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Uma visão nipônica de vida

A cultura japonesa é marcada por valores profundamente enraizados que moldam tanto a vida cotidiana quanto as estruturas sociais e organizacionais

Por JONES FIGUEIRÊDO ALVES Publicado em 15/12/2025 às 7:06

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A dedicação ao trabalho, o elevado respeito ao próximo, a disciplina como moldura de agir e a reverência no trato das relações sociais, podem estabelecer uma identidade nacional do povo japonês como síntese de uma visão nipônica de vida. São elementos agregadores que conduziram o Japão na sua ascensão ao estatuto internacional de superpotência. Um povo feliz, altruísta e fraterno.

A cultura japonesa é marcada por valores profundamente enraizados que moldam tanto a vida cotidiana quanto as estruturas sociais e organizacionais. O Japão é conhecido mundialmente por sua ética de trabalho disciplinada, além de sua diligência e dedicação extrema ao dever.

O respeito mútuo é um dos pilares da convivência no Japão. Expressa-se linguisticamente através da linguagem honorífica (“keigo”), com suas variantes formais, para expressar respeito (“Sonkeigo”), polidez geral (“Teineigo”) e humildade (“Kenjougo”), para demonstrar consideração por superiores, clientes e desconhecidos.

Práticas sociais como o ato de se curvar (“ojigi”) valorizam a convivência, como postura de respeito. A expressão corporal da reverência, costume da tradição budista, inclinando o tronco, é utilizada por toda a população, tornando-se parte essencial da etiqueta nipônica. No cotidiano, de modo informal, a curvatura é de cerca de 15 graus (“eshaku”), expressando cordialidade, e quando se trate de cumprimentar pessoa mais velha ou de posição hierárquica superior curva-se cerca de 30 graus (“kerei”). A reverencia maior é a de 45 a 70 graus (“saikerei”) evidenciando profundo respeito (ou arrependimento). Outra regra social relevante é a da pontualidade rigorosa, como ética de respeito ao outro, demonstrando a devida consideração pelo tempo e espaço do próximo. Reforça valores de convivência.

Por sua vez, a filosofia do “wa” (harmonia) é um valor central na vida em comunidade, um princípio integrante da sociedade, derivando dos valores familiares tradicionais japoneses. O conceito de unidade de grupo, no ambiente de trabalho ou dentro da família, compreende uma forte associação de interesses e conformidade de vida. Colocar o dever acima dos próprios interesses, vontades ou conveniências, demonstra e bem caracteriza integridade moral, fidelidade a princípios e alto senso de responsabilidade, o que personaliza o povo japonês.

Essa dedicação extrema serve, aliás, como exemplo mais puro da ação moral: fazer o bem por dever, mesmo que isso traga dor ou prejuízo pessoal, porque o dever é mais importante que o benefício. Nos contextos profissionais, é o trabalhador japonês que não se omite diante de problemas, faz mais do que o esperado e assume responsabilidades com rigor e seriedade.

Fazer o melhor em tempos difíceis e manter o autocontrole e a disciplina constitui o “gaman”, termo japonês de origem zen-budista que significa "suportar o aparentemente insuportável com paciência e dignidade". Precisamente traduzido por "perseverança", "paciência" ou "tolerância". Essa visão de vida, sempre baseada em valores e práticas resilientes explicam o Japão como uma nova superpotência.
Em Tokyo, a cidade considerada como a mais segura do mundo (“The Intelligence Unit’s Safe Cities Index (SCI) - 2024), tem-se exemplos da corresponsabilidade social de todos. Crianças de seis anos caminham sozinhas, de mãos dadas, à escola, em transportes e vias públicas, sob o olhar protetor de qualquer um do povo, implementando uma sociedade valorizada pelos cuidados visíveis com o próximo.

O valor ético-afetivo do cuidado mais se observa, diante dos 40% da população acima de 60 anos, importando que o aumento da longevidade e as limitações dos idosos (embora tradicionalmente independentes) convocam, atualmente, o papel social das famílias que, perante eles, assumem a necessidade de um maior desempenho.

No ponto, quando o Japão enfrenta uma grave crise demográfica, com queda de um milhão de pessoas por ano (desde 2011), e projeção de 125 milhões para 60 milhões até 2080, não surtindo efeito os incentivos à natalidade, o rápido envelhecimento populacional tem sobrecarregado a previdência, causando, outrossim, escassez de mão de obra.

O Japão é o parceiro mais tradicional do Brasil na Ásia, com uma relação que remonta à imigração no início do século. A parceria é equilibrada: investimentos japoneses ajudaram a industrialização do Brasil, enquanto a reciprocidade operou-se em setores como metalurgia e energia. Exemplo emblemático: o primeiro carro da Toyota produzido fora do Japão foi o Jeep “Bandeirante”, de 1958. Há uma janela de oportunidade para nosso país na transição energética. Com fortes metas de descarbonização e 90% da energia importada, o Japão observa o Brasil, com potencial em etanol e hidrogênio, como parte da solução para sua dependência energética, reforçando a parceria estratégica.

No ano corrente, Brasil e Japão celebram 130 anos de relações diplomáticas, iniciadas com o “Tratado de Amizade, Comércio e Navegação”, de 1895, um marco que se consolidou com a chegada dos primeiros imigrantes japoneses em 1908, no navio “Kasato Maru”, para trabalhar nas lavouras de café paulistas. Configura-se uma rica parceria cultural, econômica e humana, com a maior comunidade nipo-brasileira fora do Japão, enquanto o Japão reúne uma das maiores comunidades brasileiras no exterior.

A relação entre Brasil e Japão tem sido marcada por expressivo histórico de respeito, cultura e cooperação bilateral. Essa integração celebra uma amizade cada vez mais fortalecida. Atualmente, negocia-se um acordo de “férias-trabalho” para jovens, o que sinaliza a disposição japonesa em fortalecer os laços diplomáticos, bem conduzidos pelo embaixador do Brasil no Japão, o diplomata Octávio Henrique Dias Garcia Côrtes. A sede da Embaixada, no bairro de Ayoma, na capital japonesa, é obra do arquiteto brasileiro Ruy Ohtake.

É dizer, afinal, que devamos assumir, em valia existencial, uma visão nipônica de vida, na postura de quem responsavelmente se compromete com a existência e com o próximo. Nesse efeito, afirmamos: "Arigatô gozaimasu”, expressando gratidão.

(O autor esteve, mês passado, no Japão, ministrando palestra na Universidade de Keiô, em Minato, Tokio, fundada em 1858).

Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista

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