"Raquel vai buscar a neutralidade de Lula", diz cientista político
Visita do presidente a Pernambuco, com atos na Rnest, no Agreste e na Mata Sul, redesenha o tabuleiro político para 2026, avalia Adriano Oliveira
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A presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Pernambuco, primeiro na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Ipojuca, e depois na entrega da Barragem Panelas II, em Cupira, reuniu no mesmo palanque a governadora Raquel Lyra (PSD) e o prefeito do Recife, João Campos (PSB), reacendendo a disputa silenciosa pelo apoio presidencial na eleição estadual de 2026.
Para o cientista político Adriano Oliveira, que analisou os eventos em entrevista à Rádio Jornal, o gesto de Raquel ao se aproximar de Lula foi “deliberado” e marca uma mudança clara na estratégia da governadora.
Adriano recorda que, na visita anterior de Lula ao Estado, Raquel não participou, alegando compromissos no interior, um gesto que, segundo ele, foi mal avaliado politicamente.
“Para mim, ninguém deixa de receber um presidente da República, mesmo que você tenha um posicionamento contrário. As relações institucionais devem predominar", pontuou.
Ele afirma que aquela ausência foi um “equívoco”, mas nota que a guinada começou ainda meses atrás, quando a governadora deu uma entrevista elogiando Lula e destacando parcerias. Ontem, diz ele, esse movimento se consolidou.
“A governadora mudou o seu posicionamento, mudou a sua estratégia, recebeu o presidente, comemorou seu aniversário com ele e fez um discurso reconhecendo os feitos dele em Pernambuco e também associou Lula ao seu governo.”
Mas não se trata, segundo Adriano, de qualquer aceno de aliança formal com o PT.
“Isso não significa que ela vá pedir voto para Lula. Significa que vai trabalhar para conseguir a neutralidade do presidente aqui em Pernambuco. E assim ela age corretamente.”
Por que a neutralidade é decisiva para Raquel
O analista explica que o eleitor antipetista, especialmente o bolsonarista, rejeita João Campos. Garantir esse segmento é fundamental para Raquel.
“Qualquer pesquisa, qualitativa ou quantitativa, mostrará que o eleitor que rejeita o PT tem rejeição a João Campos. A governadora vai querer manter esse eleitor", explicou.
Ao mesmo tempo, ele afirma que Raquel tende a crescer nas pesquisas e deve chegar fortalecida no pleito de 2026.
“Ela chegará em condições de vitória, inclusive de vencer no primeiro turno.”
Nesse cenário, pedir que Lula se mantenha neutro vira prioridade para a governadora, já que um apoio explícito do presidente ao prefeito pode alterar a correlação de forças, sobretudo no interior.
Se a neutralidade favorece Raquel, para João o cenário ideal é o oposto:
“É muito importante para João Campos garantir o apoio único e integral de Lula.”
Com Lula exclusivamente em seu palanque, o prefeito poderia reduzir a vantagem de Raquel no interior e consolidar a Região Metropolitana, onde, segundo Adriano, ele tem “força forte”, sustentada tanto pela memória de Eduardo Campos quanto por sua gestão no Recife.
O simbolismo da bandeira de Pernambuco
Sobre o momento em que Raquel ergueu a bandeira de Pernambuco ao lado de Lula na cerimônia da Rnest, Adriano avalia que o gesto não foi espontâneo: tratou-se de uma ação planejada para reforçar sua imagem no palanque presidencial.
“O que ela disse ali foi: minha bandeira é Pernambuco. Se o senhor trabalha por Pernambuco, eu estarei ao seu lado.”
A mensagem, segundo ele, não tem a ver com declarar apoio a Lula, mas com reforçar sua identidade estadual e evitar que o presidente seja capturado exclusivamente pelo projeto de João Campos.
“Ela deixou claro que não quer que Lula declare apoio exclusivo a João.”
Confira a entrevista completa:
O peso da política nacional e a disputa pelo Senado
Para além das fotos e gestos locais, Adriano destaca que o “xadrez político” depende especialmente de decisões nacionais, incluindo movimentos do PSD, União Brasil e PP.
Ele elenca cenários que podem complicar tanto a vida de Raquel quanto a de João. No caso da governadora, uma eventual decisão nacional do PSD de apoiar Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a Presidência poderia obrigá-la a defender o governador paulista em Pernambuco, um movimento sensível em um estado de forte presença lulista.
Já para João Campos, o risco está na fusão entre União Brasil e PP: se a nova sigla decidir marchar com um nome do campo bolsonarista em 2026, o prefeito pode ser empurrado para uma campanha sem Lula, o que colidiria com a estratégia que ele vem construindo desde 2023 de se apresentar como aliado prioritário do presidente.
Essas articulações pesam diretamente na formação das chapas ao Senado. Segundo Adriano Oliveira, “quem está mais confortável hoje para lançar candidato ao Senado é a governadora Raquel Lyra”, sobretudo porque dispõe de figuras com trânsito em diferentes espectros políticos, caso do senador Fernando Dueire (MDB), que consegue dialogar com direita, centro e setores lulistas sem gerar atrito imediato.
No campo de João, o cenário é mais complexo. Silvio Costa Filho (Republicanos) é o aliado mais próximo do prefeito, mas encontra resistência em segmentos da esquerda.
Marília Arraes (Solidariedade), embora tenha sinalizado aproximação pública com o PSB, disputa o mesmo espaço que o PT pretende reservar para Humberto Costa, e sua viabilidade depende diretamente das decisões da Federação PT–PV–PCdoB, que terá peso central na montagem da chapa majoritária em Pernambuco.
Miguel Coelho, por sua vez, agrega musculatura no Sertão e capacidade de ampliar o alcance regional do bloco, mas carrega dois entraves: pertence ao União Brasil, partido que pode se alinhar nacionalmente a uma candidatura de direita, e tem trajetória associada ao campo bolsonarista.
Essa combinação o coloca em posição delicada dentro de uma chapa que busca o apoio de Lula em 2026, tornando sua entrada um movimento mais difícil de acomodar para João.
Interior x Região Metropolitana
Adriano contesta a leitura de que João seria favorito. “João Campos não é favorito para vencer a eleição. Será fortemente disputada, inclusive com possibilidade de acabar no primeiro turno.”
Segundo ele, Raquel tem força no interior e pode reduzir a diferença na Região Metropolitana, especialmente devido ao impacto do tema da segurança pública. “Os laranjinhas têm contribuído muito para aumentar a popularidade da governadora na Região Metropolitana.”
Apesar da leitura de Adriano de que Raquel preserva força no interior, a pesquisa mais recente da CNN/Alfa Inteligência mostra João Campos numericamente à frente no cenário estadual: 50% contra 24% da governadora, indicando que o prefeito ampliou sua competitividade para além da Região Metropolitana do Recife.
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