Interrupções das aulas aumentam por conta da violência, mostra Anuário da Segurança Pública

Em 2023, 1,9% das escolas de Pernambuco interromperam o calendário por causa da violência, com 57 unidades afetadas; em 2021, apenas 9 pararam

Por Mirella Araújo Publicado em 24/07/2025 às 17:03 | Atualizado em 24/07/2025 às 18:58

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Entre 2021 e 2023, o número de escolas com interrupções no calendário letivo por conta da violência aumentou 245,6%, de acordo com a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quinta-feira (24) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O levantamento tem como base dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), coletados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Em 2023, 3,6% das escolas brasileiras (2.182) cujos diretores responderam ao questionário relataram que houve paralisações por episódios de violência ao longo de vários dias, enquanto 99% (63.975) disseram não ter ocorrido nenhuma suspensão por esse motivo.

Em 2021, esse percentual era de 1% (669) entre as que tiveram as atividades paralisadas em decorrência de algum tipo de violência e 96,4% (58.823), disseram que não houve interrupção.

Segundo o Anuário, a escalada de ameaças e tentativas de ataques de violência extrema ocorridos em 2023 contribuiu de forma significativa para esse aumento. Uma pesquisa realizada no mesmo ano pelo Inep e pelo FBSP estimou que 12,6% das escolas brasileiras relataram ter sido alvo de ameaça ou tentativa de ataque nos 12 meses anteriores à coleta dos dados.

“Em outras palavras, a cada oito escolas do país, uma conviveu com a iminência de uma violência de grande repercussão, ainda que não consumada”, afirma Cauê Martins, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em sua análise dos cenários estatísticos apresentados no documento.

Tipos de violência apontados pelo documento

O levantamento aponta os tipos de violência mais recorrentes no ambiente escolar, segundo a percepção dos gestores que responderam ao "Questionário do Diretor" do Saeb.

Entre os episódios relatados estão atentados contra a vida, lesões corporais, roubos e furtos, tráfico de drogas, assédio sexual, discriminação e bullying.

“De acordo com o Saeb 2023, aproximadamente duas em cada três escolas brasileiras relataram ter vivenciado episódios de bullying ao longo do ano letivo. Em 2021, esse percentual era de 44%. Ainda que parte desse crescimento se deva à retomada plena das aulas presenciais após a pandemia, a mudança de 23,6 pontos percentuais na proporção de escolas que afirmam nunca ter registrado bullying (de 56% em 2021 para 32,5% em 2023) sugere também um avanço institucional na identificação do fenômeno, que pode estar associado ao crescimento da mobilização nacional em torno do tema”, destaca o doutor Cauê Diniz.

O monitoramento incluiu ainda registros de invasões, depredação do patrimônio escolar, tiroteios e balas perdidas nas proximidades das escolas. Todos os dados podem ser acessados no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Percepção dos gestores em Pernambuco

Em Pernambuco, 1,9% das escolas reportaram, em 2023, a interrupção do calendário letivo devido a episódios de violência. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, 57 escolas no estado precisaram suspender suas atividades por esse motivo — um crescimento significativo em relação a 2021, quando apenas nove unidades registraram paralisações semelhantes.

A percepção sobre episódios de atentados contra a vida também apresentou mudanças. Em 2021, 97,1% dos gestores (2.843) afirmaram nunca ter presenciado esse tipo de violência. Em 2023, esse percentual caiu para 95,8% (2.827).

Já os que relataram ter testemunhado esse tipo de ocorrência algumas vezes passaram de 2,7% (80) para 4% (119). Os casos considerados recorrentes permaneceram estáveis: quatro diretores relataram essa vivência entre os dois anos.

No caso de lesão corporal, houve uma piora mais acentuada na percepção. Em 2021, 95,2% dos gestores (2.790) disseram nunca ter presenciado esse tipo de violência. Em 2023, esse número caiu para 81,4% (2.396).

A proporção dos que afirmaram ter presenciado lesões corporais poucas vezes subiu de 4,6% (136) para 17,9% (527). Já os que relataram episódios frequentes passaram de 0,1% (4) para 0,7% (21). Esses dados indicam um aumento da presença da violência física no cotidiano escolar ou, pelo menos, um entendimento mais nítido e recorrente desses casos por parte dos gestores.

Na avaliação sobre os casos de bullying (entendido como ameaças ou ofensas verbais) também houve um aumento na identificação nesse período.

Em 2021, 57,1% dos diretores (1.669) disseram nunca ter presenciado esse tipo de ocorrência, enquanto 41,3% (1.208) relataram ter visto poucas vezes e 1,6% (46) com frequência. Já em 2023, apenas 34,4% afirmaram nunca ter presenciado bullying, ao passo que a maioria — 55,8% — disse ter visto esses episódios algumas vezes. O grupo que relatou presença frequente de bullying saltou para 9,2%, e 0,5% (16 diretores) disseram ver esse tipo de violência com regularidade.

Também houve alterações na percepção das condições de segurança na entrada e saída da escola. Em 2021, 8,7% dos gestores avaliaram a infraestrutura como muito adequada, 63,6% como adequada, 22,6% como inadequada e 5,1% como muito inadequada. Em 2023, esses percentuais mudaram para 10,4% (muito adequada), 59,0% (adequada), 24,9% (inadequada) e 5,7% (muito inadequada).

Políticas de paz nas escolas

Em uma análise do cenário nacional, os ataques de violência extrema às escolas brasileiras, que se intensificaram entre 2022 e 2023, tornaram urgentes as respostas públicas para o enfrentamento do problema.

Nesse contexto, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública destaca a criação do Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE), que tem como objetivo induzir políticas de monitoramento e fortalecer a articulação entre os entes federativos.

No âmbito estadual, um levantamento do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), divulgado pela coluna Segurança, do JC em 11 de julho, aponta que apenas seis dos 184 municípios pernambucanos inseriram a prevenção à violência no currículo escolar.

Esse dado acende um alerta sobre a ausência de ações estruturadas nas redes municipais. Em resposta, o Governo do Estado e as prefeituras têm destacado iniciativas voltadas à cultura de paz, como formações, projetos pedagógicos e atuação de equipes multidisciplinares.

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