Remakes, reboots e franquias infinitas: qual o limite da nostalgia?
Crítica de cinema explica como a nostalgia é utilizada pela indústria cinematográfica para maximizar o lucro e cativar o público

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“Velozes e Furiosos 10”, “And Just Like That”, “Superman” e “Nosferatu”. Os títulos lançados nos últimos anos têm uma característica em comum: usam a familiaridade de obras consagradas para atrair o público e garantir o sucesso nas bilheterias e plataformas de streaming.
De acordo com a crítica cinematográfica Ana Duarte, o investimento em sequências, reboots, remakes e spin-offs é uma estratégia “segura” de Hollywood. “Uma franquia já conhecida vem com combo pronto - fãs fiéis, bilheteria mais previsível e aquele conforto de marca consolidada. Em tempos de mercado lotado e disputando cada segundo da nossa atenção, ninguém quer gastar milhões em um título que pode flopar [falhar]”, explica.
A crítica afirma que a indústria cinematográfica também gosta de “explorar universos que o público ama, dar palco para personagens que ficaram na sombra ou até brincar com novas narrativas”. “O tal spin-off pode ser justamente o espaço para experimentar dentro de um território já conhecido”, exemplifica.
Prova desse sucesso é a lista das 10 maiores bilheterias de 2025 do site Entre Sinopses, atualizada em 18 de agosto, que contém 8 filmes que são sequências, reboots ou spin-offs. São eles: “Ne Zha 2” (U$ 1,899,877,500), “Lilo & Stitch (U$ 1,028,420,106)”, “Jurassic World: Recomeço” (U$ 828,593,920), “Como Treinar o Seu Dragão” (U$ 624,040,005), “Missão: Impossível – O Acerto Final” (U$ 596,513,515), “Superman” (U$ 253,600,000), “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” (U$ 468,737,549), “Capitão América: Admirável Mundo Novo” (U$ 415,101,577).
Ana ressalta que a parte financeira têm peso maior, mas que a indústria cinematográfica aprendeu a transformar risco em oportunidade. “Sempre de olho na nostalgia e no nosso apego às histórias que já fazem parte do imaginário coletivo. No fim das contas, é um casamento de conveniência: dinheiro e imaginação”, destaca.
Crise de originalidade
Uma das problemáticas levantadas por Ana em relação ao apego do cinema à nostalgia é a crise de originalidade: “Os estúdios hoje parecem menos dispostos a apostar em roteiros originais, e isso tem muito a ver com o peso da bilheteria em um mercado competitivo e caro. É mais seguro revisitar franquias ou adaptar algo que já vem com público garantido do que arriscar no desconhecido”.
Outra questão apontada é a criação de um “engessamento”, no qual a diversidade de vozes e de perspectivas acaba sendo deixada de lado. “Cineastas e roteiristas muitas vezes são chamados a trabalhar dentro de estruturas já definidas, o que limita a experimentação e a ousadia narrativa.”
A crítica menciona também a “Black List”, uma lista anual que reúne alguns dos melhores roteiros inéditos que circulam em Hollywood. “Muitos ficam engavetados, porque o cálculo comercial acaba falando mais alto. Ainda assim, vez ou outra, essas histórias ganham vida e surpreendem. O Jogo da Imitação é um bom exemplo”, acrescenta.
Nostalgia
Ana avalia que a nostalgia se tornou uma mina de ouro em Hollywood. “Remakes, reboots, continuações… tudo isso é uma forma de vender o ‘novo velho’ e fazer o público reviver aquele conforto das memórias afetivas. A gente vai ao cinema não só para ver um filme, mas para reencontrar personagens e histórias que marcaram nossa infância ou juventude”, explica.
Ela afirma também que, com a tecnologia atual, esses retornos aos cinemas ficam ainda mais atraentes. “Efeitos modernos, live-actions, restaurações em alta qualidade. O resultado é que tanto quem cresceu com a obra quanto quem está chegando agora encontra motivos para assistir. Muitas vezes, inclusive, vira um evento de família, como pais apresentando aos filhos aquilo que amaram lá atrás.”
Por outro lado, a crítica ressalta que alguns clássicos “envelheceram mal” e, nesses casos, a nova versão não é só comercial, mas uma oportunidade de atualizar valores. “É aí que entram mais representatividade, diversidade e narrativas que dialogam melhor com o público de hoje, sem perder o espírito da obra original”. Um exemplo disso é a nova versão da novela Vale Tudo (TV Globo), que repensa detalhes problemáticos da trama.
“Quando um remake consegue oferecer uma leitura criativa, atualizada e relevante, o resultado pode ser bem diferente. Nesse caso, a nostalgia funciona como ponto de partida para algo maior, e não como muleta”, destaca.
Para ela, a originalidade não desapareceu: “Ela resiste em produções independentes, festivais e até em algumas plataformas digitais, que ainda abrem espaço para novas narrativas. Mas, dentro do grande circuito comercial, o modelo atual privilegia o seguro em detrimento do novo.”
Ana também responde a pergunta que não quer calar: há limite para a nostalgia? “Existe sim um limite. E ele aparece quando um reboot ou remake deixa de oferecer algo novo, criativo ou relevante, virando apenas uma repetição automática do original. Quando a produção se limita a reciclar cena por cena, sem atualizar a narrativa ou dialogar com o presente, o que poderia ser uma homenagem se transforma em mera repetição. O resultado? Saturação, frustração e críticas ao que parece falta de ousadia e de visão criativa”, explica.
E exemplifica os desgastes evidentes:
- Quando o remake não acrescenta novas perspectivas à obra original;
- Quando a adaptação falha em se conectar com o público contemporâneo;
- Quando a produção soa mais como uma estratégia de marketing que aposta só no peso do nome do original;
- Quando a sensação de frescor é substituída por déjà-vu.
E, mesmo com a saturação, esses filmes seguem lotando salas. Para Ana, há uma soma de fatores. “Primeiro, o conforto da familiaridade: é mais fácil escolher algo já conhecido, com personagens que parecem velhos amigos. Depois, o marketing pesado dos estúdios, que transforma cada estreia em um grande evento coletivo. Além disso, franquias se expandem para games, séries e redes sociais, mantendo o interesse sempre aquecido.”
E também responsabiliza o público por alimentar esse ciclo: “Ao escolher o ‘seguro e conhecido’, reforça a lógica que privilegia continuações em detrimento de histórias originais. É um jogo de mão dupla - a indústria oferece, o público consome, e o loop se retroalimenta.”
E os serviços de streaming?
Ana afirma que as produções independentes e as plataformas de streaming vêm se consolidando como o último refúgio para histórias originais. “Enquanto 70% dos grandes orçamentos de Hollywood em 2025 foram destinados a franquias e continuações, serviços como Netflix e Amazon aumentaram seus investimentos em roteiros inéditos em até 30% ao ano”, compara.
Esses números significam uma abertura para mais diversidade narrativa e liberdade criativa, ressalta a especialista. “Só em 2025, cerca de 65% das produções originais de streaming exploraram temas sociais contemporâneos, raciais e de gênero - temas que muitas vezes não encontram espaço nas grandes engrenagens de estúdio”, acrescenta.
A crítica afirma que o circuito independente também é beneficiado. “No Sundance 2025, 70% dos filmes exibidos eram inéditos e sem vínculos com franquias, e muitos deles ganharam projeção global via streaming, com crescimento de 40% de audiência em comparação às exibições tradicionais”, exemplifica.
E destaca que a insistência na nostalgia pode não se sustentar: “Hollywood tem sentido cansaço. Nos últimos anos, muitos reboots e continuações tardias, mesmo com grandes investimentos, fracassaram em bilheteria e receberam avaliações negativas exatamente por abusarem da nostalgia sem acrescentar substância.”
“O que a gente vê, no fundo, é uma indústria mais conservadora, que repete fórmulas para não perder dinheiro, mas que ainda abre pequenas brechas para a inovação. É uma dança constante entre a necessidade de garantir retorno imediato e o desejo de contar histórias diferentes”, finaliza Ana.