De sonhos despretensiosos às telas do cinema: a magia de Vitor Martins na literatura brasileira
O autor une obras que mudam a forma de se enxergar e traz descobertas em um mundo que, muitas vezes, parece não pertencer à vida LGBTQIAP+

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Às vezes, a maior forma de colocar no mundo o que se está pensando é através da escrita. Muitas pessoas têm a literatura como forma de se expressar, de se entender e de se aperfeiçoar. As histórias nascem de um lugar íntimo, que não é acessado com tanta facilidade, em alguns casos, até guardados às sete chaves. Trazer vivências à literatura é uma das maiores maneiras de se mostrar no mundo e perder a vergonha de algo que nunca deveria ser considerado vergonhoso.
É nesse contexto que narrativas LGBTQIAP+ estão ganhando cada vez mais espaço dentro do mundo literário brasileiro. Elas surgem como meios de comunicação entre o pessoal e o coletivo. Dessa forma, aquela pessoa que nunca conseguiu se identificar em nenhum livro que leu, independente do gênero que fosse, se vê em um mundo que talvez não tivesse acostumada em imaginar: a própria realidade.
Vitor Martins é um dos autores que fazem parte dessa leva de escritas de romances queer, trazendo protagonismo e representatividade àqueles que estavam acostumados a serem escritos como coadjuvantes, ou nem sair dos bastidores. Pertencimento é a palavra-chave e também é o maior sentimento transmitido por meio dos livros.
O calor do pertencimento será ainda mais aflorado na Bienal do Livro de Pernambuco de 2025, palco perfeito para celebrar a conexão entre autor e leitor. Para Vitor, participar do evento é a oportunidade de apresentar os livros a um público diverso, trocar experiências e perceber de perto como as narrativas podem trazer força, relevância e representatividade aos que leem.
"Eu acho que o que mais me empolga é o fato de ser a minha primeira vez em Pernambuco. Ao longo desses meus oito, quase nove anos de carreira, eu tive a oportunidade e o privilégio de conhecer muitas cidades do Brasil, de me conectar com leitores diferentes e de ouvir como eles recebem as minhas histórias. Mas essa vai ser a minha primeira vez em Pernambuco", começa Vitor Martins.
Para ele, a emoção se torna ainda maior por se tratar de um evento que vai muito além de sessões de autógrafos ou lançamentos. É para sentir a energia da cidade, se conectar com novas pessoas e tornar a experiência ainda mais legal.
"Toda vez que eu vou a um lugar pela primeira vez, é sempre muito especial, porque dá aquele friozinho na barriga, tipo: 'Ai, como será que os leitores de lá vão receber? Como vai ser a experiência?'. Tem também a alegria de viajar para um lugar novo. Então junta tudo: conhecer uma nova cidade, encontrar novos leitores e descobrir o que os leitores de Pernambuco vão tirar das minhas histórias e como vão se relacionar com os meus livros. E, além disso, ser em uma Bienal é ainda mais especial, porque é uma proposta diferente de um evento em livraria. Estar numa Bienal nova para mim vai ser muito legal. Tô doido para conhecer tudo", diz.
Com uma piadinha pessoal de achar divertido todos os títulos dos livros possuírem números, Vitor é autor de "Quinze dias", "Um milhão de finais felizes", "Se a casa 8 falasse" e "Mais ou menos 9 horas", mas o quinto título está perto de ganhar forma. Ele se prepara para mais um marco na carreira e ,segundo spoilers, o estado será o primeiro a ter o livro "Os 3 desejos de Eugênio" em mãos.
"Estou muito animado para falar do meu livro novo. Pernambuco vai ser o primeiro estado a receber o livro, antes de todo mundo. Por questões de logística, o lançamento acabou sendo adiado para o dia 10, mas quando eu vi que ia para Pernambuco no dia 5, falei: 'Gente, esse livro precisa existir em Pernambuco para a gente poder aproveitar essa oportunidade'. E aí toda a equipe da editora fez uma força-tarefa, uma mobilização enorme para que isso acontecesse", revela Vitor.
Levar o livro a Pernambuco antes do lançamento oficial é uma oportunidade de apresentar a obra ao público de forma mais direta. Além de colocar "Os 3 desejos de Eugênio" na mão dos leitores, ele pode comentar sobre os detalhes das histórias, responder perguntas, expôr as inspirações, e acompanhar de perto como irão receber a obra.
"Vai ser o primeiro estado a receber o lançamento, e eu estou muito animado para poder falar sobre ele. É sempre especial quando começamos uma bateria de eventos de divulgação de um livro novo, porque até agora eu só falava dos outros. Ainda não tive a chance de conversar sobre esse em voz alta, de explicar, de responder dúvidas. Então, os leitores de Pernambuco vão ter essa oportunidade de adquirir o livro com exclusividade na Bienal, e eu estou muito feliz com isso", celebra.
E a felicidade pode chegar também de maneiras inesperadas, inclusive, chegar em telas grandes. "Quinze dias", primeiro livro de Vitor Martins, ganhará vida em uma adaptação cinematográfica, transformando o sucesso do autor em uma experiência audiovisual completa.
O projeto passou por árduos processos e contou com a colaboração próxima do autor, a fim de preservar a essência dos personagens e a intensidade da narrativa original. Ver a história ser representada no cinema é, para ele, uma mistura de alegria e responsabilidade: é a chance da mensagem do livro chegar em ainda mais pessoas.
"Eu acho que essa foi uma das coisas mais legais que já aconteceram na minha vida. Foi um processo longo, bem demorado. Tudo começou em 2019, antes mesmo da pandemia, quando iniciamos as primeiras conversas e negociações de contrato. Só em 2020 conseguimos assinar e divulgar oficialmente. Por si só, o processo audiovisual brasileiro já é demorado, mas quando você coloca a pandemia nessa equação, tudo fica ainda mais lento. Além disso, havia as questões políticas da época, com um presidente que praticamente não destinava verba para a cultura, o que tornava ainda mais difícil fazer esse projeto acontecer", comenta o autor.
"Confesso que, por muito tempo, fiquei desacreditado de que realmente fosse rolar. Pensei: 'Foi bom enquanto durou esse sonho, mas não vai acontecer'. Só que no meio de 2024 conseguimos retomar o projeto com muita força, e quando ele começou a andar, foi de vez. Fechamos elenco, demos início às gravações, que terminaram em maio deste ano. Agora estamos em toda a fase de pós-produção: montagem, edição, tudo para garantir que o filme chegue aos cinemas da melhor forma possível. Foi árduo, demorado, mas também imensamente prazeroso", ressalta.
Um dos maiores desafios quando se trata de uma adaptação é como os leitores, já acostumados com as histórias dentro do livro, vão reagir. Muitos autores se certificam de acompanhar as filmagens para que o longa-metragem saia de um jeito que agrade ao máximo de pessoas possíveis. E Vitor Martins foi um deles.
"Eu estive presente nos momentos-chave, nas decisões mais importantes, e isso fez muita diferença. O que me deixa mais confiante é que, principalmente para quem já leu e gosta do livro, a sensação é de que ele foi muito bem representado na tela", declara. "É claro que algumas mudanças foram necessárias, afinal, livro e cinema são linguagens muito diferentes".
"No cinema, por exemplo, você tem o apoio do visual e do tempo. Às vezes, um silêncio prolongado já carrega um peso emocional que, no livro, seria difícil transmitir apenas com reticências ou espaçamentos. Por isso, tivemos que adaptar, cortar algumas coisas e acrescentar outras. Em certos pontos, eu insisti bastante para manter elementos que sabia que seriam importantes para os leitores. O que me deixa feliz é que o resultado não é só um filme que respeita meu livro, mas sim um filme que respeita a relação que os leitores já têm com essa história. Esse era o meu maior objetivo", confirma.
Para alcançar o equilíbrio entre o filme e o livro, as decisões foram cuidadosamente avaliadas. A equipe sempre teve o cuidado em como traduzir as emoções, as cenas e os diálogos para garantir que a essência dos personagens e da história permanecessem intactas, preservando a fidelidade.
"Eu queria que, ao assistir, o público pudesse reconhecer os personagens que amam: ver o Felipe e o Caio na tela e pensar 'sim, são eles'. Não necessariamente pela aparência física, mas pela essência. Acredito que os fãs de Quinze Dias vão se sentir contemplados, e, ao mesmo tempo, quem ainda não conhece o livro terá uma ótima porta de entrada para essa história", diz.
Ver os personagens ganhando vida na tela não é somente uma realização enquanto profissional, mas também a validação do vínculo que os leitores criaram com a história ao longo dos anos. "Quinze dias" se tornou a extensão de um universo que se iniciou no papel, e, mais que imaginar como seriam os personagens ou os cenários, o filme traz uma concretização de tudo aquilo que Vitor quis: a conexão do leitor com a obra.
"É uma alegria difícil até de explicar. E acho que tudo isso tem um significado ainda maior porque Quinze Dias foi o meu primeiro livro. Ele nasceu em condições muito adversas, em um momento em que eu não tinha planos de carreira, não tinha nada definido. Eu simplesmente escrevi porque precisava colocar aquela história para fora. E ver como ela cresceu, se transformou e agora vai virar filme... Isso me deixa profundamente orgulhoso", ressalta.
Com o passar do tempo, Vitor percebeu que a proximidade com os leitores possui um papel muito forte na própria escrita. Isso acaba se tornando uma grande fonte de inspiração e novos estímulos às ideias. Dessa forma, ele passou a escrever com mais segurança e mais responsabilidade. E saber que as obras serão lidas, por quem quer que seja, traz um conforto enorme para o autor.
"No começo, eu tinha essa insegurança: 'Será que alguém vai ler?'. Agora eu sei que vai, e isso aumenta muito o peso da responsabilidade. O peso que eu sinto para escrever algo bom, mas não bom tecnicamente, mas que é responsável e positivo de maneira geral. Finais felizes é algo pelo qual eu prezo muito. Não é sobre criar algo fantasioso que não existe", começa.
"No meu novo livro, 'Os 3 desejos de Eugênio', primeiro voltado para o público adulto, quis trazer essa mesma preocupação. As cenas de sexo, por exemplo, são todas consensuais, divertidas, momentos em que os personagens estão ali porque realmente querem estar, porque tão descobrindo algo deles mesmos".
Escrever vai muito além de contar histórias para Vitor Martins. Também significa criar universos nos quais ele mesmo acredita e nos quais o leitor sempre irá se sentir representado e respeitado. Cada personagem, cada escolha, cada narrativa, carregam a intenção de refletir experiências reais com empatia, frisando ainda mais o lado divertido e romântico da vida.
É nessa visão que ele mantém a autenticidade do trabalho. Unindo consciência social, sensibilidade e o prazer de escrever, ele não apenas constrói livros, mas experiências literárias que vão muito além das páginas, deixando cada palavrinha escrita reforçar a importâncias de existirem narrativas LGBTQIAP+ que mostram o cotidiano e como a vida também pode ser bonita para a comunidade. No fim, tudo volta a isso: que as representações não morram e que a representatividade continue viva.
"O que me guia na escrita é justamente isso: não colocar meus personagens em situações que eu não gostaria de ver pessoas LGBTs viverem na realidade. Porque, sim, a gente erra, se apaixona pela pessoa errada, briga com a família, mas também temos experiências positivas para contar também. É o que me guia a continuar escrevendo, é essa visão de mundo que eu tenho", finaliza.