Proposta de ensino domiciliar no novo PNE mobiliza especialistas em educação e reacende debate

O tema volta à pauta no momento em que o parecer do novo PNE deve ser votado na comissão especial da Câmara dos Deputados, na próxima terça-feira (9)

Por Mirella Araújo Publicado em 04/12/2025 às 13:32 | Atualizado em 04/12/2025 às 13:50

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A possível inclusão do ensino domiciliar no novo Plano Nacional de Educação (PNE) tem provocado apreensão entre entedidades, especialistas e profissionais do setor. A proposta reacendeu o debate sobre o homeschooling, prática que não é regulamentada no Brasil.

A emenda ao substitutivo do relator, que prevê a permissão para que famílias optem pela educação dos filhos em casa foi apresentada pelo deputado federal Gilberto Nascimento (PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar Evangélica. Segundo ele, o objetivo é “assegurar a liberdade das famílias para conduzir o processo formativo dos filhos, sem prejuízo do dever do Estado de acompanhar e certificar a aprendizagem”.

O tema volta à pauta no momento em que o parecer do novo PNE deve ser votado na comissão especial da Câmara dos Deputados, na próxima terça-feira (9). O Projeto de Lei 2.614/24 estabelece as metas e diretrizes para a educação brasileira na próxima década.

O relator da proposta, deputado federal Moses Rodrigues (União-CE), acolheu 48% das 4.450 emendas apresentadas — cerca de 2.136 sugestões — ao texto original e substitutivos anteriores. As demais, 52%, foram rejeitadas, embora parlamentares ainda tentem reinserir trechos não aprovados, entre eles o que trata do ensino domiciliar.

O homeschooling não é reconhecido como modalidade oficial de ensino no país. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a prática só poderia ser instituída por meio de lei federal.

No Congresso Nacional, há duas propostas em tramitação: a primeira é o PL 3.262/2019, que modifica o Código Penal para deixar claro que a prática não configura abandono intelectual, e está pronta votação no plenário da Câmara. A segunda, o PL 1.338/2022 (originado no PL 3.179/2012), que prevê a oferta domiciliar da educação básica, desde que os pais cumpram alguns pré-requisitos, está no Senado aguardando votação.

Impactos sociais devem ser considerados

Especialistas em educação afirmam que a tentativa de incluir o homeschooling no PNE ocorre sem amplo debate público e desconsidera evidências sobre seus impactos sociais e na proteção infantil. A Fundação Maria Cecília Souto Vidigal destaca que a escola é, hoje, o principal espaço de segurança para crianças — onde casos de abuso, negligência e violência costumam ser identificados e denunciados.

Ao afastar estudantes desse ambiente, avaliam especialistas, aumenta o risco de que situações graves se tornem invisíveis, deixando milhares de crianças fora do alcance das redes de proteção. Além disso, a mudança pode abrir brechas em um sistema já marcado por desigualdades, evasão e fragilidades no acompanhamento social, ampliando vulnerabilidades em vez de reduzi-las.

"Nos preocupa porque o homeschooling não tem regulamentação no Brasil. Nós temos alguns PLs tramitando no Congresso Nacional, mas não temos nenhuma normativa aprovada nesse sentido. Então, nos parece que não é o melhor local para inserir ou discutir o homeschooling no Plano Nacional de Educação", explica Beatriz Abuchaim, gerente de políticas públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em entrevista à coluna Enem e Educação.

"O PNE é um planejamento de ações, com diretrizes e metas, para nós implementarmos na educação o que já está posto na nossa legislação. Nesse sentido, esse grupo de parlamentares enxerga essa oportunidade de colocar essa pauta, mas ela não parece adequada nesse contexto do PNE", pontuou.

A proposta do ensino domiciliar ganhou força durante o governo Bolsonaro e segue sendo defendida principalmente por parlamentares hoje alinhados à oposição ao governo federal. Há uma preocupação de que a pauta possa ser utilizada como instrumento político, desviando o foco do objetivo central do PNE, que é  a formulação de metas educacionais de longo prazo.

"A discussão anterior é se o ensino domiciliar é uma alternativa ou não para a garantia do acesso a educação. E o nosso posicionamento, da Fundação Maria Cecília e de outras organização, é de que essa não seria uma alternativa viável para o nosso país", destaca a gerente de políticas públicas da Fundação.

A presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, também considerou inoportuna a forma como o tema foi introduzido, já que, segundo ela, em nenhuma das audiências ou reuniões sobre o novo PNE o ensino domiciliar havia sido discutido ou colocado em votação.

“Se esse é um tema considerado importante por esses deputados, deveriam seguir o rito do Congresso e não inserir a pauta em um plano de metas. O PNE não é como a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação]; ele não regulamenta a educação nem cria novas modalidades”, afirmou Cruz, em declaração publicada pela Folha de S.Paulo.

Direitos educacionais

Nesse ponto é preciso analisar p quanto o homeschooling pode abalar os direitos educacionais, vindo a contribuir com as desigualdades já existentes, já que não há como garantir que essa educação recebia em casa terá a mesma qualidade que se tem na escola - que é um ambiente planejado para isso e com profissionais formados e capacitados. 

"Por outro lado, é uma ameaça ao direto a educação porque cria uma cultura de que as crianças não necessariamente tem que estar na escola e de que não é mais crime de abandono intelectual mandar as crianças para a escola", pontua Beatriz. 

Vale destacar também que a escola não se restringe a um ambiente de aprendizagem, mas é um espaço de promoção de outros direitos, como saúde e assistência social.

"A criança que fica fora da escola, ela acaba ficando invisível perante o Estado, que não consegue proteger essa criança como deveria. A gente entende o direito das famílias de quererem fazer essa escolha pelo ensino domiciliar ou na escola, mas esse 'cobertor do direito' acaba ficando curto e gerando uma desproteção social", afirmou Beatriz Abuchaim.

Por fim, existe uma consicência de que as redes de educação estaduais e municipais não possuem, hoje, condições estruturais para acompanhar essas crianças e fiscalizar o modelo, garantindo que a aprendizagem ocorra de forma adequada.

Segundo informações publicadas pelo jornal O Globo, nessa quinta-feira, membros da comissão especial do novo PNE estão costurando um acordo, nos batidores, para que a proposta do homeschooling seja derrubada.

  

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Discussão do parecer do relator, deputado Moses Rodrigues, na comissão especial do PNE - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Marco para o país

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendeu que a aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE – PL 2614/24)  será um marco para o país nos próximos dez anos.

Durante almoço do Dia da Educação 2025, promovido pela Frente Parlamentar Mista da Educação nessa quarta-feira (3), Motta destacou que o plano foi construído considerando as diferentes realidades brasileiras e que as metas precisam ser exequíveis.

“As últimas versões acabaram não se concretizando, porque há uma ideia de padronização no ensino e, quando não temos condições de igualdade de partida, não há como padronizar. Que as metas sejam estabelecidas em cima daquilo que possa ser cumprido”, disse Hugo Motta. As informações são da  Agência Câmara de Notícias.

Pontos apresentados pelo relator

Conforme o parecer do relator, deputado Moses Rodrigues, o novo PNE estabelece metas escalonadas ao longo de sua vigência.

Até o segundo ano, deverá ser universalizada a pré-escola para crianças de 4 e 5 anos e, ainda nesse período, 50% das escolas públicas deverão estar conectadas à internet de alta velocidade com redes wi-fi. No terceiro ano, a meta é universalizar o acesso à escola para toda a população de 6 a 17 anos, além de garantir condições mínimas de infraestrutura e salubridade em todas as unidades escolares, incluindo também melhorias nas instituições de ensino superior.

No quinto ano, 80% das crianças deverão estar alfabetizadas ao final do 2º ano do ensino fundamental e 97% da população com 15 anos ou mais deverá ser alfabetizada.

O PNE também prevê que, nesse mesmo período, 50% das escolas ofertem matrículas em tempo integral, atendendo ao menos 35% dos estudantes da educação básica; que 75% das unidades públicas estejam conectadas à internet de alta velocidade; e que 60% das redes de ensino desenvolvam e implementem planos de adaptação às mudanças climáticas.

Outra meta é reduzir a contratação temporária, permitindo que no máximo 30% dos profissionais do magistério atuem sem cargo efetivo.

No sétimo ano de vigência, o objetivo é ampliar o investimento público em educação para o equivalente a 7,5% do PIB. Até o fim do décimo ano, o plano prevê que 85% dos alunos alcancem nível adequado de aprendizagem ao término do ensino fundamental e 80% ao término do ensino médio. A meta final é elevar o investimento público total em educação para 10% do PIB. 


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