‘A Grande Viagem da Sua Vida’ enfeita um romance clichê com elementos de realismo mágico, mas funciona melhor como um drama individual
O longa dirigido pelo sul-coreano Kogonada, com protagonismo de Colin Farrell e Margot Robbie, estreia nesta quinta (18); confira a crítica
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Com estreia nos cinemas brasileiros marcada para a próxima quinta-feira (18), A Grande Viagem da Sua Vida une Colin Farrell e Margot Robbie em uma história de amor peculiar, com traços de realismo mágico e grandes doses de drama — que parecem prometer deixar os personagens mais complexos. Dirigido pelo sul-coreano Kogonada, que estreou nos longa-metragens em 2017, o filme apresenta David, um homem acostumado com a solidão que acaba conhecendo Sarah, uma quase maniac pixie dream girl, em um casamento.
Essa é, inicialmente, uma trama como tantas: homem triste e sozinho conhece a garota diferente das outras. Ela usa roupas inusitadas, que as fazem se destacar entre os outros personagens, sempre o surpreende com as respostas que dá, é direta e engraçada, mas misteriosa, ninguém a conhece de verdade — e não podemos nos esquecer de que ela é linda. Mas o que torna o filme um pouco menos do mesmo é a abordagem mágica desse relacionamento. Antes do casamento, os dois recorrem à mesma esquisita agência de aluguel de carros para chegar ao evento. Terminada a festa, ambos recebem um convite da voz do GPS dos veículos, uma passagem de embarque para “a grande viagem de suas vidas”. Claro, eles aceitam. E claro, vão fazer isso juntos.
A jornada é a seguinte: o GPS os guia para determinadas locações, cada uma delas com uma porta misteriosa, no meio do nada. Essas portas os transportam para momentos do passado. Por meio delas, eles revivem suas próprias dores e revelam ao outro segredos e acontecimentos que os tornaram quem são. O longa se prende a uma analogia entre portas e pessoas a todo o tempo, às vezes menos, às vezes mais sutilmente. Quando David chega pela primeira vez na entrada da agência de aluguel de carros, descobre que o portão só pode ser aberto de uma forma bem específica. Quando ele é acionado, não abre se for puxado rápido demais, só que se demorar muito ele também permanece fechado. Aqui, é assim que o roteiro trata adentrar corações.
Os personagens
Conforme mencionado, os protagonistas são grandes clichês de filmes de romance que se propõem a ser diferentes: o homem solitário, que sempre achou que merecia mais da vida e facilmente perde interesse nas coisas mundanas e superficiais; e a mulher que o conquista por ser diferente, profunda, sincera, mas que de cara não tem muita história e propósito além de quebrar suas expectativas e partir corações de homens — felizmente, aqui, ela começa a ganhar mais camadas em meados da trama.
São essas as características que resumem a personalidade desses personagens, e elas são muito bem reforçadas durante todo o filme, seja por meio do texto, da fotografia ou da direção de arte. Logo nos primeiros segundos, David atende uma ligação de seu pai e, neste primeiro diálogo do longa, já se revela um grande solitário, o que preocupa sua família. Seu primeiro contato com Sarah é bem intenso: ela mesma se entrega como alguém que conquista e parte corações, já diz que quase sempre é a pessoa que vai embora, que machuca antes de ser machucada. Pouco tempo depois, os dois aparecem passando a noite em quartos lado a lado, no hotel em que o casamento aconteceu. A câmera enquadra as janelas das suítes de fora, de modo que é possível perceber o que se passa nos dois ambientes. David aparece sozinho, Sarah, acompanhada de um homem que deixará no dia seguinte.
No caso da personagem de Margot Robbie, especialmente, esse padrão de comportamento aparece com muita insistência. A maioria das portas que leva o casal ao passado de Sarah, envolve, de alguma forma, um momento em que ela deixou alguém, sejam homens, seja sua família. As portas de David são um pouco mais variadas, embora também mantenham o foco na solidão e na frustração com o mundo. Seria interessante que mais aspectos além desses também fossem explorados com afinco nesse passado, isso daria a impressão de poder desvendar mais sobre os dois. Apesar disso, algumas dessas viagens no tempo são intrigantes de acompanhar.
Romance dramático
Embora este seja um filme de romance, os protagonistas são mais interessantes quando estão separados do que quando estão juntos. É quando eles enfrentam seu passado sozinhos, individualmente, que a gente realmente conhece mais sobre eles, que eles revelam suas camadas para além de diálogos. Robbie e Farrell até tem química, mas a forma como o envolvimento do casal acontece, muito acelerada, não ajuda a reforçar isso. A dinâmica entre eles poderia ser bem melhor trabalhada, porque mesmo que eles estejam vivendo uma experiência intensa juntos, em que literalmente visitam o passado um do outro, tantas DRs e declarações de amor dois dias depois de se conhecerem não convence. Utilizando a metáfora dos portões, que é tão cara a este longa, é como se a porta que deveria nos levar a esse relacionamento fosse escancarada muito rápido, esvaziando a intensidade das coisas.
A última porta de cada um deles, desafio que enfrentam sozinhos, é a mais simbólica. A sequência, que intercala momentos emblemáticos da infância dos dois, é, talvez, a melhor do filme. É curioso como, em um romance, os melhores momentos acontecem quando o casal não está junto.
Elementos simbólicos
Apesar desses detalhes, A Grande Viagem da Sua Vida é um filme criativo e visualmente muito bonito, que consegue oferecer uma experiência envolvente. Talvez ele se proponha a parecer mais profundo do que realmente é, mas consegue tocar corações mais sensíveis. Os protagonistas fazem um trabalho competente e as rápidas aparições de Phoebe Waller-Bridge e Kevin Kline são boas surpresas.
Observar alguns dos simbolismos do longa ajuda a torná-lo mais marcante na memória. A forma como Kogonada usa a chuva como um elemento significante para a solidão e a frustração e os guarda-chuvas como uma analogia para proteção emocional, embora não seja nova, é bem simpática e revela zelo com a trama.
A Grande Viagem da Sua Vida é boa escolha para quem quer um romance dramático que, mesmo com elementos clichês, vai trazer momentos surpreendentes.