Transporte Público: Números do setor revelam que sistemas caminham para serem usados apenas por necessidade, não por opção no País
Dados do Anuário NTU 2025 revelam uma preocupante dependência de programas sociais no País e acendem alerta sobre o futuro eficiente do transporte

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O cenário do transporte público no Brasil, embora tenha apresentado sinais de recuperação da demanda de passageiros, enfrenta a contradição de uma crescente dependência de programas sociais, levantando a preocupação de que o serviço possa se tornar exclusivo para a população de baixa renda ou para aqueles que o utilizam por pura necessidade, e não por opção.
Dados recentes do Anuário NTU 2024-2025 revelam que o aumento de 9,8% no número total de passageiros transportados e de apenas 4,7% nos passageiros equivalentes (pagantes) em 2024 está diretamente relacionado à expansão dos subsídios públicos - a Tarifa Zero integral (todos os dias) ou parcial (em dias e horários específicos) entre eles - e aos tipos diferentes de gratuidades. Não teria uma relação evidente com melhorias do serviço, seja na oferta de viagens, prioridade viária ou qualidade e conforto da frota de ônibus, por exemplo.
Essa revolução silenciosa no financiamento do setor de transporte público coletivo, com o número de municípios que subsidiam o transporte dobrando nos últimos cinco anos - passando de 120 para 241 - e 154 cidades já adotando a Tarifa Zero, comprova o impacto positivo na reconquista de passageiros, mas também acende um alerta sobre o futuro do setor.
O receio é de que o Brasil nunca consiga mudar a visão da sociedade sobre o transporte público coletivo, sempre visto como um serviço que é utilizado pelos mais pobres, que não têm opção de adquirir um carro ou motocicleta, por exemplo. E que, assim, as melhorias necessárias a transformar o serviço nunca aconteçam, deixando de atrair a parcela da população que usaria os sistemas por opção e, não, por necessidade.
Edmundo Pinheiro, presidente do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), conversou com o JC sobre esse temor durante o Seminário Nacional de Transporte Público 2025, realizado em Brasília. Numa visão otimista, mas ao mesmo tempo realista da situação do setor, Edmundo Pinheiro afirmou acreditar que as cidades exigem transporte público de qualidade e que, nos próximos cem anos, continuarão demandando ainda mais transporte público coletivo.


“Não é possível imaginar cidades onde o transporte público não tenha um papel relevante, pois as cidades não comportam que todos se desloquem por modos individuais”, afirmou. Para evitar que os sistemas de transporte público se restrinjam às gratuidades, a visão de Pinheiro se alicerça em alguns pilares fundamentais para reverter a situação. E o principal deles são os investimentos massivos e multisetoriais.
"A promoção do transporte público de qualidade tem um único caminho: o investimento. Esse investimento exige a participação de todos os níveis federativos do poder público, somado ao setor privado, em uma convergência de esforços”, alerta.
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Embora os subsídios tenham sido cruciais para a recuperação da demanda de passageiros, eles cobrem, em média, apenas 30% dos custos do sistema no Brasil, contra 50% em países europeus, evidenciando a necessidade de maior aporte e estrutura federal.
TRANSPORTE PÚBLICO NA AGENDA POLÍTICA NACIONAL
Outro argumento do presidente do Conselho da NTU, que assumiu a nova função com a missão de fortalecer a força do setor politicamente, é a inclusão do transporte público na agenda nacional como uma política pública prioritária para as cidades. “A Política Nacional de Mobilidade Urbana já prevê isso: a Constituição Federal atribui à União a prerrogativa de legislar sobre transporte, e nesse sentido, o governo federal deve ser convocado a liderar esse processo. É urgente uma política nacional com diretrizes federais e fontes permanentes de financiamento para que o modelo de subsídios se consolide de forma estruturada e garanta a qualidade do serviço”, defende.
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Outro ponto importante é o reconhecimento do transporte público como direito social essencial. “O transporte público deve ser visto como uma prioridade dentro do orçamento municipal, da mesma forma que outros serviços públicos essenciais e direitos sociais”, diz. A tendência no Brasil, segundo Pinheiro, é alcançar o patamar de países mais desenvolvidos, onde há uma promoção universal do transporte público coletivo de qualidade e quantidade.
AMPLIAÇÃO E QUALIDADE DA OFERTA DO SERVIÇO
Para que a demanda retorne e o transporte público reconquiste sua participação na mobilidade, a oferta é fundamental. Pinheiro citou Brasília como um exemplo concreto, onde uma política consistente de subsídio manteve e ampliou a oferta mesmo durante a pandemia de covid-19, permitindo um aumento da demanda de 110% do patamar pré-pandemia.
O Anuário da NTU mostrou que a estagnação nos investimentos em infraestrutura, como faixas exclusivas e corredores de BRTs, e o envelhecimento da frota (idade média de 6 anos e 5 meses) são desafios que comprometem a qualidade e a atratividade do serviço, necessitando de retomada de investimentos públicos e privados.
GOVERNANÇA E MODELOS CONTRATUAIS MODERNOS COM A VERTICALIZAÇÃO DO SERVIÇO
Para exemplificar que é possível reverter a situação do transporte público brasileiro, Edmundo Pinheiro apontou Goiânia (GO) como um "bom laboratório", destacando pilares como a governança metropolitana, a Parceria Público-Privada (com o setor privado investindo, mas com garantias e financiamento do poder público) e a verticalização do serviço.
“A verticalização, onde os operadores assumem diversas responsabilidades, desde a provisão da frota até a manutenção da infraestrutura e tecnologias, é vista como crucial para uma visão integrada do sistema. O avanço do Marco Legal do Transporte Público Coletivo, aprovado no Senado e encaminhado à Câmara Federal, onde está tramitando, promete redefinir as bases da regulação, promovendo segurança jurídica e novos modelos de contrato”, aposta o presidente do Conselho da NTU.
Apesar dos avanços legislativos, como a aprovação do Marco Legal e a isenção do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para o transporte coletivo, o setor ainda carece de uma estrutura federal permanente que o reconheça como prioridade nacional. Para Pinheiro, o momento é de inflexão, com a sociedade cada vez mais consciente de que o transporte público de qualidade e eficiente é o caminho para cidades sustentáveis que valorizam as pessoas e a qualidade de vida.
“A visão da NTU e de seu Conselho é transformar o transporte público de um serviço de "necessidade" em uma "opção" atrativa para todos os cidadãos, reafirmando seu papel estruturante no desenvolvimento urbano e na qualidade de vida”, finalizou.