Sérgio Gondim: A falsa produtividade médica
A aplicação comercial da IA é importante, mas no caso dos hospitais, só se ajudar a otimizar os cuidados com os pacientes
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Alguns países estão debatendo o paradoxo da falsa produtividade médica. Como o Brasil tem mania de copiar o que é feito fora, mesmo o que deu errado, deveria antecipar a discussão para evitar que ocorra o mesmo aqui. Nada contra aproveitar as experiências que dão certo, inovações que demandaram tempo, pesquisas, criatividade e tecnologia para se consolidar, podendo ser prontamente copiadas. Nada contra aplicar rotinas e protocolos que simplificam e melhoram a qualidade do atendimento médico.
A prestação de serviços médicos não é mais feita através de “casas de saúde” com o tesoureiro portando lápis na orelha. Hoje são grandes corporações hospitalares sob olhar atento de investidores e é natural que haja padronização de procedimentos, exigências burocráticas administrativas, controle de gastos para evitar o caos. Ferramentas como a IA são inseridas em vários campos visando facilitar, ganhar tempo, evitar desperdícios e custos, mas analistas perceberam que, com o “progresso” e o modelo administrativo aplicado, a visita médica hospitalar passou a contar com menos tempo dedicado ao paciente. Estarão ocupados justificando os procedimentos perante as seguradoras e preenchendo todos os controles. Precisarão o dobro para atender as demandas do coração da instituição, sobrando pouco para o coração do paciente. Maior importância é dada para adesão aos protocolos e escolhas que resultem em sucesso para as contas médicas, rotuladas assim como eficientes e produtivas.
A aplicação comercial da IA é importante, mas no caso dos hospitais, só se ajudar a otimizar os cuidados com os pacientes.
Países que se deram ao trabalho de avaliar a produtividade sob a ótica dos pacientes, constataram que não vai bem. Estão mais insatisfeitos, com maior sensação de abandono do “produto” que passaram a se considerar. Aferiram resultados também pela visão dos médicos e foi observado um maior nível de insatisfação profissional e burnout ao distanciá-los da razão da sua existência, daquilo que escolheram e se prepararam para exercer. Existe um comprometimento da sua identidade.
Ninguém é louco de pensar em negligenciar as finanças, mas loucura maior seria imaginar o cuidado administrativo financeiro comprometendo a atenção e cuidados para com o paciente.
Diagnóstico feito, passaram a debater possíveis correções de rumo, o que já poderia ser pensado aqui, sem precisar esperar pelas conclusões que vêm de fora. Seria a oportunidade de inovar com algo que não é fácil quantificar, como o valor do suporte à beira do leito, a atenção e a satisfação do principal interessado, razão para existência do hospital. Não só o desempenho na bolsa de valores.
Devolvendo a autonomia dos médicos e voltando o olhar para o paciente que, mais bem tratado e de forma tecnicamente correta, tem como resultado maior retorno até do ponto de vista financeiro.
Aumentando a verdadeira produtividade, quem sabe até os lucros aumentem na ponta do lápis e os investidores terão um sono mais tranquilo, sem pesadelos onde são responsabilizados pela distorção que estão implantando na medicina e o mal que estão causando às pessoas.
Sérgio Gondim é médico