcionários, com um valor médio de R$ 185 mensais por empregado. Empresas com até nove colaboradores seriam isentas, e a TTP substituiria o vale-transporte, que, por lei federal, se torna zero quando a tarifa é zero.
Os recursos da TTP seriam destinados a um Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo (FSTC), com maior transparência na gestão. Uma simulação realizada em BH projeta uma arrecadação de R$ 2 bilhões por ano com a taxa, valor que supera a receita atual em R$ 300 milhões. Assim, a prefeitura deixaria de arcar com os R$ 698 milhões de subsídio investidos atualmente.
Mas, mesmo com estudos apontando que o impacto médio na folha salarial das empresas seria de menos de 1%, e mais de 80% das empresas do município seriam beneficiadas com a redução de custos, por serem microempresas isentas, a ideia não avançou. Algo semelhante também foi tentado em Porto Alegre, entre 2019 e 2020, também sendo engavetado.
ESTUDO DE 2023 JÁ APONTA O QUE FAZER PARA FINANCIAR A TARIFA ZERO NO TRANSPORTE PÚBLICO
Em um artigo assinado na Revista Piauí, os estudiosos da mobilidade urbana Clarisse Cunha Linke, Daniel Caribé e Roberto Andrés, lembraram ao presidente Lula e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que o País já tem um estudo que aponta os caminhos para realizar o financiamento universal do transporte público em todo o País. Foi nele, inclusive, que o projeto de BH foi inspirado.
O estudo Vale-transporte: visão geral e passos possíveis para seu financiamento público foi produzido pela Fundação Rosa Luxemburgo e lançado no Congresso Nacional em 2023. E ele propõe substituir o Vale Transporte por uma contribuição exclusiva das empresas, para todos os funcionários. Micro e pequenas empresas ficariam isentas, mas seus funcionários teriam direito ao benefício.
Seria feita uma cobrança de R$ 220 por empregado por mês, sendo possível arrecadar R$ 100 bilhões por ano, quantia suficiente para financiar todo o sistema de transporte urbano brasileiro. A proposta é similar ao Versement Transport, política que existe na França há mais de cinquenta anos.
Ou seja, estudos e até valores financeiros para bancar a Tarifa Zero no Brasil já são conhecidos de todos. O que falta, e sempre faltou ao transporte público, é a decisão política de arcar integral ou parcialmente com os custos intrínsecos à operação. Afinal, como se diz com frequência no setor: transporte coletivo custa dinheiro e não existe almoço de graça. Visando ou não a reeleição.