A previdência que funciona precisa finalmente ser reconhecida
A previdência estadual não é um setor que tolera improvisações, rotatividade excessiva ou perda de memória técnica...................................
Clique aqui e escute a matéria
Em um país acostumado a ver a previdência figurar no noticiário apenas pelas razões erradas — fraudes, rombos, má gestão — é quase paradoxal que um dos raros exemplos de excelência no setor siga invisível para muitos que decidem o rumo das políticas estaduais. A Fundação de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado de Pernambuco (Funape) é prova de que a boa gestão pública existe, dá resultado e faz diferença. Mas também é exemplo de como o reconhecimento institucional, por si só, não basta quando os profissionais responsáveis por essa excelência permanecem desvalorizados.
Enquanto 2025 expôs falhas estruturais em sistemas previdenciários Brasil afora, Pernambuco se destacou justamente por trilhar o caminho oposto. A Funape atingiu o nível máximo da Certificação Pró-Gestão RPPS, concedida por entidade certificadora pelo Governo Federal, um selo raro, reservado apenas aos Regimes Próprios que demonstram governança madura, controles robustos, transparência exemplar e consistência técnica. Esse reconhecido padrão de qualidade não apareceu por acaso. É fruto de uma equipe que, mesmo reduzida, permanece comprometida com o serviço público.
Mas há um limite para o heroísmo cotidiano: a própria estrutura de carreira não acompanha a complexidade e a responsabilidade do trabalho exigido. Os números são eloquentes e desconfortáveis: 50% dos aprovados no concurso de 2017 não assumiram e cerca de 60% dos que assumiram já deixaram a instituição. Essa evasão não é uma estatística qualquer — é um alerta. A previdência estadual não é um setor que tolera improvisações, rotatividade excessiva ou perda de memória técnica. A maior folha de pagamento de Pernambuco — a dos mais de 100 mil aposentados e pensionistas — passa pela Funape. Sustentabilidade atuarial não é slogan; é engenharia financeira complexa. E gestão previdenciária não é um departamento administrativo; é o pilar que mantém a confiança de quem trabalhou a vida inteira para ter proteção na velhice. E há um agravante adicional, frequentemente esquecido no debate público: o RPPS de Pernambuco é um dos poucos do país que não possui taxa de administração, um instrumento básico previsto em lei federal e portaria do Ministério do Trabalho e Previdência para custear despesas correntes e de capital necessárias à organização e ao funcionamento do RPPS, inclusive para a conservação do seu patrimônio. E ainda assim, a Funape entrega resultados acima da média — o que deveria causar admiração, mas também preocupação. Deveria ser óbvio que carreiras estratégicas precisam de valorização proporcional à sua importância. Mas, no caso da previdência estadual, o óbvio se tornou negligenciado. A excelência da instituição contrasta com a fragilidade da política de pessoal que deveria sustentá-la. Às vésperas de 2026, quando o país deve discutir mais uma vez responsabilidade fiscal, sustentabilidade de longo prazo e qualidade do serviço público, é essencial que este tema saia da sombra. Compromisso com a previdência não pode ser promessa vaga; precisa ser ação concreta. E isso começa por reconhecer que sistemas complexos e certificados em nível máximo não se mantêm sozinhos. Eles dependem de gente — e essa gente precisa ser valorizada. Se Pernambuco deseja preservar um dos poucos exemplos nacionais de gestão previdenciária que funcionam, precisa tratar a Funape e seus servidores como aquilo que realmente são: ativos estratégicos do Estado. A excelência já foi comprovada. Agora, falta reconhecer — de forma institucional, estrutural e perene — quem a constrói todos os dias.
Manoel Bastos, presidente do Sindicato dos Servidores da Gestão Previdenciária de Pernambuco