Desempenho em Matemática no Brasil: desafios e soluções debatidos na Jeduca
Especialistas debateram sobre estratégias para melhorar a aprendizagem de Matemática, como políticas públicas, formação docente e revisão curricular
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O baixo desempenho dos estudantes brasileiros em Matemática, apontado por avaliações internacionais, segue como um dos principais desafios da educação no país. Mais do que notas baixas, os resultados revelam consequências para a vida escolar das crianças e para o desenvolvimento de competências como a análise crítica de dados e informações.
O tema esteve em debate no 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação dos Jornalistas de Educação (Jeduca) em São Paulo, na última segunda-feira (25). Durante o evento, especialistas discutiram caminhos para melhorar a aprendizagem da disciplina, incluindo políticas públicas, formação de professores e revisão curricular.
No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2022, o Brasil obteve 379 pontos em Matemática, abaixo de Chile (412), Uruguai (409) e Peru (391). Além disso, 73% dos estudantes brasileiros ficaram abaixo do nível 2 de proficiência, considerado pela OCDE o mínimo necessário para exercer plenamente a cidadania. Nos países membros da organização, a média é de 31%. Apenas 1% dos alunos brasileiros atingiu alto desempenho (nível 5 ou superior).
Na primeira participação do Brasil no Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (Timss) 2023, divulgado em dezembro do ano passado pelo Inep, o desempenho voltou a ficar bem abaixo das médias globais. No 4º ano do ensino fundamental, os estudantes alcançaram 400 pontos em Matemática e 425 em Ciências, contra 503 e 494 pontos da média internacional. No 8º ano, os resultados foram de 378 pontos em Matemática e 420 em Ciências, enquanto a média mundial foi de 478 pontos em ambas as áreas.
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Os números revelam que os desafios em Matemática não se limitam às avaliações: é fundamental adotar estratégias pedagógicas eficazes e políticas consistentes para fortalecer a aprendizagem.
Para Kátia Smole, do Instituto Reúna e CEESP, já há avanços importantes a partir dos estudos de neurociência, tanto do ponto de vista epistemológico quanto didático, que mostram como o cérebro aprende e como o professor ensina dentro de um ambiente que possa ser estimulante para a aprendizagem da Matemática.
"Não há quem nasça para Matemática ou que não nasça para Matemática. Eu penso que três coisas precisam acontecer para isso chegar às escolas", afirmou Kátia. O primeiro ponto, segundo ela, é a necessidade de uma política estruturada. "Não podemos deixar unicamente para os professores a tarefa de fazer isso. A Matemática precisa ser uma política pública, uma responsabilidade de todos, e não só dos docentes", enfatizou.
O segundo ponto, destaca, é a formação dos professores. "Ela é inegociável. Fui formada em uma universidade de Matemática onde não se discutiu sobre o ensino da disciplina. Discute-se Matemática, mas não como o aluno aprende, como avaliar, ou como articular o currículo com os diferentes aspectos da aprendizagem", afirmou a diretora do Instituto Reúna.
Por fim, Kátia enfatiza a importância do conhecimento pedagógico do conteúdo. "Estudos mostram que, para conseguir levar isso à sala de aula, é preciso ser um professor que saiba o que ensinar, como ensinar e quem é o estudante que está aprendendo. Então, acho que caminhos existem — o que precisamos é fazer acontecer", completou.
No dia 13 de agosto, o Ministério da Educação (MEC) participou de audiência pública da Comissão Especial do Plano Nacional de Educação (2024-2034) para discutir a aprendizagem de Matemática, destacando governança, pactuação de metas e diagnóstico estadual da disciplina. Um relatório consolidado de escuta nacional com professores será apresentado durante o 8º Simpósio Nacional da Formação do Professor de Matemática, em setembro, na UnB.
Professor usa robótica e sustentabilidade para ensinar Matemática no campo
Embora os alunos nem sempre tenham boa relação com a Matemática, no dia a dia, os professores já desenvolvem estratégias práticas para engajar crianças e adolescentes.
Um exemplo é o professor de escola pública Antônio de Souza Silva, que atua em uma escola da zona rural de Bacabal (MA) e encontrou na robótica uma forma de transformar essa percepção. Na comunidade, muitas famílias dependem da pesca e da agricultura como principal fonte de renda.
"O projeto 'Robótica com Materiais Recicláveis e Tecnológicos no Campo da Matemática' surgiu porque observei que os alunos do sexto ano enfrentavam dificuldades na disciplina. Precisávamos motivá-los, resgatando o interesse por aprender uma Matemática mais participativa, dinâmica e criativa", explicou o docente.
A iniciativa surgiu a partir de uma demanda dos próprios estudantes. Um dos desafios foi a falta de recursos e estrutura: na época, a escola passava por reforma e as aulas eram realizadas em casas cedidas pela prefeitura. "Outro desafio foi trazer os alunos para o contraturno, pois muitos ajudavam os pais e não conseguiam participar. Mas fomos superando essas dificuldades: primeiro busquei me qualificar, depois trouxe o curso de robótica para a escola", contou.
Como os recursos eram limitados, um dos eixos do projeto foi a sustentabilidade. No contraturno e com apoio de toda comunidade, os estudantes coletavam materiais recicláveis — como lixo eletrônico e papelão — para criar carros de papelão motorizados e robôs movidos a pilha, aplicando conceitos de geometria, como cálculo de áreas, perímetros, diâmetro da circunferência e volume das peças. Com esse projeto, os alunos apresentaram melhoras significativas nas avaliações da disciplina.
Participação em olimpíadas estimula interesse e confiança em Matemática
Dentro de todo esse contexto, a participação em competições como a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) surge como uma ferramenta importante para fortalecer a confiança e a crença dos estudantes em suas próprias capacidades.
A multimedalhista Ingrid Silva Carvalho, do município de Vitória da Conquista, na Bahia, conheceu a OBMEP quando estava no sexto ano do ensino fundamental. Ela contou que ficou animada em participar da olimpíada, mesmo sabendo que se tratava de uma Matemática mais desafiadora. Até então, Ingrid costumava tirar boas notas na disciplina e destacou que a influência de sua mãe, professora de Matemática, foi determinante para gostar das atividades.
"Consegui minha primeira medalha de ouro e não sabia que isso poderia abrir tantas portas, porque a OBMEP promove o Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC), que oferece aulas para estudantes medalhistas e uma bolsa de auxílio financeiro, incentivando a continuidade dos estudos em Matemática. Depois, passei a participar de olimpíadas de outras disciplinas; tudo que envolve um pouco de Matemática eu conseguia fazer", contou Ingrid, que hoje estuda no IMPA Tech, a primeira faculdade de graduação do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).
Quando a Matemática escolar parece distante da vida real
Durante o painel “Os Impactos no Brasil do baixo desempenho em Matemática”, mediado por Renata Cafardo, repórter especial do Estadão e presidente da Jeduca, um dos questionamentos que chamou atenção foi sobre a aplicabilidade prática do que se aprende em Matemática.
Questionada se já havia aprendido algo em Matemática que não usa hoje, Ingrid Silva disse que essa é uma pergunta comum entre seus colegas. "Na escola, eles diziam: 'ah, eu não vou usar a fórmula de Bhaskara'. Mas eu acho importante estudarmos esse tipo de coisa, mais pelo raciocínio lógico. Hoje em dia, as pessoas querem tudo muito rápido. Nas redes sociais, você adquire um conhecimento e já quer aplicá-lo na hora. Mas muitas tecnologias que usamos dependem de conceitos matemáticos, inclusive da fórmula de Bhaskara", explicou a estudante.
A discussão seguiu para possíveis mudanças nas diretrizes de Matemática. Kátia Smole reforçou que, quando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi aprovada em 2018, já havia uma perspectiva de revisão. Ela destacou que, no Conselho Nacional de Educação (CNE), o primeiro passo é analisar a formação dos professores que ensinam a disciplina.
"Todo currículo precisa ser revisado. Os países fazem revisões parciais ou totais, e isso é parte do processo. Revisão de currículo se faz com ciência, e não apenas com a ideia de que há muita ou pouca habilidade", afirmou.
Se os estudantes estudassem apenas o que se aplica imediatamente na vida cotidiana, bastaria aprender até o sexto ano, equivalente à matemática egípcia. No entanto, conceitos mais abstratos da álgebra, ensinados a partir do 7º ano e intensificados no ensino médio, são essenciais para estimular conexões cerebrais poderosas.
Muitas disciplinas relacionadas a dados podem não responder a perguntas imediatas, mas desenvolvem formas de pensamento altamente significativas, influenciando inclusive nas tomadas de decisões.
Ainda assim, a matemática tem se tornado um fator de exclusão. "Pesquisas mostram que uma pessoa com conhecimento em matemática pode ganhar de 30% a 40% a mais. E apenas 5% dos estudantes concluem o ensino médio com bom desempenho. Se isso não é exclusão, não sei o que é", afirmou a diretora do Instituto Reúna.
O 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação aconteceu nos dias 25 e 26 de agosto, no Teatro FECAP. A programação abordou os desafios do ensino superior, a alfabetização dos estudantes brasileiros, a atuação do jornalismo nas redes sociais e a crise climática no contexto da COP30.
*A titular da coluna Enem e Educação viajou a convite da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)