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A negociação penal (3)

Não há dúvidas de que a colaboração premiada tem como ponto culminante a concessão de perdão, total ou parcial, pela autoridade judiciária competente

Por Adeildo Nunes Publicado em 03/12/2025 às 23:01

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Hoje trataremos sobre uma outra forma de negociar, na esfera penal: a colaboração premiada. A doutrina brasileira e internacional definem bem o instituto, mas não há dúvidas de que a colaboração premiada tem como ponto culminante a concessão de um perdão, total ou parcial, pela autoridade judiciária competente, a quem, de forma voluntária, se dispuser a prestar informações sobre os demais partícipes vinculados a uma organização criminosa, augurando se beneficiar com um perdão da pena ou com outras formas de benefícios contidos na lei, dependendo das condições firmadas no acordo, que aliás ele deve ser celebrado por escrito. Cabe lembrar, por oportuno, que a natureza jurídica do instituto, no Brasil, equivale a um meio de obtenção de provas. Por isso, nenhuma sentença condenatória poderá ser proferida com base exclusivamente nas declarações do colaborador.

Mesmo antes da aprovação da Lei Federal nº 12.850, de 2013, que introduziu a colaboração premiada entre nós, os doutrinadores brasileiros já tratavam do instituto, conforme veremos na sequência: Para Cibele Fonseca, a colaboração é uma técnica especial de investigação que estimula a contribuição feita por um coator ou partícipe de crime em relação aos demais, mediante a aquisição de benefício, em regra, de imunidade ou garantia de redução da pena” (Colaboração premiada, 2017, p. 86). Na visão de Nicolau Dino (A colaboração premiada na improbidade administrativa, 2015, p. 440), contudo, a colaboração não deixa de ser uma negociação, mediante uma confissão de culpa por parte do colaborador.

Sobre a negociação, várias etapas padrão existem para a sua consolidação: a negociação, a formalização do acordo, a homologação pelo juiz, a colaboração efetiva com a produção de provas e, por fim, a fase da sentença, onde são concretizados os benefícios ao delator.

O momento inicial da colaboração premiada é caracterizado pelas negociações para a definição dos contornos do acordo que guiarão a postura cooperativa do imputado e a contraprestação estatal determinada no prêmio, essencialmente pautado pelo abrandamento de sua sanção punitiva. Portanto, é o momento em que serão discutidas as obrigações impostas e as renúncias assumidas pelo imputado.

As negociações iniciais, que podem culminar com a celebração do acordo, geralmente ocorrem por iniciativa do delator ou através do seu advogado, que procuram o Ministério Público ou a autoridade policial, comprovando a sua condição de partícipe do crime e manifestando, por conseguinte, a sua intenção de prestar informações e colaborar sobre a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas. O colaborador deve revelar a estrutura hierárquica e a divisão das tarefas da organização, prevenindo a continuidade das infrações penais decorrentes das atividades da organização, provocando a recuperação total ou parcial do produto ou dos proveitos das infrações penais praticadas pela organização e, finalmente, a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Como todos os atos que envolvem a colaboração, o sigilo deve ser sempre preservado.

Porém, nada impede que a iniciativa para o acordo seja realizada por parte das autoridades públicas (Ministério Público/Polícias). O que deve existir sempre é a voluntariedade por parte do delator, que deve concordar com o acordo de forma espontânea e sempre acompanhado com o seu defensor particular ou público.

Bitencourt e Busato, declaram a inconstitucionalidade da participação do delegado de polícia no procedimento da colaboração premiada, entendendo que só o Ministério Público tem autorização constitucional para realizar essa missão (Comentários à lei de organização criminosa, 2014, p. 123).Ocorre, todavia, que o Supremo Tribunal Federal, pelo seu plenário, ingressou no mérito da questão, entendendo que a autoridade policial tem legitimidade ativa para participar das negociações e para celebrar o contrato de colaboração(Adin 5508).

Por oportuno, cabe esclarecer que todos os atos da negociação – embora a lei seja omissa sobre isso – devem ser realizados mediante registro pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.
Qualquer tipo de acordo de colaboração para ter validade e, por conseguinte, para gerar efeitos jurídicos em relação ao colaborador, há de ser firmado com a observância da capacidade civil e mental do delator, sua voluntariedade, o termo escrito, o acompanhamento de advogado e, finalmente, que haja a sua homologação pela autoridade judiciária competente.

Na próxima semana continuaremos com o assunto.

*Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor, advogado do escritório Frutuoso Advocacia, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)

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