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A alienação da classe média brasileira: Entre aspirações da elite e a ausência de consciência política

Embora não detenha os meios de produção ou o capital simbólico das elites, ela busca incessantemente diferenciar-se da classe trabalhadora

Por PAULO ROBERTO CANNIZZARO Publicado em 02/12/2025 às 23:57

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Seguramente, parcela importante da nossa crise nacional, pode ser atribuída a uma classe média brasileira que ocupa uma posição social ambígua e, por vezes, paradoxal. Situada entre a vasta classe trabalhadora e a reduzida, porém influente e doentia elite dominante e egoísta, ela se define por um conjunto de características socioeconômicas, culturais e, sobretudo, de busca de aspirações, quase sempre vazias. No contexto brasileiro, essa classe frequentemente se encontra em um estado de profunda alienação, manifestada por uma preocupação desproporcional com os anseios e valores da elite, em detrimento de uma consciência política mais robusta, voltada para a transformação e o desenvolvimento nacional.

Essa "entre-dualidade" da classe média é um de seus traços mais marcantes. Embora não detenha os meios de produção ou o capital simbólico das elites, ela busca incessantemente diferenciar-se da classe trabalhadora, da qual muitas vezes ascendeu ou da qual teme se aproximar. No Brasil a classe média vive atrás dos sonhos desmedidos da elite, quer ter as mesmas coisas, se endivida ao extremo, e essa busca por distinção se traduz em um consumo exagerado de bens e serviços que mimetizam os padrões das camadas mais abastadas, como moradia em bairros específicos, educação privada, carros sofisticados, lazer sofisticado e certos símbolos de status, mesmo que isso custe muitos carnês para pagar.

Parte da mídia, os influenciadores neuróticos de superficialidades, e as narrativas hegemônicas reforçam esses padrões e desejos desmedidos, criando um ciclo vicioso de aspirações, de buscas de sucessos da elite e de consumo que realimenta a sensação de pertencimento a um estrato superior, ainda que inteiramente precário.

É nesse terreno que a alienação ganha forma. A classe média, ao invés de reconhecer seus interesses como intrinsecamente ligados à construção de um projeto nacional equitativo e solidário, frequentemente internaliza as pautas idiotas e os temores da elite. A defesa intransigente da propriedade privada, a desconfiança em relação a políticas de bem-estar social (vistas como "assistencialismo"), a aversão a impostos progressivos e a criminalização de movimentos sociais são alguns exemplos. Tais posturas, muitas vezes, servem mais aos interesses da elite em manter o status quo do que aos próprios benefícios de longo prazo da classe média, que também seria favorecida por uma sociedade mais justa e menos desigual.

Essa alienação se aprofunda na ausência de uma consciência política transformadora. Enquanto outras classes sociais, seja a trabalhadora se impregna na luta por direitos ou a elite na manutenção de seus privilégios, articulam-se em torno de projetos políticos claros, a classe média brasileira muitas vezes flutua entre demandas fragmentadas e certo desalento.

Em vez de se engajar na construção de um projeto de nação que abarque inclusão, segurança, desenvolvimento sustentável e justiça social, ela se vê absorvida em uma busca individualista por ascensão e manutenção de status, está mais preocupada com a futilidade do consumo, com o lançamento do carro novo, do outro celular, com a roupa da moda, com a grife, por exemplo. A política, nesse cenário, é percebida mais como um palco para a defesa de interesses particulares ou como uma fonte de frustração, do que como um instrumento coletivo de mudança. As consequências dessa alienação são profundas para o Brasil.

A ausência de uma classe média engajada e consciente de seu papel na promoção de um desenvolvimento nacional mais equitativo perpetua ciclos de desigualdade e polarização. Sem um setor social que possa atuar como ponte ou como força motriz para a superação de contradições históricas, a nação perde um vetor importante para a estabilidade e o progresso social. A miopia política da classe média, levada a reboque de narrativas que alimentam o medo e a exclusão, impede que ela visualize e lute por um futuro onde seus próprios filhos e netos possam prosperar em uma sociedade menos volátil e mais justa.

Em suma, a classe média brasileira encontra-se em um labirinto de aspirações e identidades. Ao se espelhar excessivamente na elite e negligenciar sua própria capacidade de ser um agente transformador, ele se distancia de uma consciência política que poderia impulsionar o país para um futuro mais promissor. Romper com essa alienação exige um exercício de autoanálise, um reconhecimento de interesses comuns com outras classes e um engajamento ativo na construção de um projeto de nação que transcenda os meros desejos de consumo e status, em favor de uma solidariedade e de um desenvolvimento verdadeiramente inclusivos. A classe média no Brasil, infelizmente, ficou idiota demais, e não compreendeu seu papel na realidade do país.

*Paulo Roberto Cannizzaro, Escritor e Consultor Empresarial

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