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Um pernambucano no STF: como a escolha de Messias pode moldar o país por três décadas Priscila Lapa e Sandro Prado

Com a indicação de Messias, Lula optou por um nome que combina juventude, carreira pública consolidada e proximidade com o Executivo

Por PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO Publicado em 01/12/2025 às 7:00

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A escolha de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é, simultaneamente, um ato jurídico, político e institucional que mostra o funcionamento do sistema democrático brasileiro. Embora a Constituição de 1988 estabeleça um rito simples, em que o presidente da República indica e o Senado Federal sabatina e aprova, esse processo carrega implicações que vão muito além da nomeação de um magistrado. Envolve cálculos políticos, interpretações constitucionais, correlação de forças no Congresso e abre caminho para decisões que impactam diretamente o rumo da sociedade brasileira. Compreender esse processo de escolha é fundamental para entender o atual debate público.

A indicação presidencial resulta de uma combinação de fatores como consistência técnica, reputação jurídica, alinhamento ideológico, confiança pessoal e capacidade de resistir a pressões externas. Para ser indicado, o nome escolhido precisa de dupla legitimidade: deve ter credenciais jurídicas sólidas e ser compatível com o projeto político do presidente que o escolhe. Essa tensão entre técnica e política é característica de modelos de separação de poderes que combinam mecanismos de freios e contrapesos com algum grau de escolha democrática na composição das cortes constitucionais. Países como Estados Unidos, Argentina e diversos membros da União Europeia também operam sistemas híbridos entre decisão política e validação institucional.

Após a indicação, o Senado cumpre seu papel de poder contramajoritário, realizando uma sabatina que, pelo desenho constitucional, deveria avaliar a capacidade jurídica, o notável saber, a reputação ilibada e a visão institucional do indicado. No entanto, as sabatinas se transformaram em ringues políticos, em que senadores utilizam o espaço para demarcar posição ideológica, enviar recados ao Executivo ou dialogar com suas bases eleitorais, com a comunicação ampliada pelas redes sociais. O rigor técnico abre espaço a disputas que pouco dizem respeito ao dia a dia do Supremo e muito ao clima político de polarização do país.

Outro ponto central desse tema é a permanência dos ministros no cargo. O Brasil, ao adotar a regra da aposentadoria compulsória aos 75 anos, opta por uma corte que se renova de forma irregular, a depender da idade de ingresso de cada ministro, gerando efeitos importantes. Ministros nomeados muito jovens podem permanecer por décadas no tribunal, influenciando a jurisprudência de forma contínua e criando uma espécie de “geração dominante no STF”, enquanto outros, indicados mais tarde, atuam por apenas alguns anos. Essa diferença de permanência gera falta de uniformidade e levanta questionamentos sobre previsibilidade, equilíbrio institucional e a própria relação entre ciclos políticos e ciclos judiciais.

Com a indicação de Jorge Messias para o STF, Lula optou por um nome que combina juventude, o pernambucano tem apenas 45 anos, carreira pública consolidada e proximidade com o Executivo, o que lhe daria possibilidade de permanecer cerca de três décadas na Corte, influenciando assim de forma continuada as decisões da instituição, até a aposentadoria compulsória aos 75 anos.

O debate sobre a criação de mandatos fixos ganhou força exatamente por essa irregularidade. Mandatos por períodos definidos, como 10, 15 ou 20 anos, promoveriam renovação institucional regular, impediriam permanências excessivamente longas e diminuiriam a influência da idade na composição da Corte. No entanto, mandatos podem enfraquecer a independência judicial, pois ministros que sabem quando deixarão o cargo estariam mais expostos a pressões políticas e a preocupações externas.

A discussão não é somente jurídica; é, sobretudo, política. Mudanças na forma de escolha ou no tempo de permanência alteram diretamente o equilíbrio entre os poderes. Por isso, qualquer reforma precisa ser tratada com cautela e deve ser acompanhada de mecanismos que impeçam que maiorias conjunturais capturem o processo.

Experiências internacionais mostram que não existe modelo perfeito. Há países que adotam mandatos longos e não renováveis, como em diversas cortes constitucionais europeias; outros mantêm mandato vitalício, como os Estados Unidos; e há sistemas mistos, com filtros institucionais mais rígidos que o brasileiro para a formação de listas prévias de candidatos.

No caso brasileiro, o que nos parece necessário é aprofundar o debate público. Seja para manter o modelo atual com ajustes, seja para propor reformas mais amplas, a discussão deve ser transparente e baseada em evidências, e não em conjunturas momentâneas ou em ideologias. A indicação de ministros do STF define a interpretação da Constituição, impacta a economia, influencia políticas públicas e molda a relação entre Estado e sociedade. Por isso, exige responsabilidade técnica, ponderação política e visão institucional de longo prazo.

Ao final, a questão que o Brasil precisa enfrentar é mais profunda e incômoda do que simplesmente como escolher ministros do STF. A pergunta que o país evita formular, mas que definirá seu destino institucional é: que tipo de Supremo a sociedade quer que exista pelas próximas três décadas?

Não se trata de questão técnica, mas de um projeto de país. A resposta a essa pergunta dirá se continuaremos operando sob um modelo que concentra poder, produz assimetrias e reflete os humores momentâneos do Executivo, ou se teremos coragem política e maturidade institucional para discutir mudanças estruturais, previsibilidade, transparência e equilíbrio democrático. Ignorar esse debate é aceitar que o tribunal que interpreta a Constituição e fixa os limites do Estado siga sendo moldado por circunstâncias e não por escolhas deliberadas da sociedade brasileira.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.

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