Da FT 90 ao FORÇA 40: a longa adaptação
O futuro é agora. Não tolera hesitação e exige ousadia. Se a FT 90 foi a semente e o PROFORÇA, o caule, o FORÇA 40 será a árvore frondosa .
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No final da década de 1980, quando a Guerra Fria ainda moldava a agenda internacional, os ecos da Guerra das Malvinas repercutiam em nosso território e o Brasil atravessava a abertura política, o Exército iniciou um movimento ousado, preparando-se para os desafios que se anunciavam para o fim do século.
À época, o Ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, conduziu a implantação do programa FT 90, pouco conhecido fora dos meios militares, mas decisivo para virar a chave da doutrina e do material herdados da Segunda Guerra Mundial rumo ao século 21.
A iniciativa apontava para a aquisição e o desenvolvimento de material de emprego militar que ampliasse a potência de fogo, fomentasse uma nova família de blindados, aperfeiçoasse a defesa antiaérea, consolidasse sistemas de comando e controle, implantasse a aviação no Exército, estabelecesse forças de pronto-emprego, inserisse a guerra eletrônica e aprofundasse a aeromobilidade.
A FT 90 representou um avanço institucional expressivo em um período de forte restrição fiscal. Lembro-me, ainda Tenente, conduzindo meu Pelotão de Cavalaria Mecanizado em aprontos operacionais que, diante da falta de viaturas leves, pintava-se no chão um jipe e se colocava sobre sua silhueta o material que nele seria transportado.
Décadas depois, já em um mundo pós-11 de setembro, marcado pela assimetria de poder, pelo terrorismo transnacional, pela ascensão das ameaças digitais e pela guerra em amplo espectro, mas de baixa intensidade, novos ajustes se impuseram. Um processo semelhante ao conduzido pela FT 90 orientou o programa PROFORÇA.
O PROFORÇA emulou transformações aplicadas por exércitos mais poderosos, buscando a superioridade da informação na "guerra entre as pessoas" que, segundo o General Rupert Smith em seu livro A Utilidade da Força, substituiria a "guerra industrial".
O programa reforçou a importância das tropas especiais, da guerra cibernética e do emprego de forças de elevada mobilidade, capazes de responder rapidamente a crises de toda natureza.
Mal havíamos estudado as adaptações doutrinárias e materiais, com base no impacto da implosão das Torres Gêmeas, eclodiu a guerra na Crimeia em 2014, uma prévia da atual guerra entre Rússia e Ucrânia. O conflito apontou em outra direção e evidenciou a necessidade de nova revisão conceitual. Operações de pequenas frações voltaram a dar lugar a grandes unidades no campo de batalha.
Em pouco tempo, o Exército se viu diante de mais um ponto de inflexão para definir como deverá combater na década de 2040. A incerteza domina os cenários. A única certeza é que a ADAPTAÇÃO passou a ser mais importante que a consolidação.
O ambiente da guerra futura se revela dominado por drones, inteligência artificial, sensores sofisticados e tensões geopolíticas crescentes.
Robôs assumirão funções antes exercidas por soldados na linha de frente. Jovens operadores combaterão a milhares de quilômetros, imersos em telas e joysticks.
Armas antes restritas à ficção científica conviverão com fuzis e carros de combate. Centros de comando e controle poderão emitir ordens a partir de estações na estratosfera. Decisões tomadas no calor do combate poderão ser delegadas a sistemas autônomos, cabendo ao homem preservar a consciência moral das máquinas.
Ciente desse cenário, o programa FORÇA 40 projeta uma estrutura de combate terrestre mais ágil na decisão, mais integrada às demais Forças e naturalmente mais tecnologicamente avançada.
A proposta do FORÇA 40 também se ancora em bases conservadoras e reconhece que as grandes formações de combate mantêm sua relevância na conquista de terreno. Sem o soldado com o coturno no chão, a vitória é incompleta e insustentável.
E não estamos isolados nessa percepção. A Alemanha acaba de adquirir centenas de carros de combate Leopard 2A8, de última geração, para emprego na guerra do futuro.
O Exército que o Brasil precisará em 2040 não será, por óbvio, uma força robótica imaginada por Isaac Asimov, mas deverá ajustar-se à velocidade dos avanços tecnológicos, que exigirão maior precisão, alta letalidade e menores perdas humanas e materiais.
O futuro é agora. Não tolera hesitação e exige ousadia. Se a FT 90 foi a semente e o PROFORÇA, o caule, o FORÇA 40 será a árvore frondosa capaz de somar-se às demais Forças e sustentar, com raízes sólidas, a defesa e a soberania do Brasil.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva