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MPF arquiva investigação sobre suposta compra irregular de equipamentos pela prefeitura do Recife na pandemia

Procurador entendeu não haver sobrepreço ou compra excedente de "Sistemas Fechados de Aspiração Traqueal" na instalação de UTIs na crise da Covid-19

Por Rodrigo Fernandes Publicado em 03/07/2025 às 13:32

O Ministério Público Federal (MPF) arquivou uma investigação que apurava a compra de equipamentos médicos pela prefeitura do Recife durante a pandemia de Covid-19. Segundo o órgão, não há elementos que comprovem a existência de sobrepreço ou a aquisição de quantitativo excedente dos aparelhos.

De acordo com a denúncia, apresentada em 2020, a secretaria municipal de Saúde havia cometido irregularidades na compra de 11.288 unidades de um equipamento descartável chamado "Sistema Fechado de Aspiração Traqueal", utilizado na remoção de secreções do trato respiratório de pacientes em ventilação mecânica.

A acusação alegava que a prefeitura pagou R$ 430 por cada unidade do equipamento, com recursos destinados pelo governo federal, enquanto outros entes federativos haviam adquirido os aparelhos por preços que variavam entre R$ 32,60 a R$ 155,46, cada. O valor total contratado pela gestão municipal foi de R$ 4.853.840.

A denúncia também indicava que as empresas contratadas por meio de dispensa de licitação, Cirúrgica São Felipe e Brasil Device, pertenciam a um mesmo grupo familiar, e que a prefeitura comprou os aparelhos em quantidade superestimada, considerando a quantidade de leitos de UTI ativos na rede municipal na época.

Segundo a denunciante, a então deputada estadual Priscila Krause — atualmente vice-governadora do estado —, as práticas poderiam caracterizar os crimes de improbidade administrativa e peculato, que ocorre quando um funcionário público se apropria de dinheiro ou valores públicos.

No último dia 26 de junho, o procurador da República Cláudio Henrique Cavalcanti Machado Dias entendeu que a investigação não colheu elementos mínimos que justificassem a apresentação da denúncia à Justiça, determinando o encerramento das apurações e o arquivamento do processo.

No despacho, o procurador afirmou que as regras para contratações públicas foram flexibilizadas durante a pandemia de Covid-19, com base em uma lei federal, o que permitiria a compra dos aparelhos sem licitação.

Em relação à contratação das empresas, o representante do MPF citou que a cotação de preços foi realizada em três datas após o fechamento da dispensa de licitação, “o que nos levava a entender que [...] a administração ainda não sabia o preço médio de mercado dos equipamentos adquiridos, e não sabia se existiam outras empresas aptas e interessadas” no fornecimento dos produtos.

Sobrepreço não pôde ser comprovado, afirma procurador

Sobre a suposta existência de sobrepreço, a investigação apontou a existência de um laudo técnico elaborado por uma perita do próprio MPF que constatou que os preços “estariam superfaturados em percentuais que variaram de 477% a 842%, quando comparados com o preço médio de mercado”.

Agentes de Segurança Institucional do mesmo Ministério Público Federal também identificaram preços “muito inferiores” aos cotados pela secretaria municipal, “variando de R$ 105,00 a R$ 197,00 a unidade, a depender da quantidade e tamanho do equipamento”.

Apesar disso, o procurador apontou que, durante o período mais crítico da pandemia, o cenário econômico global passou por instabilidades, e que fatores tradicionais na formulação de preços, como oferta, demanda, custos de produção, logística e câmbio, perderam a previsibilidade.

“A demanda por produtos essenciais para o combate à pandemia explodiu globalmente, enquanto a capacidade de produção e distribuição se via severamente comprometida. [...] Essa conjuntura gerou um ambiente de escassez generalizada, onde a lei da oferta e da demanda operava sob condições anormais. Nesse contexto, os preços de mercado flutuaram de maneira drástica e imprevisível, muitas vezes atingindo patamares elevados”, argumentou o procurador.

JAILTON JR./JC IMAGEM
Leitos de UTI e enfermaria de hospital de campanha em Pernambuco - JAILTON JR./JC IMAGEM

Ele acrescentou que comparar preços com períodos pré-pandemia ou com momentos posteriores, de maior estabilidade, podem ser “enganosos ou injustos”. Segundo ele, não é possível desconsiderar a realidade do momento e a “pressão por aquisições imediatas para salvar vidas”.

“A ideia de um ‘preço de referência’ ou ‘preço justo’ tornou-se virtualmente inatingível, uma vez que os parâmetros habituais para sua determinação estavam completamente desorganizados. A aquisição de bens e serviços emergenciais, nesse cenário, focava primordialmente na disponibilidade e rapidez na entrega, muitas vezes em detrimento da busca pelo menor preço, o que era compreensível diante da crise sanitária”, declarou.

O procurador também considerou que uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), que havia apontado um possível superfaturamento de R$ 4,1 milhões, não levou em consideração o período de busca intensa pelos insumos naquele momento, além de ter usado uma “metodologia falha” ao utilizar amostras pequenas e datas de comparação inadequadas, o que teria gerado “resultados imprecisos”.

Investigados usaram o mesmo argumento

Um dos investigados na ação, o então secretário de Saúde do Recife, Jailson de Barros Correia, afirmou à procuradoria da República, durante as investigações, que a prefeitura do Recife precisava se mobilizar rapidamente para montar UTIs no menor tempo possível.

Jailson apontou que o Recife tinha um déficit de leitos de UTI antes da pandemia, e que a gestão municipal, na época comanada pelo prefeito Geraldo Júlio (PSB), fez um "esforço praticamente do zero" para montar as unidades intensivas. Ele também explicou a necessidade do equipamento nos cuidados daqueles pacientes.

“O sistema de aspiração fechado [...] era particularmente necessário no contexto da Covid, porque quando a gente tira o respirador, a gente desacopla esse circuito do tubo do paciente para fazer a aspiração de secreções que se espalham quando o paciente tosse e está respirando. Ele pode ser uma fonte de contaminação pro pessoal de saúde e demais pacientes.Havia ali um risco altíssimo de contaminação”, acrescentou o então secretário Jailson Correia.

O então diretor executivo de Administração e Finanças, Felipe Soares Bittencourt, declarou que havia dificuldade para encontrar os equipamentos junto aos fornecedores devido ao “cenário de guerra” nas negociações de preço.

“Esse item, especificamente, era muito difícil, e geralmente as empresas não tinham estoque. A gente comprava o que o fornecedor tinha em estoque ou que ele tinha a curto prazo. Se a demanda da gente era de 1000 unidades e esse fornecedor tinha 200, a gente comprava esses 200 e ia em busca de novos fornecedores para tentar atingir aquele quantitativo estabelecido. Os preços eram uma loucura. A gente ficava completamente refém dos distribuidores”, disse Felipe.

Além deles, também eram investigados:

  • João Maurício de Almeida, gestor da unidade de Assistência Farmacêutica da prefeitura;
  • Eliane Mendes Germano Lins, secretária executiva de Atenção à Saúde e ordenadora de despesas da prefeitura;
  • Paulo Henrique Motta Mattoso, gerente de compras da prefeitura;
  • José Felipe Belotto Pelozzo, sócio-administrador da Brasil Devices Equipamentos Hospitalares Eireli;
  • Maristela Belotto Pelozzo, representante da empresa Cirúrgica São Felipe Produtos para Saúde Eireli;
  • e Alairto José Pelozzo, procurador das duas empresas.

O procurador da República entendeu que o preço cobrado pelas empresas Cirúrgica São Felipe e Brasil Device não caracterizou sobrepreço naquela situação, e que o contexto de excepcionalidade na aquisição de bens em um mercado “completamente desorganizado” devem ser considerados como atenuantes na análise do valor final.

Na decisão, ele afirmou que as empresas Cirúrgica São Felipe e Brasil Device eram as únicas que dispunham do material para entrega imediata. Além disso, apontou que o preço de R$ 430 cobrado pelas empresas era o valor praticado no mercado diante da escassez.

Sobre a suposta compra exagerada de equipamentos, a secretaria alegou, no curso da investigação, que, passada a pandemia, foi realizada a readequação dos quantitativos e a anulação do empenho de dois contratos, nos valores de R$ 2,3 milhões e R$ 589 mil. O argumento foi aceito pelo procurador.

“A demonstração de que a quantidade de sistemas fechados inicialmente adquirida foi respaldada por critérios técnicos, aliada à posterior readequação de quantitativo com o cancelamento dos empenhos respectivos, são suficientes para demonstrar que os agente públicos não agiram deliberadamente visando causar prejuízo ao erário, nem promover desvio de verbas federais”, compreendeu Claudio Henrique Cavalcanti.

Defesa dos ex-servidores fala em sentimento de justiça

A advogada Giselle Hoover, que representa a defesa dos ex-servidores da secretaria municipal de Saúde por meio do escritório Rigueira, Amorim, Caribé & Leitão, afirmou que recebeu a decisão do arquivamento com satisfação.

"Entendemos que as supostas irregularidades foram absolutamente esclarecidas no curso da investigação. O Ministério Público Federal fez várias diligências de praxe, ouviu todos os clientes e a gente recebe a decisão com o sentimento de justiça", declarou.

"Foram cinco anos de investigação do Ministério Público Federal, a partir de uma notícia-crime apresentada de maneira prematura naquele momento. Era o ápice da pandemia e esses servidores estavam empenhados em montar leitos, salvar vidas, em fazer as compras, que eram dificílimas naquele momento", acrescentou a advogada.

A reportagem tenta contato com a vice-governadora Priscila Krause, autora da notícia-crime que originou a investigação, para comentar a decisão.

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