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Juristas defendem reformas estruturais no STF e criticam excesso de processos

Especialistas discutiram o papel do STF e apontaram volume excessivo de ações e decisões monocráticas como principais entraves da Corte

Por Pedro Beija Publicado em 29/10/2025 às 19:43

Os rumos do Supremo Tribunal Federal (STF), corte máxima do Judiciário brasileiro, foram tema de um debate aprofundado nesta quarta-feira (29), na Super Manhã da Rádio Jornal. Sob mediação do apresentador Tony Araújo, juristas analisaram os principais desafios enfrentados pela instituição, como o alto volume de processos, o ativismo judicial e o modelo de nomeações políticas para o tribunal.

Participaram da discussão José Paulo Cavalcanti Filho, escritor, jurista e ex-ministro interino da Justiça; Francisco Queiroz, jurista e ex-diretor da Faculdade de Direito do Recife; e Edgar Moury, procurador aposentado do Estado de Pernambuco e advogado nas áreas contratual e criminal.

José Paulo Cavalcanti aponta excesso de ações e defende corte constitucional no STF

Abrindo o debate, José Paulo Cavalcanti classificou os problemas do Supremo em três níveis — estrutural, conjuntural e periférico — e apontou o volume de ações como a principal causa de disfunção da Corte.

"O Supremo não pode funcionar do jeito que está", afirmou o jurista, ao comparar os números brasileiros com os de cortes constitucionais de outros países.

"Nos Estados Unidos, são julgados cerca de 80 casos por ano; na Inglaterra, 82; e na Alemanha, 90. Aqui foram 114.341 ações no ano passado. Com 114 mil processos, nada do que a gente está falando aqui tem nenhum significado. Se botar 11 Jesus Cristo, não resolve", criticou.

Cavalcanti criticou ainda as decisões monocráticas, que somaram, segundo ele, 93.905 julgamentos em 2024.

"É o único país do mundo em que um ministro sozinho pode decidir uma questão. Isso é uma indecência", disse.

Para o jurista, a solução passa por duas medidas: transformar o STF em uma corte exclusivamente constitucional, responsável apenas por temas ligados à Carta Magna, e proibir decisões individuais.

Francisco Queiroz responsabiliza Constituição de 1988 por sobrecarga e distorções no STF

Em sua participação, o jurista Francisco Queiroz atribuiu à Constituição Federal de 1988 a principal responsabilidade pelos problemas estruturais do Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, a Carta ampliou de forma indevida as competências da Corte, comprometendo seu funcionamento como tribunal constitucional.

"O maior responsável pela destruição estrutural do STF foi a Constituição de 1988. [...] Durante a Constituinte, imaginava-se que o Supremo seria um tribunal puramente constitucional, mas a própria Corte fez lobby para não perder poder, mantendo competências que deveriam ter sido transferidas ao Superior Tribunal de Justiça", afirmou.

Queiroz explicou que essa configuração fez do Supremo um órgão "acima de todos os outros", com atribuições que extrapolam o controle de constitucionalidade. Ele também criticou o volume excessivo de processos, comparando com o desempenho de cortes de outros países, e defendeu uma triagem mais rigorosa para os casos que chegam à instância máxima.

Outro ponto abordado foi o processo de indicações políticas. Para o jurista, os presidentes da República têm falhado em adotar critérios técnicos para a escolha dos ministros.

"Os presidentes não têm tido responsabilidade em relação ao papel do Supremo Tribunal Federal. O requisito de notável saber jurídico, por exemplo, vem sendo desrespeitado", observou.

Ele questionou o cumprimento do requisito de "notável saber jurídico" em nomeações recentes, embora tenha ressalvado nomes como Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Sobre o ministro Zanin, por exemplo, Queiroz provocou: "Quantos livros alguém já leu do Zanin? Nenhum. Quantos artigos de doutrina do Zanin? Nenhum. [...] Tem notável saber jurídico? É uma pessoa desonesta? Não. Mas não tem notável saber jurídico".

Queiroz ainda criticou o "ativismo judicial" e a oscilação de entendimentos dentro da Corte, citando mudanças de posicionamento em temas como a prisão após condenação em segunda instância.

"O Supremo, às vezes, decide conforme o resultado que quer alcançar. Isso fere a coerência institucional e compromete a previsibilidade do Direito", afirmou.

Edgar Moury defende fim das indicações políticas e critérios técnicos para o STF

O procurador aposentado Edgar Moury concentrou sua análise na forma de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que, segundo ele, é a origem de boa parte das distorções na Corte. Atualmente, os ministros são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, processo que, na visão do jurista, "traz a política para a antessala dos tribunais".

"Esse modelo, baseado em proximidade, amizade ou afinidade ideológica, não serve ao Supremo", afirmou.

"Nada contra a política — ela é necessária à democracia —, mas deve ficar no seu próprio quadrado e nunca se misturar com a Justiça", complementou.

Moury defendeu uma mudança estrutural nesse processo, propondo que os ministros do STF sejam escolhidos por critérios de antiguidade entre os tribunais superiores, o que garantiria perfis mais técnicos e experientes. Ele também sugeriu o estabelecimento de uma idade mínima de 60 ou 65 anos para ingresso na Corte, com o objetivo de evitar que ministros permaneçam por décadas no cargo.

"Hoje, há nomeações de pessoas muito jovens, que acabam exercendo um poder sem controle por cerca de 30 anos", observou.

Outro ponto levantado por Moury foi a defesa do fim das turmas do STF, com o argumento de que a existência de divisões internas compromete a unidade de entendimento da Corte.

"Uma corte constitucional precisa ter palavra una. As turmas criam antagonismos e dificultam a uniformidade das decisões", afirmou.

Ao final, o jurista resumiu sua avaliação dizendo que o Supremo “corre o risco de se ordinarizar”, isto é, de perder o caráter extraordinário que deve caracterizar uma corte constitucional.

"Um tribunal dessa natureza não pode cair na armadilha de se comportar como instância comum", concluiu.

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