A Tomada de Decisão Apoiada (TDA)
Modelo alternativo à curatela, no qual a pessoa com deficiência mantém o direito de decidir sobre sua vida, mas com apoio de pessoas de confiança
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A Tomada de Decisão Apoiada (TDA) é um modelo legal e ético que permite que pessoas com deficiência – especialmente intelectual ou psicossocial – exerçam plenamente sua capacidade civil, com apoio de duas ou mais pessoas de sua confiança, sejam elas familiares ou amigos. Modelo alternativo à curatela, no qual a pessoa com deficiência mantém o direito de decidir sobre sua vida, mas com apoio de pessoas de confiança para compreender, expressar e implementar essas decisões. Garante a autonomia com suporte, ao invés de substituição da vontade.
O instituto foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, com a vigência da Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) e introduziu o artigo 1.783-A no Código Civil de 2002.
Ela se baseia na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, de 2007, que teve nosso país como um dos Estados signatários. Tratou-se do primeiro tratado internacional ratificado pelo Brasil que alcançou o status de norma constitucional, diante do procedimento previsto no artigo 5º da Constituição Federal do país, trazido pela Emenda Constitucional 45/2004.
Nos termos do art. 1.783-A, do Código Civil brasileiro, “a tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”.
Nesse contexto, o próprio interessado deve ingressar com pedido judicial. Há quem defenda a figura do terceiro interessado ao pedido, no sentido de ser apresentado por familiar ou Ministério Público. Em sentido abrangente, com o alcance do instituto jurídico para as pessoas hospitalizadas ou presas, deficientes ou não, ou mesmo pessoas portadoras de doenças graves e degenerativas, as detentoras de sequelas neurológicas ou em estado semiterminal, destinando sua utilização pelo inegável proveito que ele traduz.
Apresenta-se também oportuna a sua extensão em se tratando de pessoas idosas, mesmo que não deficientes, porquanto o elemento da idade avançada mais das vezes impõe limitações de desempenho diante de determinadas questões complexas ou negociais, implicando em capacidade decisional mitigada. Vai daí a necessidade de ser melhorada a lei, nesses alcances de manejo e destinação.
O termo de apoio é estabelecido por tempo certo e determinado, atuando os apoiadores na tomada de decisão sempre em favor do apoiado, sobre os atos da vida civil daquele, para decisões de natureza financeira, jurídica e médica. Identifica-se o apoio no entendimento do apoiado a cláusulas contratuais em negócios jurídicos, seus custos e impactos financeiros; na opção de compra de unidades habitacionais e outras propriedades, bens de consumo e equipamentos de trabalho, facilitando-lhe a decisão. Apoiadores têm um papel significativo na escolha do apoiado entre dois tratamentos médicos, explicando-lhe os riscos e benefícios de cada opção. Diferentemente da curatela que se revela restritiva e substitutiva, com base na tutela, a Tomada de Decisão Apoiada se apresenta inclusiva e colaborativa, eis que fundada na autodeterminação do apoiado.
A preservação da autonomia constitui o fomento da promoção do direito das pessoas com deficiência, onde o papel dos apoiadores é explicar, orientar e ajudar a pessoa a entender suas opções e não decidir por ela. Ou seja, “independente, mas não só”, slogan que bem simboliza o instituto jurídico, em suas bases surgidas, nos anos 70, em movimento social ocorrido nos Estados Unidos.
Essas mudanças do direito civil produziram grandes avanços na teoria das incapacidades, onde as premissas fundamentais da igualdade e da não discriminação colocam a incapacidade absoluta apenas se restringindo às pessoas com idade até dezesseis anos.
A tomada de decisão apoiada é classificada, no sistema processual brasileiro, entre os chamados ritos de jurisdição voluntária. No ponto, previsto para as situações em que não haverá réu ou pretensão resistida, sem partes contrapostas ou objeto litigioso, dependendo da exclusiva iniciativa daquele que apresentará o instrumento de apoio ao juiz para a sua devida homologação.
Impõe-se aqui colocarmos uma crítica à TDA judicializada. A lei brasileira, ao tempo que estabelece e exalta a autonomia negocial incide em uma contradição substancial, quando exige a homologação do juízo de família, para sua existência, validade e eficácia. Tal exigência se apresenta incompatível à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), que lhes reconhece autonomia e independência, ainda que sob o suporte de apoio de terceiros. Confronta-se com a tendência da desjudicialização de determinados institutos jurídicos, a exemplo do divórcio, da usucapião e de inventários, neles admitindo-se os procedimentos administrativos.
Por certo, então, que o termo de apoio possa ser lavrado por escritura pública, dispensada a homologação judicial, cuja função serviria ao exame de adequação e validade formal, da documentação e da conformidade da vontade diante da necessária capacidade civil, atribuindo-se ao tabelião esse controle de formalidades. Em conclusão, restam definir o quanto antes as premissas de base à construção de uma dogmática jurídica em torno da matéria e mais proativa ao instituto da Tomada de Decisão Apoiada. A deficiência é apenas mais uma variável da condição humana.
(Texto conciso extraído da palestra proferida pelo autor, na Universidade de Keiô, em Tokio, Japão. 27.11.25).
*Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista.