Pré-estreia de ‘Luiz Gonzaga — Légua Tirana’ acontece no Recife neste sábado (2); conheça os bastidores do filme
Os diretores Diogo Fontes e Marcos Carvalho destrincham a singularidade do longa e revelam detalhes sobre seu processo de produção

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Em memória de Luiz Gonzaga, acontece no próximo sábado (2), a pré-estreia do filme Luiz Gonzaga — Légua Tirana, que chega a todos os cinemas do Brasil em 21 de agosto. O evento acontece em um dia simbólico, marcando o 36º aniversário da morte do Rei do Baião, que faleceu em 2 de agosto de 1989.
A ideia de produzir o longa partiu de um desejo: entender como se dá a formação de um grande mestre, de uma entidade da música popular nordestina com uma discografia que permanece habitando o cotidiano de tanta gente, conforme o diretor Marcos Carvalho. Mas essa vontade não surgiu do nada. Sua origem parte do projeto Cinema no Interior, coordenado por ele, que leva formação audiovisual a municípios no interior de Pernambuco. Durante uma temporada em Exú, cidade natal de Luiz Gonzaga, as oficinas resultaram em um curta-metragem sobre o músico. Mais tarde, veio a ideia de ampliar essa história, destrinchar a vida do Rei do Baião com mais profundidade.
É a primeira vez que a história da origem do mestre, desde a infância, será contada nos cinemas. Mas, com a participação de Diogo Fontes, que também integra a direção do filme, o roteiro engloba mais do que história. “Muito do nosso filme é também um pouco do imaginário. A gente pega esse mito do Luiz Gonzaga e imagina em cima, coloca as cores e a poética da imaginação. Então, óbvio que existe sim um contexto de pesquisa extensa para a confecção desse roteiro, mas também existe um pouco dessa extensão do mito gonzaguiano. 'Como será que foi essa criança?', 'O que fazia?', 'O que imaginava?', porque como existem lacunas nessa história, a gente acabou as preenchendo com essas cores do mito”, conta ele.
Realismo mágico
O longa opta pelo envolvimento de elementos mágicos como uma reimaginação da história de Gonzaga e do próprio Nordeste. O imaginário e a mitologia do sertão embalam a narrativa para recontar, de forma mais singular, a biografia do músico.
“Óbvio que a gente poderia tentar trazer simplesmente o verniz do realismo excessivo, mas a gente achou que com esse personagem, nesse momento, cabia que a gente colorisse com essa outra poética, essa outra forma de vê-lo”, explica Diogo. “É um realismo mágico que é tecido junto com a biografia dele, que não escapa da realidade, mas se entrelaça com ela”, completa.
“De certa maneira, a gente também concretiza no filme um sonho de Luiz Gonzaga, que era conhecer Lampião. A gente não deixa claro, mas ele está se encontrando com o grande mito dele também, o Rei do Cangaço, sem que ele tenha essa compreensão de estar diante do próprio Lampião”, acrescenta Marcos.
Essa ideia de reimaginação se traduz, inclusive, na forma de personagens. Um exemplo é Assum Preto, um cego que mora na beira de um precipício e faz referência a uma das canções do mestre. É essa figura que o ensina a ouvir a sonoridade do Sertão.
Códigos sonoros do cotidiano
A trilha sonora construída em Luiz Gonzaga — Légua Tirana é, em sua maioria, original, feita especialmente para o filme. A ideia dessas composições é utilizar as sonoridades do sertão e imaginar como o mestre às transformou em música: “Acho que esse é o ponto fundamental, você pegar o som de um passarinho, pegar o som de uma feira, pegar o som de uma peneira, e fazer música através disso. Acho que o filme de alguma forma traz isso para o espectador. A gente consegue demonstrar como a musicalidade do dia a dia, coisas que a gente nem percebe, essas sonoridades escondidas, fizeram parte da formação de Luiz Gonzaga”, explica Diogo.
O longa trabalha duas canções originais de Gonzaga: ‘Vira e Mexe’, seu primeiro sucesso, e ‘Légua Tirana’, que dá título ao filme. Outras de suas composições, no entanto, estão envolvidas no roteiro. Dentro dos diálogos, um fã do músico pode encontrar citações e referências a músicas.
Trajetória marcante
Para os diretores, alguns momentos da vida de Gonzaga foram bastante impactantes de reproduzir. Diogo menciona a ocasião em que ele sai de casa, após levar uma surra, e seu retorno para Exú anos depois, quando ele já obteve sucesso. “O filme do Breno Silveira, o Gonzaga de Pai pra Filho, também mostra essa mesma situação. é interessante porque existe um espelhamento, mas a gente optou por manter a câmera dentro da casa. O Breno optou por manter a câmera fora da casa. Então é como se os dois filmes dialogassem mostrando perspectivas diferentes para o espectador”, diz.
Marcos, que passou a infância no sertão, destaca mais momentos. Em um deles, o músico, ainda criança, começa a trabalhar como aprendiz de tangerino e passa por uma série de violências. “Também foi marcante por causa do envolvimento da comunidade. Esse é um momento que a gente presta um tributo a uma das músicas do Luiz Gonzaga, que é uma homenagem a um jumento. E ali teve um envolvimento da comunidade, cada um foi buscar um jumento”, justificou. Além disso, ele traz a forma como o mestre começa, desde pequeno, a observar o pai na música e a corrigi-lo, já demonstrando sua desenvoltura para a música.
“Para mim isso tem esse lado, a entidade se manifestando [...] A gente dialoga muito com esse núcleo dos encantados e Luiz Gonzaga é um grande encantado. A gente se propõe a entender como é essa trajetória de construção de uma entidade. Ele conviveu com grandes mestres, o pai dele era um desses grandes mestres”, afirma Marcos, e Diogo completa: “Toda essa jornada de Luiz Gonzaga é uma jornada de encantamento, e para isso ele tem o auxílio de uma série de mestres que fazem com que ele exceda essa condição humana e posa de fato se encantar”.
Elenco e equipe de produção
A escolha dos atores e da equipe de produção do filme se deu por um processo de valorização de talentos locais, especialmente através do projeto Cinema no Interior, que auxiliou na descoberta e no desenvolvimento de trabalhadores do audiovisual. Os diretores percorreram todos os municípios do Sertão do Araripe para comunicar as comunidades sobre as seletivas para o longa. “Nosso Luiz Gonzaga jovem é um filho de Exú, que nasceu na zona rural, e que chegou a um resultado incrível, analisado por pessoas de experiência, e não deixou absolutamente nada a desejar em relação a atores já muito carimbados e profissionais”, declara Marcos.
Além de Wellington Luco, intérprete de Gonzaga na adolescência, o longa traz Kayro Oliveira, sanfoneiro profissional que viveu o músico na infância, Ivanildo Nogueira, nascido em Serra Talhada e conhecido por seu papel em A Praça é Nossa, e Chambinho do Acordeon, em seu segundo trabalho como o cantor, já tendo o interpretado em Gonzaga de Pai pra Filho.
Os diretores também oportunizaram que jovens de centros socioeducativos integrassem o projeto nas áreas de fotografia, som e produção, por exemplo. O Cinema no Interior levou a formação e eles foram inseridos na equipe, onde tiveram um ambiente propício para desenvolver habilidades no audiovisual.
“A gente queria muito que Luiz Gonzaga estivesse presente nesse trabalho. Ele habita esse espaço, a chapada do Araripe, as rochas, os pássaros, as árvores têm Luiz Gonzaga presente. O povo tem Luiz Gonzaga presente. Acho que isso tá muito forte, impresso no filme”, reflete Marcos.
Junção de bagagens culturais
Luiz Gonzaga — Légua Tirana é o filme de estreia de Diogo Fontes. Entre suas principais referências no cinema está o longa A Estrada da Vida, de Federico Fellini: “A gente carrega ao longo desses processos de filmagem algumas coisas conosco como se fosse uma bagagem de mão, e tem coisas que a gente não tira. Camisetas que mesmo muito antigas a gente continua utilizando. A Estrada da Vida é um filme que eu carrego pra onde eu vou.”
Já A Noite do Espantalho, de Sérgio Ricardo, é a inspiração de Marcos Carvalho. Ele explica que o cinema passou a ter um sentido muito mais forte depois que ele conheceu a produção e que se considera um eterno aprendiz: “Pra mim é um copo que tá sendo preenchido. O Légua Tirana, para mim, é mais uma série do meu curso de cinema. Tô muito curioso e aprendendo a cada trabalho. Eu tô muito nessa da filosofia do aprendizado e do conhecimento matuto”.
Para os diretores, a junção dessas duas bagagens tornam o filme o que ele é. Todo esse resultado vem de um conjunto, um trabalho em equipe que vai muito além de duas mentes. Marcos menciona que, ao fim de todo esse processo, plantou mais de 400 árvores, uma para cada pessoa que ajudou a construir o longa. “Esse filme é uma árvore, e eu pressuponho que daqui, sei lá, 100 anos, 200 anos, podem ter pessoas na sombra dessa árvore, contemplando a florada dessa árvore, desfrutando dos seus frutos”, ele finaliza.