A economia da violência e do crime organizado
Os políticos brasileiros não conseguem se entender, em um contexto de polarização, sobre o que fazer. Desperdiçam tempo................
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A questão da Segurança Pública está no topo das preocupações dos brasileiros. E com toda razão. O Brasil é um dos países mais violentos do mundo e os dados contantes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025) apresenta informações irrefutáveis e assustadoras. A violência, sob as suas mais diversas formas (latrocínio, homicídio, feminicídio, furto, roubo, extorsão, tortura, etc.), retira qualidade de vida das pessoas e famílias, causa prejuízos às empresas e elevados custos para os governos de todos os níveis. O crime organizado apropria-se de territórios, de renda e de ativos das famílias e empresas. O Estado perde soberania e a sonegação de impostos drena recursos dos governos federal, estadual e municipal. As organizações criminosas disputam a posse e a hegemonia de espaços urbanos e rurais utilizando-se de meios letais que causam mortes violentas, sobretudo entre os homens mais jovens.
Há dois aspectos econômicos neste contexto. O principal conceito é de que a segurança é um bem público, intangível por sua própria natureza. Do ponto de vista das pessoas e famílias, os sentimentos de medo, terror e sofrimento reduz o seu bem estar. São externalidades negativas e difusas presentes no cotidiano da sociedade que a economia não consegue precificar ou medir individualmente, mas que, como um fantasma, cria ansiedade e medo, inclusive na mobilidade das pessoas seja a pé, no transporte para casa ou para o trabalho, ou no próprio ambiente laboral. A percepção de insegurança é um dos mais importantes componentes da qualidade de vida, razão pelas qual as pessoas, se não expulsas, migram para outros territórios quando se sentem ameaçadas na sua sobrevivência. A economia do bem estar, em muitos estudos sobre os efeitos da violência, ressalta estes resultados sobre esta dimensão do desenvolvimento social. Uma sociedade insegura é uma sociedade infeliz.
Todavia, a violência gera custos financeiramente tangíveis. Os prejuízos das empresas devido às perdas do seu patrimônio e aos custos privados que incorrem para se protegerem de ambiente hostil são significativos. Os custos dos governos com o sistema de saúde para tratas das vítimas, para manter e modernizar os sistemas repressivos e preventivos de segurança pública (polícias federal, civil e militar dos estados e guardas municipais) e para operar os sistemas judiciário e prisional, são expressivos. Portanto, além dos tangíveis custos públicos, há também os privados. O setor privado não delega, com base na desconfiança, ao setor público a única responsabilidade pela segurança dos seus ativos. As empresas criaram seus próprios mecanismos de proteção, especialmente dos crimes contra a propriedade. Há custos públicos e privados para financiar a melhoria da sensação de proteção da sociedade e da economia contra os criminosos e suas organizações. Os custos sociais , do ponto de vista da economia do bem-estar, embora difíceis de mensurar precisam ser também considerados.
O outro aspecto econômico tem a ver com a estrutura e o funcionamento das organizações criminosas, muitas nascidas nos presídios, que funcionam como organismos produtores de bens e serviços que compram equipamentos e insumos (armas, munições, veículos), geram empregos "informais" e receitas com a venda de proteção e de outros serviços (internet, TV a cabo, etc.) às empresas e famílias, e, sobretudo, com o comércio nacional e internacional de drogas de todos os tipos. A governança é hierarquizada e autoritária, baseada mais na intimidação do que na confiança. As conexões regionais e internacionais são amplas e os meios de transporte e de entrega são cada vez mais sofisticados, desafiando permanentemente os órgãos de inteligência e de vigilância.
Há, além disso, uma imbricação institucional perigosa e alarmante que vem crescendo há décadas em muitas partes do país, mas sobretudo no Estado do Rio de Janeiro. A penetração dessas organizações criminosas no legislativo, no executivo e no judiciário, quer pela presença atuante e direta na defesa dos interesses dos grupos criminosos que os patrocinam e financiam, quer, indiretamente, pela promoção de atos de corrupção de agentes públicos, é sintoma preocupante de que o estado além de perder territórios, perde capacidade, por danos a sua autoridade e soberania,, de combater eficazmente o crime organizado.
Isso contrasta com a polêmica ideológica e político-partidária que ganhou espaço no debate sobre a legislação submetida ao Congresso Nacional que se propõe a aumentar as penas pelos crimes cometidos por essas organizações e pela criação de um Sistema Nacional de Segurança Pública. O crime organizado sabe o que está fazendo e o faz com competência. Os políticos brasileiros não conseguem se entender, em um contexto de polarização, sobre o que fazer. Desperdiçam tempo, desconsiderando o interesse nacional.
Jorge Jatobá, doutor em Economia, professor titular da UFPE, ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, membro do Conselho de Honra do LIDE-PE, sócio da CEPLAN-Consultoria Econômica e Planejamento