STF traz clareza quanto ao intervalo dos professores
O desafio daqui para frente será traduzir esse novo arranjo em práticas cotidianas, com contratos, convenções, rotinas e registros ...................
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A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADPF 1058 representa um marco significativo no equacionamento de direitos e deveres no âmbito das relações de trabalho na educação privada. Ao reconhecer que, em regra, o recreio e o intervalo entre as aulas integram a jornada de trabalho, a Suprema Corte não apenas reafirma a centralidade da valorização docente, mas também promove ajustamentos relevantes para as instituições de ensino, que ganham maior segurança jurídica.
A principal mudança consistiu no afastamento da presunção absoluta de que todo tempo de intervalo ou recreio configura automaticamente tempo à disposição do empregador, alterando entendimento prévio do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Agora, cabe à instituição comprovar, em cada caso, que o professor dedicou esse intervalo a atividades estritamente pessoais, não vinculadas ao funcionamento da instituição.
Para os professores, a conquista é clara e inegável: passam a ter a segurança de que o tempo efetivamente trabalhado, incluindo os momentos de intervalo, será considerado para fins de jornada e remuneração. Assim, a decisão reafirma que a dedicação docente não se esgota no tempo estrito de sala de aula, mas se estende ao ambiente institucional, às interações, às demandas que eventualmente surgem no recreio, ou mesmo às leituras que o professor faz para estar pronto para a próxima aula.
Para as instituições de ensino privadas, por sua vez, a decisão também representa uma vitória relevante. Ao retirar a presunção absoluta e exigir comprovação de que o professor esteve à disposição no período do intervalo, o STF fornece um critério concreto para a organização administrativa: as instituições sabem que devem registrar e organizar seus fluxos, mas agora têm condição de demonstrar que, em determinados casos, aquele tempo não foi de efetiva disponibilidade do docente. Com isso, o julgamento representou um marco para a segurança jurídica das instituições privadas de ensino.
Esse mecanismo de comprovação permite às mantenedoras definir rotinas, elaborar convenções coletivas ou contratos com maior previsibilidade, além de evitar que o entendimento anterior, que automaticamente considerava o recreio como tempo à disposição, se torne fonte de obrigações indeterminadas.
Dessa maneira, a decisão do STF alinha-se com uma visão moderna de governança na educação privada: não se trata de eliminar o reconhecimento dos professores, mas de harmonizar interesses, dar transparência às relações e reduzir riscos. Neste cenário, instituições que adotam práticas de registro, monitoramento e diálogo com o corpo docente saem fortalecidas, enquanto aquelas que mantinham rotinas menos organizadas serão estimuladas a se adequar.
Não se pode perder de vista que o ensino é uma atividade complexa, que exige não apenas o cumprimento literal da carga horária, mas também a disponibilidade, a preparação, o engajamento com alunos, coordenação e reflexão de prática pedagógica ou acadêmica. Reconhecer que o intervalo ou recreio, quando inserido no contexto institucional, pode fazer parte da jornada docente é um passo importante para valorizar o professor como sujeito de direitos e não apenas executor de tarefas.
Igualmente, permitir que a instituição demonstre com evidências que o docente utiliza o intervalo para atividades pessoais, ou que sequer esteja presente na unidade de ensino, dá a ela margem para organizar o ambiente de trabalho sem comprometer seu funcionamento ou solvência financeira. Tratase, portanto, de um equilíbrio que até aqui era frágil e conflituoso, mas que agora ganha melhor arcabouço jurídico.
Convém ressaltar que a decisão não representa uma licença para que as instituições ignorem a disponibilidade docente ou desconsiderem o caráter pedagógico das pausas. Pelo contrário, ela parte do reconhecimento de que, salvo caso concreto de uso pessoal, o intervalo está ligado à dinâmica institucional e ao papel do professor.
Cabe destacar, ainda, que a decisão produz efeitos imediatos, embora não atue retroativamente em relação aos valores já pagos de boa-fé, ou seja, aos professores que já receberam em função de processos decorrentes da presunção absoluta. É, portanto, um momento de avanço, mas também de responsabilidade para que o setor privado de ensino exerça a autonomia com rigor e invista em governança, compliance e transparência.
Em síntese, o julgamento da ADPF 1058 deve ser saudado como uma vitória dupla: para os professores, que ganham em segurança e clareza sobre seus direitos, e para as instituições educacionais privadas, que agora dispõem de uma base jurídica mais estável para organizar suas atividades e comprovar situações específicas. Esse é um resultado que estimula a maturidade das relações de trabalho no setor.
O desafio daqui para frente será traduzir esse novo arranjo em práticas cotidianas, com contratos, convenções, rotinas e registros, de modo que o respeito ao professor e a autonomia das instituições caminhem de mãos dadas, ajustados à nova realidade jurídica. A educação privada sai fortalecida, desde que assuma esse compromisso com seriedade e proatividade.
Janguiê Diniz, diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo.