Leia entrevista completa de Lula ao Jornal Nacional
Além de falar sobre as taxações de 50% sobre o Brasil, Lula também ressaltou que é "inaceitável" Donald Trump tentar interferir na Justiça brasileira

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Na noite desta quinta-feira (10), uma entrevista dada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva à repórter Delis Ortíz, da Globo, foi transmitida no Jornal Nacional.
Na entrevista, a jornalista aborda a postura do presidente do Brasil diante da ameaça do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em aplicar tarifas de 50% sobre a importação de produtos brasileiros.
Em uma das falas, Lula ressalta que também é "inaceitável" o Chefe de Estado norte-americano tentar interferir na Justiça brasileira, referente ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusa de ter tentado um golpe de Estado.
Leia a entrevista na íntegra:
Pergunta: O senhor mencionou a Lei da Reciprocidade, fez uma ameaça explícita ao presidente Trump de responder com mais tarifas a qualquer taxação recebida pelo Brasil. Como é que o senhor, o Governo, pretende escapar desse seguro?
Lula: Primeiro, é importante levar em conta que algumas coisas que o ser humano, que o Governo pode admitir é a ingerência de um país na soberania de outro. E mais grave, intromissão de um presidente de um país no poder judiciário do meu país.
É inaceitável que o presidente de Trump manda uma carta, sabe, pelo site dele, e começa dizendo que é preciso acabar com a caça às bruxas. Isso aí admissível. Primeiro, porque isso aqui tem justiça e a gente está fazendo um processo com direito a presunção de inocência de quem é vítima. Se quem é vítima cometeu um erro vai ser punido. Aqui, no Brasil, é punido.
A segunda coisa é que é inverossímil o fato pela qual se aumentou a tarifa. O presidente Trump deve estar muito mal-informado, porque, nos últimos 15 anos, o déficit para o Brasil é de 410 bilhões de reais entre comércio e tarifas.
Portanto, não existe explicação a não ser uma falta de informação e depois tentando atrapalhar uma relação muito virtuosa que o Brasil tem com os Estados Unidos há 200 anos.
O que é que eu vou fazer na verdade? Primeiro, eu não perco a calma e não dou uma decisão com 39 grau de febre. O Brasil utilizará a Lei da Reciprocidade quando necessário. E o Brasil vai tentar, junto ao OMC e com outros países, tentar fazer com que o OMC tome uma posição para saber quem é que está certo ou quem está errado. A partir daí, se não houver solução, nós vamos entrar com a Reciprocidade já a partir do mês de agosto, quando ele começa a taxar o Brasil.
Nós entendemos que o Brasil é o país que não tem conflito com ninguém. Nós não queremos brigar com ninguém. Nós queremos negociar e o que nós queremos é que seja respeitadas as decisões brasileiras.
Portanto, se ficar brincado de taxação, vai ser infinita essa taxação. Nós vamos chegar a milhões e milhões de milhões de por cento de taxa. Ele tem um direito de tomar decisão em defesa do país dele, mas com base na verdade. Se alguém orientou ele com uma mentira de que os Estados Unidos é deficitário com o Brasil, mentiu. Porque os Estados Unidos é superavitário na relação comercial com o Brasil.
Pergunta: A motivação política desse ataque americano é explícita, né? E Trump critica o julgamento de Jair Bolsonaro e ações no Supremo (STF) sobre as plataformas de redes sociais. Mas os ataques de Donald Trump começaram durante o encontro dos BRICS e depois das declarações do senhor em tom crítico aos Estados Unidos durante o evento. Que papel o senhor atribui às suas declarações nas motivações do presidente americano?
Lula: Nenhuma. Primeiro, o BRICS é um fórum que ocupa, hoje, metade da população mundial e quase 30% do PIB mundial. E dentro do BRICS estão países que participam do G20. 10 países dos BRICS que participam do G20, onde Trump participou. Segunda coisa, nós temos quatro países que foram convidados do G7, agora: Brasil, México, África do Sul e Índia. Quarta coisa, o BRICS é o agrupamento de países que trabalha em prol do 'Sul Global'.
Nós cansamos de ser subordinados ao 'Norte'. Nós queremos ter independência na nossa política, queremos fazer comércio mais livre e as coisas estão acontecendo de forma maravilhosa. As coisas vão continuar melhorando e nós estamos discutindo, inclusive, a possibilidade de ter uma moeda própria ou, quem sabe, com as moeda de cada país, a gente fazer comércio sem precisar utilizar o dólar. Porque não temos a máquina de rodar dólar, só os Estados Unidos que têm. E nós não precisamos disso para fazer comércio exterior.
Agora, achar que o BRICS é a razão pela qual Trump ficou nervoso? O Brasil nunca ficou nervoso com a participação do G7, o Brasil nunca ficou nervoso com as coisas que os Estados Unidos faz. Cada país tem soberania, faz aquilo que quer.
Então, eu penso que o presidente Trump precisa se cercar de pessoas que o informe corretamente sobre como é virtuosa a relação Brasil-Estados Unidos.
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Pergunta: O senhor criticou Donald Trump por ingerência em questões que a independência das instituições brasileiras, mas o senhor recebeu críticas por visitar a ex-presidente Argentina Cristina Kirchner agora, condenada por corrupção, e por defender com o cartaz a liberdade dela. Como é que o senhor responde a essas acusações de ter interferido nas questões internas de um país soberano a Argentina?
Lula: Com muita muita firmeza. Eu fui visitar a presidente da Argentina com a autorização da Justiça argentina. Eu só fui lá porque a Justiça argentina decidiu que eu fosse visitar atendendo ao pedido da própria Cristina.
Eu fui fazer uma visita humanitária. Eu nunca me preocupei que o Trump recebesse o Bolsonaro ou qualquer pessoa. É direito de cada presidente fazer o que quiser. O que não é direito, é um presidente querer dar palpite na decisão de justiça de um país. Aqui, no Brasil, a nossa justiça tem autonomia. O poder judiciário é um poder autônomo, como é o legislativo. E aqui a gente obedece regras.
O que o presidente Trump tem que saber é que se aqui no Brasil ele tivesse feito o que ele fez nos Estados Unidos, com as eleições, ele também estaria sendo processado, estaria sendo julgado. E se ele fosse culpado, seria preso. É assim que funciona a lei para todo mundo. Ou seja, nós precisamos aprender a respeitar. Você nunca viu eu me meter numa decisão de justiça americana. Nunca viu. E o que eu espero é reciprocidade, que ele também não se meta nos problemas brasileiros.
Pergunta: Esse ataque americano às exportações brasileiras levantou preocupações enormes nas empresas exportadoras. Que papel o senhor espera que esses setores empresariais desempenhem na formulação de uma resposta do Governo aos Estados Unidos?
Lula: É só importante a gente deixar claro para a opinião pública que não é uma taxação ao Brasil. Ele vem taxando todos os países do mundo desde que tomou posse. É um direito dele, mas é um direito dos pais reagir.
Agora, o que é que eu pretendo fazer? Veja, primeiro eu pretendo reunir todos os empresários que têm exportação para os Estados Unidos. Sobretudo, aqueles que têm maior volume de exportação: suco de laranja, aço, a Embraer, que exporta muito para os Estados Unidos, para conversar, para ver qual é a situação deles. Nós vamos tentar fazer todo o processo de negociação que for possível fazer. O Brasil gosta de negociar, não é contencioso. E depois, se esgotar as negociações, o Brasil vai aplicar a Lei da Reciprocidade.
E aí os empresários, eu espero que estejam alinhados com o Governo Brasileiro. Porque se existe algum empresário que acha que o Governo Brasileiro tem que ceder e fazer tudo que o presidente do outro país quer, sinceramente, esse cidadão não tem nenhum orgulho de ser brasileiro.
Essa é a hora da gente mostrar que o Brasil quer ser respeitado no mundo. Que o Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país no mundo. E que, portanto, a gente não aceita desaforamento contra o Brasil.
Pergunta: O presidente Donald Trump está na Casa Branca há 7 meses. Por que motivo o governo do senhor não fez nenhum movimento para estabelecer contato direto, mais próximo, com o governo do nosso segundo maior parceiro comercial?
Lula: Primeiro, eu mandei uma carta dando os parabéns à vitória do Trump. Eu não tenho o que conversar com o Trump até agora, não tenho nenhuma razão. Imaginei se encontrar o Trump no G7. Quando nós chegamos lá, ele tinha saído. Porque a reunião foi feito em um lugar muito escondido, porque o Trump não seria bem recebido no Canadá.
Então, quando eu cheguei, eu e os convidados, o primeiro-ministro Modi (da Índia), a Cláudia, presidente do México, o Ramaphosa, presidente de África do Sul, quando nós chegamos lá, o Trump tinha indo embora na outra noite. Na hora que houver necessidade de conversar com o Trump, eu não tenho nenhum problema de ligar para ele, como eu já liguei para o Clinton, eu já liguei para o Bush, eu já liguei para o Obama, já liguei para o Biden. Agora é preciso ter razões para ligar. O presidente não ficar ligando para contar piada.
Ele, por exemplo, poderia ter ligado para o Brasil para dizer da medida que ele vai tomar. El não mandou nem uma carta. Não recebemos carta. Ele publicou no site dele, uma total falta de respeito, que é um comportamento dele com todo mundo. E eu não sou obrigado a aceitar esse comportamento desrespeitoso entre relações de chefes de estado e entre relações humanas. Educação é bom. E a gente gosta de receber, gosta de dar. E o Brasil quer ser bem tratado.
Quando eu tiver um assunto sério para tratar com os Estados Unidos, eu não terei nenhum problema de pegar o telefone e ligar para a Casa Branca pedindo para conversar com o presidente Trump. Por enquanto, eu não tenho.
Agora, nós vamos criar uma comissão de negociação juntando empresários e o governo. Vamos ver quais são as decisões. Quem é afetado? Como é que vai ser afetado? Como é que a gente pode procurar novos mercados? E, eu mesmo, vou procurar novos mercados por produtos brasileiros. Esse é o meu papel, inclusive, de dizer aos empresários "vamos juntos abrir novos mercados". Porque, não é fácil ele só taxar os outros. Ele também terá consequência nos Estados Unidos.
A relação entre dois Estados, ela tem que ser uma coisa respeitosa. Um presidente, ele não é dono da verdade, um presidente não tem relação ideológica com o outro. Eu nunca tive a relação ideológica, sabe?
Eu converso com o presidente do país, seja ele quem for. Ele foi eleito pelo povo e precisa conversar? Eu converso com todo mundo. Nunca tive um veto. Agora, eu não tenho nada para conversar com o Trump. Aliás, ele não dá o motivo para que a gente tenha nada para conversar com ele.
Depois que a gente discutir profundamente o que vai acontecer, nós temos tempo para discutir, nós temos tempo para conversar, nós temos para ouvir os empregados, nós temos tempo para ouvir a OMC, para ouvir outros países, como é que está acontecendo. E quando chegar o momento, se for necessário conversar, pode ficar certo que eu não terei nem nenhum problema de pegar o telefone e ligar. Correndo o risco de ele, de forma mal educada, não querer me atender.
Pergunta: Por agora, nada?
Lula: Por agora, nada.
Pergunta: Nem chamar a embaixadora?
Lula: Eu não sei. Aí é um problema que o Itamaraty vai ter que tomar essas decisões. Eu acho que era importante chamar a embaixadora para tomar informações, mas é um problema que depende da decisão do Itamaraty. Eu acho que o ministro Mauro Vieira saberá cuidar disso.
O que eu acho um desaforo muito grande, e não dá para aceitar, é um cidadão, um presidente de um país importante, como o Estados Unidos, é conversar uma carta para mim, mandada por um site, avocando o fim da caça às bruxas a um ex-presidente que tentou dar um golpe nesse país.
Ele não tentou dar um golpe, ele tentou preparar a minha morte, a morte do presidente da Suprema Corte, que na época era Alexandre de Moraes, a morte do vice-presidente. E não é ninguém da oposição que está falando, são os militares que estavam com ele. É o ajudante de ordem dele, que recebia as informações deles.
Agora, quem vai ser julgado não é o cidadão Bolsonaro. Quem vai ser julgado são os laudos do processo. Se ele tiver razão, será absolvido. Se ele não tiver razão, será condenado. E, se condenado, vai ser preso. É assim que funciona a justiça no Brasil. E assim que eu espero que funciona nos Estados Unidos.
Se tivesse um capitólio aqui e o Bolsonaro tivesse feito o que fez o Trump os Estados Unidos, ele também estaria sendo julgado. O que é lei, aqui no Brasil, é para todos de verdade. Doa a quem doer.