Tecnologia oferece autonomia, amizades e voz a jovens com deficiência – e o medo não pode apagar isso
Ferramentas digitais transformam o cotidiano de jovens com deficiência, ampliando possibilidades e criando novas formas de conexão e expressão.

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Apesar dos alertas constantes sobre os perigos do mundo online — de cyberbullying à exposição a conteúdos impróprios —, para muitos jovens com deficiência, a internet representa algo essencial: independência, identidade e conexão. É isso que defendem os pesquisadores britânicos Andy Phippen, professor de Ética em TI e Direitos Digitais na Bournemouth University, e Hayley Henderson, professora de Gestão de Recursos Humanos na University of Northampton, em artigo publicado no site The Conversation.
“No mundo real, sou um covarde. Quando estou online, sou um herói.”
Essa frase, inspirada em um jovem com autismo entrevistado pelos autores, ilustra a principal tese do artigo: o ambiente digital pode ser um espaço de empoderamento, especialmente para adolescentes com necessidades especiais.
Muito além do entretenimento
Segundo Phippen e Henderson, a tecnologia digital vai muito além do acesso à aprendizagem. Ela abre portas para relações sociais, criatividade e até oportunidades profissionais — coisas que, no mundo offline, muitas vezes estão fora do alcance desses jovens.
“As plataformas online criam espaços para amizades, especialmente para quem tem dificuldade com interações presenciais”, afirmam.
As ferramentas digitais também ajudam a promover a independência. Aplicativos de calendário, por exemplo, são úteis para jovens com TDAH, enquanto softwares de leitura de texto auxiliam pessoas com dislexia. Na comunicação, interfaces de voz e recursos de texto para fala permitem que jovens com dificuldades de fala se expressem com confiança.
O impacto de Ibelin e a força da comunidade
Os pesquisadores destacam o documentário da Netflix The Remarkable Life of Ibelin, que conta a história de Mats Steen, um jovem norueguês com distrofia muscular de Duchenne que encontrou no universo dos games — mais especificamente no World of Warcraft — amizades, propósito e liberdade. Após sua morte, aos 25 anos, amigos virtuais viajaram para seu funeral, revelando a força dos laços criados no ambiente digital.
“O filme desafia estereótipos sobre jogos online. Mostra-os como fontes de conexão, compaixão e vínculos humanos reais”, escrevem.
Riscos existem — mas a exclusão também machuca
Apesar dos muitos benefícios, crianças com deficiência enfrentam riscos desproporcionais no mundo online, como aliciamento, bullying e conteúdo inadequado. Pior: muitas vezes não possuem as ferramentas ou apoio para denunciar ou buscar ajuda.
Essa realidade gera medo entre pais e educadores, que frequentemente adotam uma postura de proibição como primeira medida de segurança.
“Fomos questionados com coisas como: ‘Que apps devo banir?’ ou ‘Como impeço meu filho de entrar na dark web?’”, relatam.
Mas, para os autores, esse tipo de abordagem parte de uma visão limitada e arriscada: ao focar apenas nos perigos, ignora-se o potencial transformador da tecnologia para os jovens que mais precisam dela.
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Segurança e autonomia podem caminhar juntas
Phippen e Henderson defendem um caminho mais equilibrado: proteger sem restringir. Isso começa com o diálogo. Pais e professores devem conversar com as crianças sobre sua vida digital — o que as diverte, o que as assusta, onde se sentem confiantes ou perdidas.
“As estratégias de proteção muitas vezes são feitas para as crianças, e não com elas”, alertam.
Eles sugerem que a segurança digital seja adaptada ao estilo de comunicação e à maturidade de cada criança. Em vez de orientações longas e textuais, é possível usar histórias visuais, jogos interativos ou recursos mais acessíveis.
“Não precisamos de mais proibições. Precisamos de mais confiança”
Essa é a mensagem final dos autores. Para eles, o papel dos adultos deve ser garantir que os espaços digitais sejam seguros, mas também acolhedores e empoderadores.
“O medo pode limitar o que a tecnologia oferece às crianças que mais precisam dela. Para esses jovens, o digital não é só entretenimento — é uma plataforma de agência, criatividade, relacionamentos e voz.”
Em vez de barreiras, eles pedem estratégias inclusivas, personalizadas e compassivas. Porque quando se trata de inclusão digital, especialmente para quem enfrenta barreiras no mundo físico, o acesso pode significar liberdade.