Dia do Professor: Entre desafios e conquistas, o ato de ‘esperançar’ na educação
As histórias de quem faz da sala de aula um espaço de transformação, resistindo às incertezas e mantendo viva a esperança na educação

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Há algo silencioso e contínuo no gesto de ensinar. Entre cadernos, vozes, ruídos de pátio e quadros cheios de anotações, o tempo passa diferente para quem vive da educação.
Ser professor, no Brasil, é atravessar épocas e governos, mudanças de currículo e de humor social, e ainda assim permanecer. É uma profissão que insiste em acreditar que o conhecimento é um ponto de encontro possível entre as diferenças.
Neste 15 de outubro, o Dia do Professor não é apenas uma data simbólica. É um convite a olhar para as histórias daqueles que revelam o que há de mais humano na educação: o tempo, a escuta e a persistência de quem ensina, mesmo quando tudo parece desestimular o aprendizado.
Educação em números
De acordo com o Censo Escolar 2024, o país conta com mais de 2,2 milhões de professores atuando na educação básica. Desse total, 80% são mulheres, e mais da metade trabalha em escolas públicas.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que 35% dos docentes acumulam vínculos em mais de uma instituição, refletindo a sobrecarga da categoria.
Na formação, o cenário ainda enfrenta lacunas: apenas 68% dos professores do ensino médio possuem licenciatura na área em que lecionam, e a procura por cursos de licenciatura caiu cerca de 20% na última década, segundo o Ministério da Educação.
Mesmo assim, a docência segue entre as profissões mais citadas quando se fala em impacto social, um sinal de que, apesar das adversidades, há um desejo de transformar através da educação.
Histórias que ensinam
Lídia Cavalcanti nasceu em Buíque, no Sertão de Pernambuco, e foi adotada aos cinco anos de idade. Na época, apresentava um quadro de desnutrição severa e nunca havia frequentado uma escola. Quando chegou ao Recife, conheceu a alfabetização e a leitura, que mudaram o rumo da sua vida.
“Eu gostava de aprender, eu gostava de ler. Na minha família adotiva, as pessoas gostavam de ler também. Então, eu via minha mãe lendo jornal. Meus irmãos tinham coleções de revistas da Marvel, minha mãe tinha coleção de revistas da Turma da Mônica. Eu tinha acesso a conteúdos de leitura e eu gostava.”
Mesmo estudando em escola pública e enfrentando desafios na aprendizagem, tentou o vestibular algumas vezes até conseguir entrar na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no curso de Pedagogia. “Eu aprendi que eu tinha que correr atrás, que nada cai do céu e que, se a gente quer uma coisa, precisa lutar por ela.”
Hoje, aos 47 anos, Lídia é concursada e gestora da Escola Municipal de São José, no Centro do Recife, e continua acreditando que a docência é uma das formas mais concretas de mudar vidas. Além disso, ela alerta que é fundamental fomentar o cuidado aos estudantes para que o ensino seja de fato efetivo.
“O maior empecilho para a aprendizagem de um estudante é a questão afetiva e a sua questão emocional. Se não estiver bem estruturada, se ele não tiver o aparato de acolhimento da família ou de acolhimento da escola, realmente haverá um bloqueio que impediria ele de alcançar qualquer nível de aprendizado.”
Para Thiago Gabriel dos Santos, de 22 anos, a trajetória também começou na escola pública. Morador de um bairro periférico de Jaboatão dos Guararapes, ele encontrou nos próprios professores a inspiração para se tornar também um professor.
“Eu venho de um bairro periférico, onde por vezes a gente não consegue sonhar amplamente. Quando eu cheguei na escola pública, os professores abriram esse meu olhar para a educação. Eles me mostraram que eu consigo, que eu sou capaz.”
Aprovado no concurso antes mesmo de se formar, hoje ele é professor concursado em São Lourenço da Mata e conta que, apesar de todos os desafios, ainda é muito recompensador estar com seus alunos.
Um professor acreditou em mim, uma professora acreditou em mim, por isso que eu também criei esse desejo de acreditar em outras pessoas.Thiago dos Santos
Entre experiências que perpassam o tempo, a diretora do Centro de Educação (CE) da UFPE, Ana Lúcia Félix, vê o mesmo propósito.
Licenciada em Educação Física, com mestrado e doutorado em Educação, ela atuou por 15 anos na educação básica antes de ingressar na universidade.
“O professor tem um papel muito forte na sociedade atual, especialmente na formação das crianças e dos jovens, de forma a buscar trazer para as comunidades mais carentes uma formação forte que faça crescer com espírito crítico e conhecendo bastante a sociedade.”
Para ela, o fortalecimento da profissão passa pela valorização institucional. “As escolas precisam ter estruturas adequadas para receber seus professores, para que eles possam ter mais condições de oferecer um ensino de qualidade para seus jovens e para suas crianças. Não basta só o salário. É preciso também boas escolas, bons materiais didáticos e os pais presentes.”
E resume que, talvez, o bom professor seja aquele que encontra alegria no ensinar. “Quando a gente vai para o nosso campo de trabalho com alegria, com felicidade, com desejo de transformar aquele espaço, a gente se torna um bom professor.”
Os desafios de ensinar em tempos de incerteza
Ser professor no Brasil é exercer o ofício com a resistência como rotina. As dificuldades vão da estrutura precária das escolas à sobrecarga emocional de quem precisa ser educador, conselheiro e muitas vezes apoio afetivo dos alunos.
Segundo levantamento da Central dos Sindicatos Brasileiros, um em cada três professores brasileiros (33%) está insatisfeito com a profissão, principalmente por causa da falta de infraestrutura nas escolas e da sobrecarga de trabalho.
“A saúde mental é o calo do professorado atualmente. Há uma série de transtornos de ansiedade sendo desenvolvidos em toda a classe profissional, na sala de aula não é diferente, até maior”, diz Lídia.
Thiago vive essa realidade logo no início da carreira. “Eu venho passando por diversas dificuldades desde que assumi o concurso. A luta do professor não para.”
Mesmo diante dos obstáculos, ele afirma que a sala de aula ainda é um espaço de sentido. “Tem sido uma experiência transformadora. Tem sido uma experiência tocante para mim e para as crianças.”
Já para Ana Lúcia, o país precisa ir além do discurso. “É preciso políticas públicas que garantam estrutura adequada e valorização salarial. O professor precisa ser reconhecido como peça central da sociedade”, conta
Educação inclusiva é entender o outro como ele é
Não dá para falar em educação sem falar em inclusão. Nas escolas por todo o país, o ato de ensinar vai além do conteúdo. Envolve escuta, adaptação e sensibilidade para enxergar cada aluno em sua singularidade.
É nesse campo que a professora Ediana Rodrigues, de 56 anos, construiu quase quatro décadas de carreira, hoje atuando na Escola Municipal Professor Aderbal Jurema, em Ipojuca.
“Desde pequena eu dizia que queria ser professora. Eu não sabia professora de quê, eu não sabia que caminho seguir, mas eu queria ser professora”, lembra.
Ensinar na zona rural, para ela, foi uma das experiências que mais marcaram sua carreira. O difícil acesso, as chuvas que impediam o caminho e a solidão entre os canaviais faziam parte da rotina.
“Era uma rotina muito cansativa, desgastante. Eu tinha muito medo porque eu andava no meio daquele canavial sozinha”, conta. Mesmo assim, ela continuou. “Era uma rotina de conquista, de conquistar tanto para a criança, como para a família e para mim.”
Ao longo dos anos, Ediana encontrou, na educação inclusiva, um espaço onde ensinar e aprender se misturam, revelando lições que vão além da sala de aula.
“Trabalhar com crianças cegas, com estudantes cegos ou com baixa visão é um desafio muito grande, mas de uma riqueza muito grande igualmente. A pessoa com baixa visão ou cega é rica em sensações e em possibilidades de compreender o mundo de forma diferente de como nós enxergamos.”
A experiência fez Ediana compreender que o ensino só acontece quando o professor entende o aluno como sujeito único.
“O que eu aprendi sobre ensino é que cada turma, cada estudante, cada momento requer conhecer o aluno e sua família. Para, só assim, poder construir aquele plano inclusivo e específico para ele. Ele precisa ser visto.”
Depois de tantos anos, o que a mantém na escola é o mesmo sentimento que a levou a começar. “Eu gosto de escola, eu gosto de gente, eu gosto de pessoas. Então, é isso que ainda me motiva depois de tantos anos.”
A esperança que permanece
Em meio às incertezas, o que persiste é a crença de que a educação ainda é um caminho possível. Nas histórias de quem ensina, a esperança aparece como verbo e como escolha diária, um sentimento que une vozes como as de Lídia, Thiago, Ana Lúcia e Ediana.
Lídia aprendeu com o tempo que o verdadeiro sentido da docência está em reconhecer-se no próprio ofício, e Ediana, que fez da inclusão uma forma de permanência, reforça a mesma certeza: “Ser professor é ser movido a desafios. Encare-os, porque vocês são capazes. É um eterno aprendizado.”
No fim, todas essas histórias se encontram na vontade de transformar. A sala de aula continua sendo o espaço onde o país tenta se refazer todos os dias.
Ensinar, afinal, é permanecer e 'esperançar', mesmo quando o mundo parece esquecer a importância de quem o faz aprender.
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Um professor acreditou em mim, uma professora acreditou em mim, por isso que eu também criei esse desejo de acreditar em outras pessoas.<br><br>
Thiago dos Santos