Mendonça Filho critica edital de curso de Medicina para assentados na UFPE: 'fere isonomia e abre precedente perigoso'
Deputado e ex-ministro da Educação acredita que metodologia da seleção, com redação e carta de recomendação, pode comprometer qualidade da formação

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O deputado federal Mendonça Filho (União Brasil) manifestou preocupação com o processo seletivo para o curso de graduação em Medicina oferecido por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), campus Caruaru, no Agreste.
A seleção é destinada a candidatos vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a grupos ligados à reforma agrária, e não será realizada por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), mas por análise de redação e carta de recomendação.
Segundo o parlamentar, que foi ministro da Educação entre 2016 e 2018, durante o governo do presidente Michel Temer, a iniciativa representa um "precedente extremamente perigoso" e fere o princípio da isonomia, direito fundamental que garante igualdade de condições entre os candidatos ao ensino superior.
"Sempre defendi políticas afirmativas que promovam equidade e oportunidade para todos, mas compartilho da preocupação do Sindicato de Médicos e do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), que estão reagindo a essa iniciativa”, afirmou Mendonça Filho.
Para o deputado, essa metodologia pode comprometer a transparência e a qualidade da formação médica.
"[As entidades médicas] contarão com meu apoio para que possamos combater qualquer ato que fira a boa formação médica e o princípio da transparência na formação de profissionais de saúde em Pernambuco e no Brasil”, declarou o parlamentar em vídeo publicado nesta quarta-feira (24).
Entidades médicas veem riscos na seleção
O edital é fruto de uma parceria entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e UFPE. Ao todo, foram abertas 80 vagas, sendo 40 para ampla concorrência e outras 40 destinadas a candidatos que se enquadram nas modalidades de ações afirmativas (cotas).
Segundo o edital, cujas inscrições se encerraram no último sábado (20), podiam se candidatar assentados da reforma agrária e integrantes de famílias beneficiárias do Crédito Fundiário; educandos egressos de cursos promovidos pelo Incra; educadores que atuam junto às famílias beneficiárias; acampados cadastrados pelo instituto e pessoas quilombolas.
As aulas acontecerão presencialmente no Centro Acadêmico do Agreste da UFPE – Campus Caruaru, com início previsto para o dia 20 de outubro.
Em nota, entidades médicas de Pernambuco se manifestaram contrárias à condução do processo seletivo.
"Reconhecemos que há jurisprudência consolidada legitimando políticas afirmativas, desde que aplicadas de forma proporcional, equilibrada e transparente. Ressaltamos, contudo, que a criação de um processo seletivo exclusivo, paralelo ao sistema nacional, sem utilização do Enem e do Sisu como critérios de acesso, afronta os princípios da isonomia e do acesso universal, além de comprometer a credibilidade acadêmica e representar um precedente grave e perigoso para a educação médica no Brasil", destaca o pronunciamento.
O grupo, composto pelo Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), Associação Médica de Pernambuco (AMPE) e Academia Pernambucana de Medicina (APM), afirmou que a seleção "viola a igualdade de oportunidades e desconsidera os mecanismos nacionais já consolidados, que garantem transparência e equidade no ingresso ao ensino superior".
Por fim, Cremepe, Simepe, AMPE e APM afirmam que não são contrários a políticas de inclusão, mas que defendem que elas sejam justas, proporcionais e alinhadas com os marcos legais vigentes.
À coluna Enem e Educação, deste JC, a UFPE afirmou que a criação da turma especial não interfere na distribuição regular de vagas. "Essas vagas são específicas de uma Turma Extra que foi criada exclusivamente para esse fim, dentro da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial prevista no Artigo 207 da Constituição Federal, e não afetam as vagas já oferecidas regularmente pela UFPE por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu)", explicou a instituição.
"A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) reforça a autonomia universitária para definir o número de vagas, incluindo a abertura de vagas supranumerárias, especialmente quando destinadas a políticas públicas específicas. Ainda, o MEC, por meio de notas técnicas e pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), também reconhece a legitimidade da criação de vagas supranumerárias, especialmente quando associadas a políticas afirmativas e inclusão social", acrescentou a universidade.