Por que o conselho "coma menos, mexa-se mais" não funciona para combater a obesidade
O estigma ao redor da obesidade pode prejudicar milhares de pessoas, que necessitam de um cuidado redobrado com dicas populares; entenda!

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O mantra “coma menos, mexa-se mais” ainda domina muitas campanhas de combate à obesidade — mas, segundo duas especialistas britânicas, essa abordagem está ultrapassada, ignora fatores fundamentais e pode causar mais danos do que benefícios.
Em artigo publicado no site The Conversation, Lucie Nield, professora sênior de Nutrição e Dietética na University of Sheffield, e Catherine Homer, professora associada de Obesidade e Saúde Pública na Sheffield Hallam University, defendem que a obesidade precisa ser tratada como uma condição médica crônica, não como falha pessoal.
“Obesidade não é apenas uma questão de força de vontade”, afirmam. “É uma condição complexa, crônica e recorrente.”
Um problema de saúde pública, não apenas individual
As autoras destacam que cerca de 26,5% dos adultos na Inglaterra vivem com obesidade, assim como mais de 22% das crianças de 10 a 11 anos. Segundo um novo relatório citado por elas, o custo anual do excesso de peso para o Reino Unido chega a £126 bilhões, incluindo despesas com o sistema de saúde, perda de produtividade, mortes prematuras e cuidados informais.
Apesar disso, políticas públicas ainda insistem na responsabilização individual. O problema, segundo Nield e Homer, é que esse foco ignora o contexto social, econômico e ambiental que contribui para a obesidade.
“Não é algo que você consiga resolver apenas com uma salada e um Fitbit”, alertam.
O ambiente como fator determinante
As especialistas lembram que o próprio governo britânico já reconheceu, desde 2007, que vivemos em um “ambiente obesogênico”: um mundo onde alimentos ultraprocessados e calóricos são baratos e onipresentes, e onde a atividade física foi quase totalmente eliminada da rotina — com cidades voltadas para carros e tempo livre dominado por telas.
“O ganho de peso se torna uma resposta biológica normal a um ambiente anormal”, escrevem.
Pessoas em áreas mais pobres são as mais afetadas: convivem com “desertos alimentares”, têm menos acesso a transporte público e a espaços verdes, e enfrentam maiores barreiras para manter hábitos saudáveis.
O perigo do estigma
A insistência em culpar o indivíduo também alimenta o estigma do peso, especialmente contra crianças e famílias vulneráveis.
“Esse tipo de narrativa gera julgamento, vergonha e discriminação”, alertam Nield e Homer.
Elas defendem que obesidade deve ser reconhecida como uma doença crônica, tal como diabetes ou depressão, e tratada com suporte contínuo, e não com soluções rápidas ou dietas restritivas.
O que seria um cuidado adequado?
- As autoras propõem uma abordagem mais humana, baseada em evidências e livre de estigmas. O cuidado ideal inclui:
- Reconhecer a obesidade como condição médica que exige acompanhamento estruturado e duradouro.
- Combater o estigma com capacitação de profissionais de saúde, uso de linguagem respeitosa e inclusão.
- Oferecer planos personalizados, considerando cultura, histórico psicológico e contexto social de cada pessoa.
- Mudar o ambiente, investindo em acesso a alimentos saudáveis, espaços para atividade física e políticas de equidade social.
Uma mudança de sistema, não de indivíduos
Para Nield e Homer, continuar tratando a obesidade como escolha pessoal é ineficaz e cruel — e ainda coloca em risco a sustentabilidade do sistema de saúde.
“Obesidade não é apenas sobre o que as pessoas comem ou o quanto se exercitam. É moldada pela biologia, pelas experiências e pelo ambiente ao redor delas.”
Concluindo, as autoras fazem um chamado urgente por uma mudança estrutural:
“Se quisermos reduzir o estigma, melhorar os resultados em saúde e evitar uma crise de £150 bilhões, a era do ‘coma menos, mexa-se mais’ precisa acabar.”
O que deve começar agora é uma abordagem corajosa, compassiva e sistêmica — que olhe para o todo, e não apenas para a balança.